Acreditamos firmemente que todo o mito revela o que aconteceu num passado que as nossas indagações não podem alcançar. Platão, na sua obra Timeu (ou da Natureza) que, sem cair na menor arbitrariedade, poderíamos chamar de “hieróglifo misterioso da filosofia”, cita algo a respeito dessa obra titânica de Hesíodo.
Devido a algo tão simples como “pelos frutos julgarás a árvore”, sem dúvida alguma era um alto Iniciado. Na realidade, pouco se sabe sobre a sua vida e muito se deduz ou inventa. Acredita-se que seja contemporâneo de Homero.
Autor da célebre Teogonia, são-lhe atribuídas também muitas outras obras, entre as quais se destacam pelo seu valor “Os Trabalhos e Os Dias” e “O Escudo de Hércules”. Qualquer um que tenha lido “Os Trabalhos e Os Dias” deverá concordar que em nada parecem ser exortações a Perses, o seu irmão ladrão, como se supõe (representará isto, Hesíodo-Perses, o lendário mito de Osíris-Seth ou Caim e Abel, que é abordado em todo o sistema religioso?), senão uma extraordinária obra sobre as humanidades das quatro idades anteriores à nossa, sem contar com o capítulo sobre o mito de Pandora e outros.
Ele refere-se a si mesmo como: “pastor de rebanhos, perto do sagrado monte de Hélicon “. Nem mesmo uma criança poderia acreditar na letra morta desta frase porque, a menos que o mundo tenha dado muitas voltas, não temos notícias de que pastores de cabras e ovelhas sejam grandes metafísicos, ou pelo menos, escritores de obras da envergadura das de Hesíodo. Assumir de antemão o significado à letra desta citação, sem ter em conta um estudo prévio do que está oculto, significaria que também acreditaríamos que quando o Mestre Jesus fala em cuidar e ser pastor dos rebanhos de seu Pai, se referia, não à humanidade, mas ao rebanho de gado que percorria as encostas do Monte Tabor e do Sinai. Se mostramos uma clara compreensão pelos símbolos do cristianismo, é bom que, como eclécticos, tenhamos essa mesma compreensão por tudo o resto.
A Teogonia é, para a imortal Helena P. Blavatsky, uma tocha viva na Senda da Humanidade: “a génese dos deuses, aquele ramo de todas as teologias não-cristãs que ensina a genealogia das várias divindades. Um antigo nome grego, para o que mais tarde foi traduzido como genealogia da geração de Adão e dos Patriarcas”…
Conhecimento gigantesco que, pela estreiteza dos nossos recipientes, não pode ser contido por paredes tão mesquinhas e se derrama deixando apenas dentro, tal como a famosa caixa de Pandora, a esperança de conseguir uma evolução maior, de possuir a “água da vida” que agora, por nossa ignorância, é rejeitada.
A Teogonia de Hesíodo pode ser melhor compreendida se for comparada com outras obras que, de forma fragmentada, nos chegam através dos tempos. Esta obra tem muito em comum com o sistema metafísico das escolas de Filosofia da Índia. Poderíamos afirmar que anda “de mãos dadas” com alguns ramos da Filosofia Vedanta, a ponto de que, para a compreensão da obra que nos ocupa, é imprescindível um conhecimento, ainda que ligeiro, das palavras em sânscrito usadas nesses sistemas.
No Primeiro Livro das Leis de Manu (Manava-Dharma-Sastra), nas Estâncias de Dzyan (Cosmogénese) e em muitas histórias religiosas que vão sendo descobertas, inclusive dentro do próprio panteão cristão, encontram-se vestígios da antiga Teogonia, que surpreendem pela sua espantosa clareza. Tal como, o caso da virgem Ana, mãe de Maria, mera cópia de Deméter e sua filha Perséfone. A primeira vai em busca de sua filha Maria que com seu esposo José se tinha refugiado no Egipto, da mesma forma que Deméter desce ao inferno em busca de sua filha Perséfone (Proserpina, ou também Cora) onde vive com o marido Plutão. Em gravuras antigas, Maria leva nas mãos duas espigas de trigo, símbolo da fertilidade, tal como Deméter, mãe de Perséfone, da qual derivou.
