A Geometria do Sri Yantra

Estes desenhos antiquíssimos, que parecem cristalizar a sabedoria dos Vedas, tentam-nos com a sua serena, intrincada e ao mesmo tempo simples geometria, chamando-nos com a sua voz silenciosa para prosseguirmos nos mistérios do Ser, além do qual tudo o que existe são ondulações do oceano de Maya, a ilusão.

Um dos enigmas matemáticos apresentados pela antiga Índia é a geometria do Sri Yantra. E não é apenas um enigma na sua construção matemática, mas também na sua própria natureza, pois trata-se de um diagrama mágico, que por meio de meditações difíceis, permite avançar no reino da consciência do ser e de uma cosmovisão velada em símbolos geométricos, um microcosmo de energias celestiais, semelhante ao próprio ser humano como espelho do universo, e um poderoso talismã.

Subhash Kak,  enquanto engenheiro e letrado na filosofia e literatura hindu é um dos grandes divulgadores das suas ciências e enigmas tecnológicos, diz-nos1 que:

“A representação icónica do universo como o Sri Yantra mostra a recursão mais claramente. Em primeiro lugar, a divisão tripartida em terra, atmosfera e sol, que é refletida no indivíduo pelo corpo, a respiração e a luz interior da consciência, é representada por três triângulos. Em segundo lugar, dentro de cada triângulo há níveis hierárquicos inferiores, de dois outros triângulos, de polaridade oposta alternada, que representa os princípios masculino e feminino. No total, isso soma 9 triângulos, que através das suas sobreposições constituem um total de 43  pequenos triângulos. Bem no centro disso está o ponto, o bindu, que é Shiva, a Testemunha ou a Consciência. A natureza evolui de acordo com a lei (rta em sânscrito), mas tem uma relação paradoxal com o princípio da consciência.”

Vemos, efetivamente, dentro do diagrama da terra, com as suas portas abertas para as 4 direções do espaço ou cardeais, um duplo círculo, que abriga outro duplo círculo de lótus, de 16 e 8 pétalas, respetivamente. Dentro, 5 triângulos descendentes (3 + 2 interiores), estão entrelaçados com 4 ascendentes (3 + 1 interior). Os descendentes representam o princípio feminino, como a água, que tende sempre para baixo; os ascendentes, são o fogo que se eleva. Ambos formam Prakriti, a natureza pura, ativada e que floresce dentro e sobre a terra manifestando o espírito na matéria.

É importante, e não é fácil, distinguir e ver uns e outros triângulos. No Decoding The Hidden Geometry of Sri Yantra, do Dr. Aniket Srivastava, é muito claro:

Embora haja muita discussão sobre a forma exata de construí-lo, pelo menos uma delas, fá-lo sobre uma rede quadrada de 7 x 7 e, misteriosamente, o triângulo superior é quase idêntico ao da Grande Pirâmide, com seus 51° 51`. Esse motivo de 7 x 7 (assim como o de 8 x 8 do xadrez) é muito repetido na arte hindu. O facto de tudo surgir numa grade 7 x 7 é muito evocativo e tem profundos significados. São os Sete Prakritis ou Naturezas da filosofia hindu, onde tudo se cristaliza, nasce, vive e morre; e que se expressam no ser humano naquilo que chamamos de Constituição Septenária.

Na página http://alumni.cse.ucsc.edu/~mikel/sriyantra/square.html podemos ver o processo da sua construção:

As regras de construção fornecidas, nunca permitem que seja exato, o que se torna evidente quando se cruzam 3 linhas como sucede, neste caso, no ponto UP. Se o Sri Yantra é pequeno, é quase impercetível, mas à medida que aumenta o tamanho, também aumenta o erro. Matemáticos e geómetras hindus e russos chegaram à conclusão de que o motivo original deve ser traçado numa esfera, no céu, e as linhas talvez tenham relação com a trajetória do sol ou com pontos importantes neste ou no céu. Ao projetar-se sobre a Terra, geram-se erros naturalmente.

