“O Universo poderia ser uma simulação virtual e nós personagens que experimentam a sensação de aí estar”. 1
Pode ser o Universo, em concreto a nossa própria vida, uma simulação programada?
Numa perspectiva informática, pode-se demonstrar que não vivemos num género de simulação realizada por um super-computador. Os computadores para poderem executarem os seus programas necessitam de trabalhar com limites inteiros. Como no nosso mundo existe o número π que tem decimais infinitos, então esse computador não o poderia processar. Por conseguinte, a vida e nós próprios não podemos ser uma simulação. Ora bem, este argumento pode-se responder com certas réplicas. Uma poderá ser com outra explicação diferente, mas também em termos informáticos. 2 E outra, que nos interessa aqui, numa linha mais dialéctica para rebater a tese de que a vida não é uma simulação. Pode-se acrescentar que nos introduziram a sensação programada de que este número π seja percebido como decimais ilimitados e, embora nos pareça interminável, na perspectiva amplificada deste tipo de máquina possa ser de facto um número limitado. E, portanto, o seu hardware seja possível e a vida possa ser uma simulação.
Existe outra resposta que aparece num artigo e que é contrária a esta questão numa perspectiva mais filosófica. 3 Adiantamos que, embora de início pode parecer mais convincente a explicação informática exposta acima, vamos tentar mostrar que não é uma exposição genuína para clarificar se a vida é ou não irreal. Ora bem, nesse artigo expõe-se que se poderia conceber simular medianamente bem, com um programa de computador, por exemplo uma vaca. Mas o que não parece muito possível é que essa cópia de vaca possa dar leite. Estamos de acordo. Formula também que para este programa poder emular os aspectos emocionais ou volitivos, os desejos das pessoas, terá que quebrar totalmente com a linha de evolução e investigação da tecnologia que temos na actualidade. Tal será muito improvável. O que parece muito coerente. Ora bem, e eis aqui a nossa réplica, podemos pensar que esse programa de “jogo da vida” nos criou num entorno onde a informática que utilizamos seja infinitamente mais básica do que a que utiliza o programa real desta simulação. Assim poderíamos continuar a afirmar que a vida é uma simulação.
Então, apesar de poder refutar as teorias de que a vida não é uma simulação, mas sim real, mantemos que a nossa certeza sobre se a vida é ou não real não deve sustentar-se em explicações informáticas ou em concepções de qualquer tipo. No sentido de ser, por um lado, impressões justificadas a partir dos nossos sentidos em relação ao mundo externo. Isto é, do que JÁ conhecemos. E, por outro, por serem experiências partilhadas por todos nós.
Para o demonstrar e não ir muito atrás no raciocínio, podemos partir da premissa bem assente por Sri Ram, na sua obra “Um Acesso à Realidade”, de que a Realidade não é objectiva mas sim subjectiva. 4 Esclarecemos que é um facto que a forma como todos percebemos é, de certo modo, uma realidade da nossa situação actual. Não obstante, admitimos que quem tenha uma sensibilidade mais subtil possa intuir que por detrás dessa “realidade actual”, na qual estamos imersos, se oculte a verdadeira. Como ensina Sri Ram e os que “sabem”, essa percepção mais fina é verdadeira. A Realidade está velada e a vida tal como a conhecemos é pura ilusão. Deste ponto de vista, a vida pode ser uma “simulação”. Na realidade, se pensamos com atenção, a forma de interpretar o mundo que estamos a investigar como uma espécie de videojogo fantástico e nós os seus personagens, não nos está a propor nada de novo. Esse programa simulado pode ser visto perfeitamente como uma forma, em terminologia pós-moderna da nossa era tecnológica, de referir-se ao mesmo que desde há muitos séculos atrás nos foi revelado mas ainda não assimilámos. A vida é Irreal. Podemos, inclusive, ir mais além e afirmar que tanto o que percebemos do mundo material como os nossos sentimentos ou pensamentos como fenómenos que se mostram no nosso mundo externo ou interno estão constantemente em mudança. E se tudo isso muda, não é permanente. E se não é fixo ou duradouro, dificilmente pode ser real.
Ora bem, se se aceita esta perspectiva subjectiva da vida como irreal, será essencial saber como distinguir o Irreal do Real. Para isso continuamos pela mão de Sri Ram, agora com o seu livro “O Interesse Humano”. Ensina-nos que “a matéria [tudo o que é percepcionado] é uma sala de espelhos” 5 do Real. Assim, a Realidade apenas pode aparecer ante nós como mero reflexo, isto é, mostra-se necessariamente como uma inversão do que acontece na nossa existência ante nós.
Com tudo isto, agora podemos chegar ao fundo da questão da tese referida acima. Primeiro, que não se pode saber o que é o Real a partir das explicações conceptuais desses artigos por muito convincentes que sejam. 6 Porque nascem de descrições com atributos concretos a partir de percepções sensoriais do conhecido. E, no entanto, a Realidade tal como se explicou não se pode expressar a partir dos sentidos, do que percepcionamos, mas sim em oposição ao já dado ou, dito de outro modo, negando o conhecido. 7 E segundo, que tais explicações por serem experiências partilhadas tão-pouco podem conter o Real. Porque o Real não está ao alcance de todos nós por igual. 8 Um exemplo: a experiência de ouvir música em cada um de nós aparece ligada a uma série de sentimentos, sensações ou, inclusive, energias desconhecidas como movimento do espírito, totalmente subjetiva. Por este motivo, cada um de nós a sente de maneira diferente e não é uma experiência generalizada. De igual modo, a experiência para conhecer o Real também não se pode comunicar de um indivíduo a outro pela mera descrição dessa experiência. É intransferível, há que vivê-la na primeira pessoa e por isso não pode ser comum para todos nós. A sua qualidade de ser única e original é precisamente o que imprime o seu carácter de ser Real.
Chegamos ao Real de uma forma intimamente individual. É um processo árduo, fruto de muito esforço, não imediato, que se realiza no tempo ao longo de muitas vidas. No entanto, há um repentino e lúcido momento apenas para quem consagrou conscientemente o seu destino nessa direcção. Este aparece no preciso instante em que já nos saciámos profundamente das experiências mundanas passadas. E paulatinamente, mediante um exercício activo e honesto de discernimento, aprendemos a visualizar os princípios limpos e puros que se ocultam por detrás dessas repetidas experiências para desemaranhar o fio do novelo existencial onde estamos tão profundamente enredados. Então, salta uma chispa. 9 Começamos a intuir o que está no mais íntimo do nosso coração sem medo, sem hábitos, sem ira, sem ambições. Porque desfazer os nós do fio da vida cheia de uma profunda e eterna obscuridade ao egoísmo. A porta divina do Real abre-se e sentimos calor que desprende o que já existia em nós, mas permanecia escondido ante os nossos sentidos, uma chama que arde, AMOR PURO. O único elixir que ao bebê-lo desprograma o irreal código fonte da simulação da nossa vida para que aconteça o REAL.
Notas: