“A descoberta do número – melhor seria dizer a redescoberta, melhor ainda a descoberta recomeçada – não cabe, assim, na ordem da ciência nem se restringe à arte: apela para uma confluência futura interminavelmente adiada pelas carências da nossa consciência restritiva e incessantemente prometida pela intuição fulgurante do Eu impessoal. Pede-se à lucidez a lembrança constante do seu inconsciente, pede-se à certeza intuitiva da iluminação a paciência de «converter» o corpo.
Lima de Freitas – Almada e o Número
O número tal como Almada o vislumbrou (Número como Numen), não pode ser entendido pelos modernos tecnocratas do progresso, que lidam apenas com quantidades, nem pelos cultores de uma incontinência estética de onde foi excluído todo o rigor.”
Quando estudamos os números e as suas propriedades apercebemo-nos e começamos a compreender algo que transcende a natureza objectiva de onde aparentemente estes são gerados, e até nos podemos questionar se estes existem efectivamente.
Os platónicos acreditavam que sim, que os números existem mesmo. Para eles, os números são entidades abstractas que existem fora do nosso universo. Ou por outras palavras, existem, mas não os podemos “localizar” no espaço-tempo.
Para Pitágoras, a harmonia do universo só podia ser explicada através dos números. Os membros da escola Pitagórica tinham uma adoração especial pelos números, estudavam-nos minuciosamente, o que os levou a estabelecer várias propriedades e relações entre eles.
Ao longo dos tempos, foram-se classificando os números em vários conjuntos, segundo as suas diferentes características: Naturais, Inteiros, Reais, Racionais, Irracionais, Algébricos, Transcendentes, etc.
A natureza transcendente dos números deslumbra os matemáticos, desde meados do século XVIII, apesar de estes não serem raros no conjunto dos reais; a verdade é que há muitos mais transcendentes do que números de qualquer outro subconjunto.
Pela definição matemática diz-se que:
anxn+an-1xn-1+ … + a1x + a0= 0, aiЄ Z, para todo o i Є {0,…,n}
é chamado um número algébrico. Ou seja um número α é algébrico quando é possível encontrar uma equação polinomial com coeficientes inteiros, da qual α seja raiz.
Ou seja, um número transcendente não pode ser escrito nem na forma de uma razão, nem na de uma raiz de um número racional. Assim, os números transcendentes são irracionais, mas um número irracional não é necessariamente transcendente (como é o caso da raiz quadrada de 2).
Quando ainda se conheciam pouquíssimos exemplos de números transcendentes, Georg Cantor surpreendeu toda a comunidade matemática ao demonstrar que quase todos os números reais são transcendentes, o que é difícil é defini-los e provar a sua transcendência.
O número de Euler, mais conhecido pela letra e, é um destes números especiais. Para quem é admirador da beleza da matemática e dos seus fenómenos, o número e carrega um grande significado, sendo uma das mais importantes constantes reais, pois tem importância estratégica nas aplicações de várias áreas do conhecimento científico.
As propriedades do número Pi (π), que é o parente mais próximo de e, já eram conhecidas há muito tempo, sendo citado nas passagens bíblicas e nos trabalhos de Arquimedes (287 a 212 a.C.). Contudo, o número de Euler só foi comprovado muito mais tarde.
O símbolo e foi usado por Euler em 1739, apesar da ideia que representa este número já ser conhecida anteriormente. A irracionalidade de e foi demonstrada por Lambert em 1761 e mais tarde por Euler. A prova da transcendência de e foi estabelecida por Hermite em 1873.
Por vezes este número é denominado por número de Euler ou constante de Euler, em homenagem ao matemático suíço Leonhard Euler, (1707-1783), que foi considerado um dos maiores matemáticos de todos os tempos, do qual diziam que “calculava com a facilidade com que os outros respiram”.
Laplace (matemático francês) disse:
Gugliemo Libri no “Journal des Savants”, Janvier 1846
“Leiam Euler, leiam Euler, ele é o mestre de todos nós.”
Outras vezes, este número é denominado, por número de Napier, em homenagem a John Napier, número de Neper, constante de Néper, número neperiano, constante matemática, número exponencial entre outros.
John Napier, Escocês, não foi só matemático, também se interessava por física, astronomia, astrologia e teologia. Sendo defensor da reforma protestante, participou das discussões e disputas da época sobre religião e publicou, em 1593, um livro intitulado Descoberta de Plaine de toda a revelação de St. John. Para ele a matemática era um passatempo; no entanto, o seu destaque nesta área foi muito grande.
