A Matemática pode ser definida como sendo uma atividade que envolve um raciocínio baseado em regras bem explícitas e que se pratique no dia-a-dia, tal como a troca de dinheiro, o revestimento de um solo com azulejos ou um jogo de cartas, para citar apenas alguns dos exemplos que são inúmeros e dos quais não damos conta.
Contudo, se nos limitarmos a considerar a Matemática enquanto Ciência, diremos que esta área do conhecimento nasceu com o aparecimento dos números inteiros e positivos, tais 1, 5 ou 20. E a humanidade demorou milénios a passar da quantidade ao número. A ideia de número é o culminar de um longo trabalho de abstração do pensamento.
A ideia de número inteiro e positivo, abstrata, mas necessária para quantificar, tem origem provavelmente na pré-história se considerarmos alguns indícios, tais como ossos encontrados no continente africano e datando de cerca de dezenas de milhares de anos. Estas peças, pelas suas incisões e entalhes parecem sugerir calendários. No entanto, são raras e não permitem ainda tirar conclusões credíveis.
É na Mesopotâmia que foram descobertas as primeiras provas de utilização de números. Trata-se de bolas de argila contendo pequenas fichas, do mesmo material, de dimensão e formas variadas. Assim, enquanto as fichas quantificavam bens, as bolas tinham na sua superfície o selo do proprietário. Estas esferas, que constituem uma forma primitiva de registo de cálculo, foram evoluindo ao longo do tempo. Inicialmente, as mesmas exibiam símbolos no exterior, obtidos premindo as fichas contra elas antes de serem colocadas no seu interior. Essas marcas tinham como objetivo dar a conhecer o conteúdo das bolas sem que estas tivessem que ser quebradas. Posteriormente, as esferas acabaram por se achatar, transformando-se em tábuas de argila, e as fichas contidas no interior deixaram de existir (Figura 1). Foi quando se começou a utilizar o cálamo para marcar a argila com o registo da quantidade de bens, assim como da sua natureza. Assim, considera-se que foi a necessidade de quantificar e representar números que deu origem à escrita. A numeração escrita, bem como a escrita parecem ser contemporâneas.
No início do II milénio, com a adoção da escrita cuneiforme, instalou-se, na Mesopotâmia, um sistema numérico baseado na base 60, apelidado de sistema de numeração sexagesimal. Atualmente, usamos a base decimal, cuja base é 10, no entanto, as unidades de tempo ainda pertencem ao sistema sexagesimal, pois uma hora divide-se em 60 minutos e um minuto em 60 segundos. Também os ângulos, quando medidos em graus usam esse sistema: uma volta circular completa corresponde a 360°, ou seja 6×60°.
Note-se que o número 60 possui muitos divisores (1, 2, 3, 4, 5, 6, 10, 12, 15, 20, 30 e 60), que são números inteiros pelos quais se pode dividir um número, dando resto zero. Talvez esse facto seja uma das razões do sucesso desse sistema.
Na Mesopotâmia antiga, eram usados apenas dois símbolos para o número 1
e para o número 10.
Assim, os números de 1 a 60 eram representados da seguinte forma (figura 2):
Para representar números superiores a 60, o valor atribuído aos símbolos dependia da sua posição, tal como no nosso sistema decimal. Por exemplo, na base 10, o número 256 é decomposto da seguinte forma:
256 = 2×100 + 5×10 + 6×1, o que equivale a escrever 256 = 2×102 + 5×101 + 6×100 , ou seja, da direita para a esquerda, os algarismos 6, 5 e 2 representam respetivamente o número de unidades, o número de dezenas e o número de centenas.
No sistema sexagesimal, acontece o mesmo, mas em vez de usar a base 10, utiliza-se a base 60. Assim, os Babilónios representariam o número 86048 como mostra a figura 3:
86048 = 23×602 + 54×601 + 8×600 = 23×3600 + 54×60 + 8×1
Uma vez que os Babilónios não tinham o equivalente à nossa vírgula, tal escrita podia gerar ambiguidades. Por exemplo, a representação da figura 4 pode designar o número 3×601 + 20×600, ou seja 200, mas também pode significar
3×600 + 20×60-1, ou seja, a fração
Apesar de o saber matemático, na Mesopotâmia, estar ligado à vida prática, existem registos de exercícios de Matemática envolvendo a divisão de grandes números, não relacionados com a vida quotidiana, que se sabe serem destinados à aprendizagem dos escribas. Esses exercícios matemáticos revelavam um grau de abstração e dificuldade superiores àqueles que se usavam na vida prática. São conhecidas tabelas que os escribas usavam e que eram relacionadas com multiplicação, conversão de unidades de medida, juros compostos, raízes quadradas, quadrados e cubos dos números, entre outros. Eram capazes, por exemplo, de obter uma boa aproximação para a raiz quadrada de um número inteiro.
Tinham ainda conhecimentos suficientes para determinar a área de figuras simples como o triângulo e o trapézio retângulos ou o retângulo, mas também a área de figuras mais complexas, que eles dividiam em figuras mais simples.
Para calcular a área de um círculo, primeiro determinavam o perímetro da circunferência correspondente, triplicando o diâmetro e seguidamente, dividiam por 12 o quadrado desse perímetro, ou seja, efetuavam o seguinte cálculo:
sendo D o diâmetro do círculo, o que equivale a considerar π = 3 no lugar de 3,14159….
Os Mesopotâmicos também tinham grandes conhecimentos ao nível da Álgebra, uma vez que sabiam resolver equações do primeiro, segundo e terceiro grau. Faziam-no formulando o problema do ponto de vista da geometria. Dando um exemplo, eram capazes de determinar o lado x de um quadrado, sabendo que a diferença entre a sua área e o seu lado é 100, o que equivale, neste caso, a resolver a seguinte equação de segundo grau: x2 – x = 100. Tais capacidades revelam o poder de abstração que esse povo possuía. Nos dias de hoje, essas técnicas não deixam de ser admiráveis e impressionantes, se tivermos em conta que eles não usavam a linguagem matemática que usamos atualmente, a qual ajuda na resolução desses problemas.
Bibliografia
História das Ciências, Volume 1, Dir. Philippe de la Cotardière
Matemáticas em Mesopotamia, Carlos M. Gómez
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Foto de Levi Meir Clancy na Unsplash
Composição MpF