Parecem conceitos tão simples, ideias apenas geométricas, fundamentos para a construção de elementos estéticos em combinações infinitas de curvas, retas, ângulos, razões, dimensões e proporções frutificadas na imaginação do ser humano. Elas atraem a nossa natureza que também é mathema, tudo aquilo que pode ser compreendido, mas que reserva nas suas entrelinhas, uma simbologia transcendental, tão bela e profunda, que vai sendo paulatinamente desvelada pela clarividência humana, na maturidade temporal. A mathema é uma descodificação que não se antecipa no tempo, e recorrendo a hipóteses, conjeturas, teoremas, teses, corolários, princípios, enfim, vai procurando a sua natureza mais quantitativa ou mensurável, fazendo-nos sempre atrair para a sua expressão mais filosófica e esotérica. O filósofo Descartes tinha as suas razões para afirmar que Deus, os números e as formas geométricas são entidades perfeitas.
A mãe das entidades geométricas é a circunferência, em cujo ventre são geradas tantas formas geométricas perfeitas. O espaço que a envolve tem o círculo; uma revolução de 360º, em torno do eixo de simetria, gera a esfera; o triângulo equilátero, que é representativo das pirâmides, gera-se segundo a interseção de duas circunferências, e o quadrado, uma expressão geométrica da base piramidal, também é inscrito e circunscrito pela circunferência, sendo o quadrado e o triângulo, a representação da natureza septenária; o triângulo equilátero inscrito na circunferência está associado ao símbolo metafísico da tetraktys; o quadrado inscrito na circunferência tem um grande poder mágico; as circunferências também marcam presença na construção dos quadrados do teorema de Pitágoras; o pentágono equilateral é gerado por dentro e por fora da circunferência, tal como o hexágono equilateral; um polígono equilateral de 15 lados é inscrito na circunferência; o quadrado e o octógono inscritos na circunferência combinam-se na perfeição; a esfera como filha da circunferência é fecunda dos sólidos platónicos, pois estes podem ser circunscritos ou delimitados por uma dada esfera: o tetraedro, o cubo, o octaedro, dodecaedro e o icosaedro. Estes dois últimos aproximam-se da esfera. Todas estas entidades geométricas refletem uma harmonia ímpar, que nem sempre é discernida pelos nossos sentidos. Euclides de Alexandria (c. séc. IV-III a.C.) dissecou todas estas construções nos seus Elementos de Geometria, certamente com a transferência de conhecimentos geométricos vindos de outras civilizações mais antigas.
A circunferência, o círculo e a esfera têm um gene comum, uma marca transversal, um cunho que advém da sua própria natureza, capaz de ser representado por um número irracional transcendental, que se prolonga numa dízima infinita não periódica. Chamaram-lhe pi porque tem origem na primeira letra da palavra perímetro, em grego περίμετρος (perímetros). A sua transcendência não é só filosófica, mas também matemática, uma vez que a sua representação não pode ser feita por meio de uma fração e também não é alguma raiz de uma equação polinomial com coeficientes inteiros, e por isso também é designado por número transcendente. De facto, muitos matemáticos devem ter suspeitado deste comportamento de pi, mas a eventual prova deste facto, foi da autoria de Ferdinand von Lindemann (1852-1939) e constitui uma das referências da matemática, alcançada em 1882. O matemático alemão Johann Heinrich Lambert (1728-1777) demonstrou em 1761 que o valor exato de pi não podia ser representado por intermédio de uma fração, nem ser a raiz quadrada de uma fração. Mas não deixa de ser interessante que as referências feitas à relação do perímetro com o diâmetro, são bastante ancestrais, relevando-se a citação que vem na Bíblia, no Segundo Livro das Crónicas:
«Também fez um altar de metal, de vinte côvados [medida de comprimento antiga, cubitus do latim, que significa cúbito ou cotovelo; pensa-se que no Antigo Egito e na Antiga Grécia, a medida do côvado era de 462,75 milímetros, segundo Vicente Vázquez in Nagy (1991); porém, o côvado não tinha a mesma conversão nas civilizações antigas] de comprimento, de vinte côvados de largura e de dez côvados de altura. Fez também o mar de fundição, de dez côvados de uma borda até à outra, redondo, e de cinco côvados de altura; cingia-o ao redor um cordão de trinta côvados. E por baixo dele havia figuras de bois, que cingiam o mar ao redor, dez em cada côvado, contornando-o
(2 Crónicas 4:1-2)».
Ora, considerando que «de uma borda até à outra», se trata de uma referência ao diâmetro, e que «ao redor» é uma expressão do perímetro da circunferência, então esta relação era:
Esta citação sugere que o seu autor conhecia um valor de pi que não era assim tão grosseiro, apesar de serem conhecidas aproximações com erro menor, como é o caso dos babilónios, 3,125 e dos egípcios 3,160. Este último valor foi encontrado no papiro de Alexander Henry Rhind (1833-1863), também conhecido por papiro de Rhind ou de Amósis, datado de cerca de 1650 a.C., através de uma fórmula que era usada para calcular o volume de um cilindro:
Erro de 0,6%
Arquimedes (287-212 a. C.) desenvolveu um método baseado na construção de um polígono regular de 96 lados, calculando as suas áreas por aproximações para as raízes quadradas, provando que pi está entre 3,140 e 3,143. O valor de pi limitado por Arquimedes já tem uma precisão considerável, pelo facto da área do polígono regular de 96 lados e a que corresponde ao círculo circunscrito, serem muito aproximadas.
A propósito destas relações, Helena Blavatsky tece elevados elogios e admiração ao trabalho profundo de James Ralston Skinner (1830-1893), o autor de «The Source of Measures», referindo que tudo o que escreveu em «Ísis sem Véu» está confirmado nesta fonte, através de interpretações bíblicas, por via das chaves numéricas e geométricas. Blavatsky cita Skinner, na Doutrina Secreta, onde nos fala da «Medida do Homem» e do seu valor numérico cabalístico, correspondente ao número 113. Este valor tem uma relação com a palavra hebraica Jehovah, obtida pelo produto de 113×5=565, cujo resultado pode ser enunciado sob a forma de 56,5×10. Então a «Medida do Homem», o número 113, converte-se num fator de 56,5×10, decompondo-se cabalisticamente do seguinte modo, de acordo com o valor das letras hebraicas que formam a palavra Jehovah: Jod=10, He=5, Vav=6 e He=5. A «Medida do Homem» encontra ainda uma outra relação com o número de dias do ano lunar, ou seja, 355. O quociente entre 355 e 113, valores para o perímetro e o diâmetro de uma circunferência, resulta num valor que é a melhor aproximação para o valor exato de pi, alguma vez conseguido com números inteiros. Esta redescoberta é atribuída a Adriaen Anthonisz, conhecido também por Peter Metius (1527-1607), pai do geómetra e astrónomo, Adraan Metius (1571-1635). Este valor aparece nas fontes como o «número de Metius», as quais indicam também, que já poderia ter sido descoberto pelo matemático e astrónomo chinês, Zu Chongzhi, no séc. V. Em todo o caso, esta aproximação a pi com um quociente de números inteiros, apenas reflete um erro de 0,000008%, apesar de tão ancestral:
O valor real de pi é: 3,141592653589…
J. Ralston Skinner analisou a proposta do seu contemporâneo John A. Parker, designada por «Quadratura do Círculo», constante na «The Source of Measures». Aquele autor usou um elemento de medida para quantificar os elementos da circunferência, em termos do valor numérico do seu quadrado circunscrito, descobrindo uma outra relação de 20612 por 6561, que se encontra na estrutura da Grande Pirâmide. Tomou como referência um quadrado com 81 de lado, cuja área é de 6561, contendo uma circunferência com uma área de 5153. A circunferência com o diâmetro de 6561, ou seja, o lado do quadrado, tem um perímetro de 20612:
Esta relação entre o perímetro e o diâmetro representa uma excelente aproximação ao valor de pi, com um erro ligeiramente superior ao «número de Metius», de 0,00005%:
Helena Blavatsky considerou que o modelo numérico, geométrico e astronómico que foi dissecado por J. Skinner, fundamenta a ideia de que os cabalistas e ocultistas foram os verdadeiros detentores do conhecimento esotérico que se encontra na Bíblia, concluindo que Jehovah é «uma cópia, não muito lisonjeira de Osíris».