Foi o inventor do logaritmo natural. O seu objectivo era obter uma forma menos trabalhosa de fazer cálculos. É que, na época, fazer uma multiplicação entre números grandes era muito difícil, a ideia dele era obter o resultado de uma multiplicação através de uma soma, uma operação muito mais fácil. Publicou um livro intitulado Mirifici logarithmorum canonis descriptio (Uma Descrição do Maravilhoso Cânon de Logaritmos), que continha uma descrição de logaritmos e um conjunto de tabelas e regras para o uso deles.
“Percebendo que não há nada mais trabalhoso na prática da matemática, nem que mais prejudique e atrapalhe os calculadores, do que as multiplicações, as divisões, as extracções do quadrado e do cubo dos números muito grandes…comecei a considerar em minha mente através de que tipo de arte certa e rápida poderia remover essas dificuldades.”
John Napier, Mirifici logarithmorum canonis descriptio (1614)
Para falarmos do número e temos que, primeiro, falar de logaritmos.
Logaritmo é uma palavra de origem grega formada de lógos (razão, evolução, discurso) e arithmós (número). “Logaritmo” significa, literalmente, a evolução de um número.
A primeira referência à constante e foi publicada em 1618 na tabela de um apêndice de um trabalho sobre logaritmos de John Napier. No entanto, este não contém a constante propriamente dita, mas apenas uma simples lista de logaritmos naturais calculados a partir desta. A primeira indicação da constante foi descoberta por Jakob Bernoulli, quando tentava encontrar um valor para uma expressão muito comum no cálculo de juros compostos, no início do século XVII, período em que o volume das transacções financeiras não parava de aumentar.
Para apresentar o e, vamos imaginar a seguinte situação hipotética:
Imaginemos um banco que paga juros de 100% ao ano, isto é hipotético, claro, mas mesmo assim, vamos imaginar que existia esta taxa.
Após um ano, teríamos o montante de 2,00€ para cada 1,00€ aplicado.
Mas se os juros forem creditados semestralmente, ao final de um ano teríamos 2,25€.
A expressão para este cálculo é (1 + 1/n)n
No caso do crédito semestral, temos n=2, o que dá:
(1 + 1/2)2 = 2,25
Para o crédito trimestral, temos n=4 e o resultado seria de 2,44141.
Vejamos alguns resultados para diversos valores de n na tabela abaixo:
n | (1 + 1/n)n |
0 | 1 |
1 | 2 |
2 | 2,25 |
3 | 2,37037 |
4 | 2,44141 |
5 | 2,48832 |
10 | 2,59374 |
50 | 2,69159 |
100 | 2,70481 |
1.000 | 2,71692 |
10.000 | 2,71815 |
100.000 | 2,71827 |
1.000.000 | 2,71828 |
10.000.000 | 2,71828 |
Agora se calcularmos o resultado para quando n tende para infinito, fica:
Esta expressão é uma potência de base (1+1/n) e expoente ‘n’, que é uma forma compacta de dizer que a base se multiplica por si própria ‘n’ vezes. Quando temos uma fracção em que o denominador tende para infinito, e o numerador é um número finito, então essa fracção tende para zero (é como dividir uma piza num número ‘n’ de fatias: o tamanho de cada fatia tende para zero à medida que aumenta o número ‘n’ de cortes). Logo, o resultado da expressão seria, se retirássemos o expoente ‘n’, 1 + 0 = 1. Por outro lado, se não tivéssemos a fracção, então seria 1 com expoente ‘n’, que é o mesmo que dizer que multiplicaríamos 1 por si próprio ‘n’ vezes, o que dá sempre 1.
Contudo, quando consideramos tanto a fracção como o expoente, o problema não é assim tão simples. À medida que a base (1+1/n) diminui, o expoente ‘n’ aumenta, logo poderão assumir que o resultado tem que ser um número maior que 1 (porque a base é sempre maior que 1 para qualquer ‘n’ maior que 0). De facto assim é, o limite desta função de ‘n’ tende, aproximadamente, para:
2,71828182845904523536028747135266249775724709369995957496696762772407663035354759451382178525166427…,que é o número de Euler (são conhecidos mais de 1 bilião de dígitos deste número).
Este é um número que, tal como o Pi, tem uma expansão decimal que continua ad infinitum, mas que jamais repete o mesmo bloco de dígitos, é uma dízima infinita não periódica. A prova disto foi confirmada pelo matemático suíço Euler em 1737, na sua obra “Introductio in analysin infinitorum”, trabalho que analisava os vários comportamentos das séries infinitas e das fracções contínuas, sendo o primeiro a chamar a atenção para o singelo número que de forma recorrente aparecia nas suas funções. Conhecido pela sua formalidade na matemática, Euler constatou a irracionalidade do número de forma precisa e nunca antes confirmada.
O número e é normalmente usado como base na função exponencial (a função exponencial é um caso particular de uma potência em que a base é o número de Euler). Consequentemente, é também usado como a base dos logaritmos naturais.
O logaritmo de x, cuja base é o número e, designa-se por logaritmo natural e pode ser representado de duas formas: loge x ou ln x
Considerando as expansões de Taylor, poderemos representar este número como a seguinte soma infinita:
onde o ponto de exclamação representa a operação “factorial”, em que o número natural em causa é multiplicado por todos os números naturais menores que ele. Por exemplo, 5! = 5 x 4 x 3 x 2 x 1 = 20 x 6 = 120.
O número de Euler é um número bastante relevante uma vez que aparece em muitas áreas distintas da Matemática, é também encontrado nas aplicações de finanças, economia, física, engenharia, biologia, astronomia, etc., o que valida a teoria de que há uma certa harmonia entre a matemática e a natureza.
O número e aparece, também, na Fórmula de Euler. Esta é uma fórmula matemática que mostra uma relação profunda entre as funções trigonométricas e a função exponencial. A fórmula é dada por:
eix = cos(x) + i sen (x)
em que :
x é um número real;
e é a base do logaritmo natural;
i é a unidade imaginária;
sen e cos são funções trigonométricas.
A identidade de Euler é um caso especial da fórmula de Euler, no caso particular quando x = π, fica então, cos (π) = -1 e sen (π ) = 0, obtemos, portanto, a Identidade de Euler, que é considerada a equação mais bela da Matemática:
eiπ + 1 = 0
Nesta identidade:
e (e= 2.71828…): número transcendente que é a base do logaritmo natural e o resultado da soma infinita “1/0! + 1/1! + 1/2! + 1/3! + 1/4! + …”
i (√-1): é a unidade imaginária; é a solução da equação “x² + 1 = 0” e tem a propriedade “i² = -1”. Um número complexo é um número z que pode ser escrito na forma:
z = x + iy, sendo x e y números reais e i a unidade imaginária.
π (π = 3.14159…): número transcendental obtido pela razão entre o perímetro e o diâmetro de qualquer circunferência.
0: representa um número nulo no sistema de numeração, a cardinalidade de um conjunto vazio, o elemento neutro na adição (identidade aditiva) e na subtração e absorvente na multiplicação.
1: elemento neutro do produto (identidade multiplicativa).
A beleza desta equação está naturalmente na sua simplicidade e no seu poder. Numa só igualdade aparecem aqueles que são eventualmente os 5 símbolos mais importantes da Matemática (a aritmética, representada pelo 0 e pelo 1; a álgebra, representada pelo i; a geometria, representada pelo π e a análise, representada pelo e) e as operações básicas. Com tanta beleza, simplicidade e profundidade, muitas vezes lhe foi atribuído um significado místico. Edward Kasner e James Newman relatam um episódio no Mathematic and the Imagination: para Benjamin Peirce (1809-1880), um dos principais matemáticos de Harvard no século XIX, a relação de Euler eiπ+1=0 foi uma revelação. Ao descobri-la, um dia, voltou-se para os seus alunos e disse: “Cavalheiros, que isto certamente seja verdadeiro é absolutamente paradoxal. Não podemos entender a fórmula, não sabemos o que significa, mas conseguimos prová-la e, portanto, sabemos que deve ser verdade”.
Porém há quem diga que:
“Para desfrutarmos desta beleza matemática é necessária a compreensão dos conceitos que nela intervêm. Quando a partir de alguns elementos inicialmente dispersos e sem relação, a mente humana é capaz de criar uma sinfonia que os harmoniza e os mostra como parte de um todo, surge perante nós uma paisagem luminosa: a compreensão profunda dos elementos e as relações entre eles. Em matemática não é possível beleza sem compreensão. E nesta fórmula, Euler, mescla o imaginário e o real, o racional e o irracional, o algébrico e o transcendente.”
“As leis da natureza nada mais são do que pensamentos matemáticos de Deus”. Kepler
FONTES CONSULTADAS:
– www.spm.pt (vários artigos)
– História da Matemática – Carl.B. BOYER