Para corrigir esses erros, um autor, T. V. Ananthapadmanabha, estabelece que o círculo base no qual se constrói o Sri Yantra, na verdade, é uma sobreposição de 2 círculos muito próximos. Talvez esta seja, simplesmente, uma aproximação da geometria esférica no plano. Mas de todo o modo, os ecos filosóficos desta proposta são muitos. Lembram-nos a dupla esfera, quase confundida de “mente dupla” (Manas e Kama-Manas), é nesta união onde a consciência humana se verifica. Ou no Egipto, as duas figuras femininas que quase se confundem  do Ab e do Ba, com o mesmo significado. Ambas, vistas sem atenção, parecem uma única figura. A mente, vista sem atenção, parece uma, mas existem dois Eus atuando simultaneamente, um que ordena a matéria de acordo com os desejos, cego, automático; e o outro, que vê e sabe, mas não pode agir, exceto exercendo o seu poder natural sobre o primeiro ou básico, e que é filho do céu.

A geometria hindu faz uma distinção e dá nomes diferentes à união de 2 linhas, que chama de Sandhi, e à de 3, Marmas. O número de Sandhis no diagrama do Sri Yantra é de 24. Mas o número de Marmas depende dos autores, alguns textos consideram 16, outros 24 e até mesmo 28, por causa do que dissemos anteriormente sobre a junção meramente aproximada das três linhas em alguns dos casos.

Como vimos anteriormente, uma forma de construção é traçando 9 cordas ou pontos horizontais e 9 verticais. O número 9 é muito importante no Sri Yantra. Lembremos que o 9 é a Nau do tempo, ou seja, os ciclos que nele existem, e que permite à vida, como um Argha (ou Arca) não submergir no caos, guardar as sementes da vida. O 9 é em Heliópolis (também em Hermópolis e em outras teogonias) o número dos Deuses Primeiros, identificados como os Números-Ideias pitagóricas com os quais tudo é construído. E como já vimos, o 9 encerra-se sobre si mesmo, completa a primeira série (incluindo o Zero como centro ou ponto sem dimensões). Toda a operação simples com o 9 (soma e multiplicação) regressa, na sua soma teosófica, ao próprio 9.

9 + 9 = 18    1 + 8 = 9

9 x 3 = 27    2 + 7 = 9

O próprio Sri Yantra é considerado como uma Montanha Sagrada (equivalente ao símbolo da Barca, ambas se erguem sobre as Águas Primordiais, permitindo uma ordem de vida sobre elas) com 9 níveis, com nomes distintos.

Diz-se que é formado por 9 chakras ou recintos (nava-avarana), que são os seguintes:

1-Bhupura: o Quadrado da Terra, com as suas portas abertas para as 4 direções do espaço.

2 e 3-Trivalaya (3 círculos concêntricos), Shodasha-dala Padma (círculo formado por lótus de 12 pétalas) e Ashta-dala Padma (idem de 8 pétalas). Outros consideram os 9 chakras apenas a partir dos círculos de lótus, sendo os 3 círculos concêntricos, e o quadrado da terra simplesmente o suporte.

Círculo interno, formado pela sobreposição de 9 triângulos (5 para baixo e 4 para cima), que geram 42 triângulos pequenos que rodeiam como 5 pétalas concêntricas, e um triângulo, o ponto central (bindu). Cada um deles é considerado um chakra ou recinto diferente.

4-Chatur-dashara: Grinalda de 14 triângulos. 7 superiores (acima da linha do horizonte) e 7 inferiores, refletidos em espelho. Como os Sete Raios Puros e as suas sombras impuras, ou caminhos projetados por eles mesmos, da Teosofia, ou as Sete Leis no subjetivo e objetivo, dentro e fora do círculo de manifestação.

5-Bahya-dashara: Grinalda de 10 triângulos externos.

