A natureza e a sua mensagem de beleza

Quando empregamos a palavra “verdade”, queremos significar um conhecimento do universo, em todas as suas manifestações, visíveis e invisíveis. Essas manifestações, quando refletidas em nossa consciência, dão origem à percepção de uma lei.
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Mas cada lei concernente ao universo está entremeada com a sua mais íntima textura. Pelo facto de ser o universo o que é, as leis formuladas pelas nossas mentes existem, quer nós existamos ou não para descobri-las. A Verdade, realmente, não é fruto das descobertas dos investigadores; a Verdade existe, porque o universo existe.

Ora, esta Verdade somos nós, pois o Homem, uma parte infinitesimal do Todo, é, não obstante e de modo misterioso, aquele Todo. Além do mais, de um modo que parece incrível, qualquer verdade referente ao Todo é encontrada algures, em qualquer fração do Todo.

Portanto, as verdades referentes a Deus, à natureza, e à ascensão do homem rumo à Divindade, existem no próprio homem. Os tesouros de sabedoria, amor e beleza do Todo existem nos mais íntimos recessos da alma humana. Se um homem investigar corretamente, poderá encontrar toda a Verdade.

Há dois processos adequados para a descoberta da verdade. Um é pelo emprego de Manas, a mente; outro é pelo emprego de Buddhi, a intuição. No presente estágio de evolução, o método da descoberta da verdade por meio de Buddhi, excluindo-se Manas, é possível apenas a poucos homens; devemos, portanto, eliminar Buddhi nesse sentido. A mente, contudo, já foi muito bem desenvolvida pelos Egos adiantados da nossa Humanidade, e muito já nos tem servido para descobrir a verdade. Os fatores para a descoberta são: a matemática, a ciência e a filosofia.

Porém, o que a mente até agora revelou é incompleto, porque deixou de incluir no programa um aspecto da natureza. Esse aspecto é aquele em que a Natureza se revela como Beleza. Enquanto a natureza for considerada como demonstrando somente Lei e não Beleza, o nosso vislumbre da verdade permanece parcial.

Vimos em outro capítulo, no nosso estudo das leis de formação da matéria, como a Mente Divina do Logos constrói segundo certos princípios fundamentais. Não percebemos, apenas, quando estudamos os elementos químicos, uma profunda sabedoria; reagimos com um sentimento de admiração, diante de uma obra que é um primor em simetria e proporção. Quando tivermos sob nossas vistas os diagramas que demonstram detalhadamente a criação de todos os elementos químicos da LEI PERIÓDICA[1], este sentimento de admiração será tão profundo como quando contemplamos um prefeito edifício como o Parthenon ou Taj Mahal. De facto, à medida que o Logos constrói, ELE esmera-se em beleza, e toda a natureza é a Sua obra-prima.

Examinemos as três folhas (figuras 1, 2 e 3. A natureza laborou através das idades para produzir em cada uma delas uma qualidade: a beleza. Muitas leis estão em atividade, para atrair à folha o carbono do ar, aproveitando os raios solares para produzir a clorofila, transmutando minerais da terra e erguendo-os do solo, contra a lei da gravidade. Mas qual é o misterioso atributo da natureza que delineou “mecanicamente”, como se costuma dizer, uma coisa tão linda como uma destas folhas?

Vislumbramos uma lei da obra-prima da natureza na nossa seguinte ilustração (figura 4). A lei não pertence à física nem à química, mas a uma outra esfera, a da arte. É a lei de radiação. A Beleza revela-se mais uma vez, à medida que a natureza produz uma flor, uma folha, um crustáceo e um cristal de neve. Uma beleza menos perceptível à maioria é vista na constituição das células do Scolopendrium officinarium (figura 5), quando os seus filamentos protoplásmicos atravessam as paredes das células.

Figura 4 – Ilustração da Lei da Radiação na natureza (imagem original)
Figura 5 – imagem original

Um facto é evidente: embora o atributo essencial da natureza seja a beleza, tal beleza está baseada na geometria. A velha máxima dos estóicos, “Deus geometriza”, revela profunda verdade, à medida que a ciência penetra cada vez mais os mistérios da natureza. No desdobrar irradiante das folhas em espiral do Alstroemeria (figura 6), apresenta-se uma das formas geométricas mais comuns. Como a vida-força no reino vegetal insiste em construir geometricamente, evidencia-se num fungo (figura 7), o qual foi fotografado há doze anos, perto de Wellington, na Nova Zelândia.

Mais instrutiva é a concha marinha Solarium perspectivum (figura 8), porque a sua espiral é uma curva logarítmica. Essa concha – como aliás todas as conchas espiraladas[2] – leva-nos diretamente ao domínio da arte.

Figura 8 – Architectonica perspectiva. Fotografia de Raymond Huet

A voluta em espiral da coluna jónica da arquitetura grega (figura 9) é copiada desta e de outras conchas que apresentam curva logarítmica. Na figura 10, vem estampada a curva que se desenha com um lápis, no papel, quando se desenrola, desde o topo, o fio envolvendo uma concha cónica. Uma delicada maravilha é a constituição da criatura marinha, Lichnaspis giltochii, do género das acantharias (figura 11), cujos espinhos irradiam em tão perfeita ordem, que uma lei, formulada por Müller, estabelece que os espinhos estão dispostos em grupos e designados respectivamente por norte-polares, norte-tropicais, equatoriais, sul-tropicais e sul-polares.