Vamos agora considerar todas as fórmulas para o cálculo do perímetro de uma circunferência, da área de um círculo, e da área e volume de uma esfera, ou seja, de todas as redondezas regulares. Por uma questão de simplificação, consideramos o raio igual a um, sendo que as variáveis ficam totalmente dependentes de pi: o perímetro é o seu dobro, a área do círculo Ac’, é ele próprio, a área da esfera Ae’, é o seu quadruplo e o volume da esfera Ve’, é 4/3 da sua parte (ver tabela de resultados), onde se pode intuir da transcendência destas redondezas geométricas, pela inerente transcendência de pi:
Para estas condições do raio igual à unidade, obtemos o círculo trigonométrico e a esfera trigonométrica (do grego, trígonos, que tem três cantos, triangular; metrikos, medida, medição), tomando consciência de como esta aparente simplificação, desbrava caminhos para outras geometrias mais complexas. No círculo trigonométrico observamos o dinamismo do teorema de Pitágoras, através das múltiplas configurações de um triângulo retângulo em movimento rotativo, que gera as funções trigonométricas (seno, cosseno, tangente e cotangente) e os números complexos. A esfera trigonométrica gerou a geometria esférica, com destaque para a sua figura geométrica primordial, o triângulo esférico que é formado por três segmentos projetados na superfície da esfera, tendo como resultado o encurvamento dos mesmos. É fundamental para os estudos de astronomia, geodesia e navegação. Aqui também o teorema de Pitágoras assume o seu papel, irradiando os seus encantos geométricos na superfície da esfera, através de funções trigonométricas.
A Natureza geometriza todas as suas manifestações porque Deus sempre geometrizou, como nos transmitiu o matemático das mónadas Gottfried Leibniz (1646-1716). Helena Blavatsky não deixa de insistir na preponderância dos elementos geométricos e a sua ligação transcendental com a Natureza, através dos pontos, das linhas, dos triângulos, dos cubos, dos círculos e das esferas. O ponto é a partida de toda a geometria. A linha é a posição, a simetria, a proporção, enfim, é o caminho. O círculo faz o redor do desconhecido. O quadrado tem associadas as quatro forças fundamentais: a força forte, a força fraca, o eletromagnetismo e a gravidade. O triângulo é divino em toda a parte. A matéria cósmica primordial transforma-se em esferas. A geometria das redondezas contempla todas as formas geométricas, mas ainda nos coloca grandes desafios para podermos desvelar muitas das suas relações e dimensões com a própria Natureza. O seu caráter transcendente pode ser sentido, porém, sem outras mathemas, jamais pode ser verdadeiramente entendido.
Fontes:
– Bailey, David H., Jonathan M. Borwein, Pi: The Next Generation, Cham, Springer, 2016.
– Blavatsky, Helena Petrovna, Cosmegênese, Doutrina Secreta, vol. I, tradução de Raymundo Mendes Sobral, São Paulo: Editora Pensamento, 1969.
– Blavatsky, Helena Petrovna, Simbolismo arcaico universal, Doutrina Secreta, vol. II, tradução de Raymundo Mendes Sobral, São Paulo: Editora Pensamento, 1973.
– Conway, John H., Guy, Richard K., The Book of Numbers, New York, Springer-Verlag, 1996.
– Heiberg, J.L., Os Elementos de geometria de Euclides, editado e fornecido pela tradução moderna de Richard Fitzpatrick, (1883–1885).
-Nagy, Adam Szaszdi, La legua y la milla de Colón, série Cuadernos Colombinos (XVIII), Valladolid, Publicaciones de la Casa-Museo de Colón y Seminario Americanista de la Universidad, 1991.
– Skinner, James Ralston, The Source of Measures, Philadelphia, David McKay Company, Washington Square, 1875.
Imagem de capa
Composição MpF
Foto de Stefano Ghezzi em Unsplash