6-Antar-dashara: Grinalda de 10 triângulos internos.

7-Ashtakona: Grinalda de 8 triângulos.

8-Sarva-siddhi-prada: Triângulo interno invertido.

9-Bindu:o Ponto, às vezes considerado como um triângulo adimensional.

Segundo Subhash Kak2, estes 9 recintos “indicam simbolicamente diferentes fases no processo de desenvolvimento do Ser” e, diz também, que neles estão dispostas 108 Deusas regentes.

De certa forma, encontramos 42 triângulos dispostos em 4 círculos e uma tetraktis (4 = 3 + 1), o triângulo base com o ponto central. Os 42 atuariam como potências criativas (6 x 7) e a Tetraktis de Logos (Espírito-Semente), um equivalente de Osíris e os 42 Juízes do Egito que já estudamos num outro artigo.

Em algumas representações, o círculo é dividido por um cordão vertical (fazendo de diâmetro) dividido em 22 pontos ou nós com distâncias iguais, em alguns dos quais são traçadas as linhas do Sri Yantra. Isso parece representar os 22 passos de Deus, cujas pegadas são os 22 caminhos entre os Sephirots da Cabala ou as consoantes dos alfabetos sagrados, também um símbolo dos poderes criadores do Logos, como a soma de 3 + 7 + 12 (Triplo Logos + Sete Raios + 12 Construtores).

Geralmente é dado um valor de 1083 ao círculo interno no qual os triângulos se entrelaçam e, como vemos no supra mencionado artigo de Ananthapadmanabha, isso determina as seguintes medidas dos 3 recintos externos:

Aqui, e do mesmo autor, podemos ver as diferentes “guirlandas” de triângulos que se formam (42 + 1, que inclui o ponto):

Subash Kak, no artigo mencionado, revela o significado mais oculto da geometria sagrada do Sri Yantra:

“O ritual Sri Yantra infunde o yantra com um mantra que representa a união do espaço e do som.  Os seus circuitos fechados e concêntricos (mandalas) correspondem aos nove planos de consciência do sādhaka. Cada plano é uma etapa na ascensão do próprio ser em direção ao Ser Interior. As vogais e consoantes do sânscrito estão inscritas nos vértices do Sri Yantra (Abhinavagupta, 2005). Em cada um dos nove circuitos (āvaraṇas) com deidades específicas, invoca-se a Deusa Lalitā. As deidades são como véus que escondem a essência mais profunda. Depois que o sādhaka invocou todos os devatas da maneira prescrita, obtém uma visão na qual todas as deidades do plano se fundem para se converter na deidade que preside ao circuito.”

Assim, estes desenhos antiquíssimos, que parecem cristalizar a sabedoria dos Vedas, tentam-nos com a sua serena, intrincada e ao mesmo tempo simples geometria, chamando-nos com a sua voz silenciosa para prosseguirmos nos mistérios do Ser, além do qual tudo o que existe são ondulações do oceano de Maya, a ilusão.


  1.  No seu belo artigo, “Arte e Cosmologia na Índia”, disponível na íntegra em http://www.sutrajournal.com/art-and-cosmology-in-india-by-subhash-kak ↩︎
  2.  Ver o excelente artigo artigo “The Great Goddess Lalitā and the Śrī Cakra” http://m.koausa.org/subhashkak/docs/SriChakra.pdf ↩︎
  3. Ver a importância deste número noutro artigo desta mesma revista. ↩︎

Imagem de capa

Sri Yantra gravado em metal por Ranjithsiji CC BY-SA 3.0

Primeira imagem no artigo

O Lalita Sahasranama em forma diagramática, mostrando como os seus nove triângulos entrelaçados formam um total de 43 triângulos mais pequenos. Por N.Manytchkine – http://en.wikipedia.org/wiki/File:Sri_Yantra_256bw.gif, CC BY-SA 3.0,

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