Todos nós sabemos que a natureza constrói geometricamente todos os minerais. Sabemos que o gelo é um cristal, mas quem poderia sonhar que a água, transformando-se em gelo, poderia formar aquela maravilha que vemos na figura 12? “Mas este finíssimo desenho deveria ter sido traçado e amoldado por um grande artista, certamente” – diríamos nós, se a fotografia fosse a de um forro com desenhos sem relevo. Mas trata-se de uma fotografia de cristais de gelo. Qual é o princípio da natureza que produz as frondes da avenca americana Adiantum pedatum (figura 13), de modo que o temperamento artístico estremece diante de sua beleza?

Em toda a parte a natureza constrói beleza. De onde vem a beleza do pássaro Lira da Austrália (figura 14) ou a beleza da curva dorsal do gato (figura 15)? Como poderia a natureza, mecanicamente, sempre elaborar uma estrutura de ossos e músculos de molde a tornar bela a pose do gato e igualmente a dos travessos gatinhos? Examinando qualquer pássaro em pleno voo (figura 16), verificamos que a natureza revela não somente as suas mãos de artista primorosa como também a poesia do movimento.

É quando chegámos ao domínio da cor, como aparece nos pássaros e peixes, que o nosso sentimento de admiração pelas criações artísticas da natureza se torna mais profundo. Nenhuma teoria de uma seleção mecânica dos genes no cromossoma nem a de uma estrutura geométrica inerente à natureza poderão explicar a esplêndida inspiração de um mestre artista que coloriu os pássaros e peixes. Somente aquele que é o verdadeiro artista (isto é, aquele que durante longos anos treinou olhos e mãos, desenvolveu a imaginação para sentir aquele princípio inefável que é a “Arte”) é que reconhece que a natureza não pode ser mecânica nem simplesmente o produto de um “simples geómetra”. A vida da natureza palpita com arte embora a geometria possa também ser observada, se por ela nos interessarmos.

Quem quer que examine dois, entre dezenas de variedade de peixes que se encontram nos mares que banham o Havai e que vivem no aquário de Honolulu, não poderá deixar de sentir (se tiver o cunho da arte em si) que está diante de criações de um mestre Teuthis achilles (figura 17), Pakui kui em havaiano: completamente preto, a última cor imaginável para um peixe; não obstante, em torno da boca, do ouvido e dos olhos e nas barbatanas superiores e inferiores, há matizes de cor azul e vermelha e na cauda uma espécie de “retoque final” como diria um pintor, em vermelho, que o observador, se é um artista, conhece e saúda com alegria o artista invisível. Impossível descrever com palavras o Zanclus canescens (figura 18), Kihikihi em haviano, um peixe de estranha conformação; mais uma vez, as cores têm seu retoque final por mãos de mestre. Porém, mais do que a cor, é a sua conformação que revela a rica fantasia do artista que, de modo divertido, como para repousar de trabalhos pesados, faz nadar, de seu estúdio, esse peixe tão estranho na forma e contudo tão belo.

Se alguém fosse descrever a beleza dos pássaros, o melhor e único meio seria juntá-los todos e dizer ao investigador da verdade: “Contemplai; senão compreendeste ainda, contemplai novamente”.

As duas ilustrações seguintes de uma teia de aranha (figura 19) e da Lei Periódica dos elementos químicos (figura 20) unem em indecifrável arcano um microcosmo com o Macrocosmo.

Pois no centro da teia de aranha existe uma curva logarítmica; como sabe a aranha construir de acordo com os princípios geométricos? E porque o universo, ao ser criado, gerou 92 elementos em ordem tão rítmica que podemos agrupá-los em famílias e fazer uma sinopse de todos eles, de acordo com os seus pesos atómicos, de modo a fazer uma curva em espiral semelhante à da aranha e à do Solarium? (figura 8).

Figura 23 – A Grande Onda de Kanagawa, pintura de Hukusai. Wikipedia

É essencial ao nosso entendimento da verdade um agudo senso de beleza da natureza como ela trabalha, porque a mente que cataloga factos e deduz leis pode levar-nos apenas até certo ponto, e não além. A vida tem mais mistérios do que a nossa mente pode imaginar. Quando examinarmos um Hymenocallis litoralis (figura 22), é como se fossemos forçados a cair de joelhos, em adoração. (Mas, realmente, aquele que procura descobrir a Verdade Eterna cai em adoração em sua imaginação, diante de cada flor.) Acaso, as contas que se veem nas penas da coruja (figura 23) não simbolizam uma escala musical? E quando vemos a pintura do quadro a Onda, de autoria de Hukusai, do Japão (figura 21) e sentimos a presença da Vontade Universal na onda, que fazer senão emudecermos? Entretanto, é nesse silêncio que descobrimos um aspeto da Verdade Eterna, que é também o Eterno Bem e a Eterna Beleza.


Notas:
Este texto é um capítulo do livro Fundamentos da Teosofia, de 1921.
[1] Na terceira edição de Química Oculta, de 1952.
[2] Ver, também, a figura da capa, a concha do enclausurado Nautilus popilius.
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