Conforme refere H.P.Blavatsky, os números 1, 3 e 7 são, em rigor, usados para a explicação de todos os altos sistemas cosmogónicos (depois desenvolver-se-á na chave antropológica, por aquilo tão exacto de “assim como é acima, é abaixo”, segundo Hermes). Na Teogonia, são três as Dinastias Olímpicas, de que se fala.
A primeira, formada pelo Caos (Espaço), a Terra (Mulaprakriti) e o Amor (Energia que irá infundir a sua força, que irá manter-se nas gerações vindouras da Terra e do Céu).
Da Terra e do Céu, provirão os famosos doze titãs que apresentam mais de uma interpretação simbólica, pois forçosamente devem obedecer ao mistério das sete chaves.
Notemos que nestes doze Titãs (Oceano, Céu, Crio, Hipérion, Jápeto, Cronos e Reia, Tea, Febe, Témis, Mnemósine e Tétis), apenas se formam entre eles quatro casais Divinos, e os outros titãs e titânides contraem casamento com divindades não pertencentes à sua “casta” divina. Estes quatro pares são, por um lado, os quatro Proto-elementos (a propósito, Platão fala no Timeu, da combinação sofrida pelos diferentes compostos da natureza, partindo primeiro do mais puro, da essência, para gradualmente cair na forma), enquanto os restantes quatro titãs (dois masculinos e dois femininos) constituem, como dissemos, um casal com outros deuses. São os canalizadores dos proto-elementos anteriores.
Em conjunto constituem os doze signos do Zodíaco. Mas, esta é apenas a cortina que esconde a realidade dos verdadeiros artistas.
Continuando, Cronos (a divisão, o que limita) e Reia, terão de iniciar o império dessa segunda Dinastia Divina.
O que podemos dizer sobre o significado de seus seis filhos é demasiado extenso para um artigo. Mas a “grosso modo”, além de representar a constituição esotérica do nosso próprio planeta (com o sétimo componente, o salvador dos seis irmãos alojados no ventre de Cronos, pois sendo enganado o pai dos deuses, fica a salvo Zeus que irá destroná-lo), tem muito a ver com as Rondas anteriores, e em clara chave astrológica, com a constituição do nosso Sistema Solar (Zeus, como Júpiter, Poseidon, como Neptuno, Hera, como Vénus, etc.).
A terceira dinastia Olímpica, que se forma com o vitorioso Zeus que liberta os seus irmãos, é digna de se estudar um pouco e salvar, assim, a “reputação” do Altitonante. Porque, onde quer que se abra um livro de mitologia grega, a Zeus (Júpiter) é dada uma corte de esposas ou amantes que na realidade não surgem na obra, e para mencionar tal assunto, é preciso estudar antes de tudo, a Teogonia. Com efeito, nela constam sete gerações, com sete esposas (acreditamos que o leitor sorrirá perante um número tão significativo). Segue-se uma breve pausa em que se geram outras divindades que nada têm a ver com Zeus, para este terminar por se unir com mais três esposas, formando assim, com as suas dez uniões, o número perfeito, estudado em todas as escolas da Real Iniciação, para além, muito mais para além de Heliópolis e de Pitágoras.
Lamentavelmente, não podemos analisar detalhadamente os mitos da Teogonia. No entanto, antes de nos despedirmos, aconselhamos o leitor, tal como nos aconselharam, a empreender um estudo sério da civilização grega, buscando extrair alguma verdade sobre a sua teologia menoscabada, sendo essencial
ater-se em obras de verdadeira reputação esotérica. O próprio Tucídides, não nos serve mais para tal tarefa, apesar da magnitude da sua obra, e quanto a Homero, a sua chave é antropológica, não teogónica.
Embora pareça antagónico, estudemos a Teologia da Grécia se quisermos entender os seus filósofos sábios, porque ambas são mais próximas do que supõem externamente os entendidos. Não nos esqueçamos de Hesíodo. Investiguemos o que nos quis dizer com os seus símbolos, e estaremos mais próximos da verdade que todo estudo almeja.
Imagem de capa
Giuseppe Maria Crespi, Olimpo, Palazzo Pepoli
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