AS ESFERAS DE DANDELIN

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Germinal Pierre Dandelin. Dominio Público

“A natureza da unidade que existe na vida procura expandir-se em harmonia, tanto no cosmos como em todo e qualquer ser individual.”

Nilakanta Sri Ram, no seu livro “Seeking Wisdom”

Quando Platão, na República, disse que os seus guardiães deviam estudar Geometria, para aprender a dirigir o seu espírito para a contemplação da Ideia do Bem, já que esta ciência tem por objeto “o conhecimento do que é sempre, e não do que nasce e morre”, insinuou assim, talvez, que as verdades da geometria são verdades da consciência humana, produzem nela ecos e semelhanças que a despertam do sonho da matéria em que vive.

Dado que os primeiros símbolos são os números e as figuras geométricas, as relações entre estas conformam uma linguagem silenciosa que desperta intuições na alma, mais além dos jogos racionais que com as mesmas se possam fazer.

Um exemplo de figuras geométricas que tentaram poderosamente os investigadores, e que, além das suas aplicações práticas em Óptica, Acústica, etc., chamam a atenção de quem estuda, são, sem dúvida, as cónicas. As figuras que nascem de secções do cone cortado por um plano: elipses, parábolas e hipérboles.

Nas tradições mistéricas afirma-se que o Cone é a figura símbolo que representa a alma e a evolução de tudo o que vive na natureza, e do que na Índia se chama Linha Dévica, que conforma todos os espíritos reitores desta. Do mesmo modo que a Pirâmide o é da evolução da consciência humana.

As secções do cone serão, assim, verdades intrínsecas da Alma da Natureza, e as ditas cónicas devem evocar profundas reflexões a quem delas se aproxime.

No romance “Viagem Iniciática de Hipátia” dediquei várias páginas de explicações da filósofa alexandrina sobre os mistérios das cónicas, recriadas, evidentemente, com a imaginação, ainda que se saiba que ela escreveu um tratado matemático sobre elas.

Muitos geómetras estudaram estas figuras, desde Menecmo, discípulo de Platão, Apolónio de Perga, Euclides, Arquimedes, entre os gregos, e depois o filósofo Pascal ou Descartes e o próprio Kepler ou Newton, para explicar os movimentos celestes, e um longo etecetera.

Em 1822, Germinal Pierre Dandelin (1794 – 1847) um matemático que tinha servido heroicamente sob as bandeiras napoleónicas, encontrou a chave que permitiu abrir uma porta até então fechada sobre as próprias cónicas, o chamado teorema das esferas de Dandelin. Este teorema demonstra que quando uma cónica é gerada a partir do corte de um cone por um plano, os focos desta cónica são os pontos em que duas esferas inscritas no mesmo cone e tangentes ao mesmo, tocam num ponto do referido plano (ou seja, que o plano que gera a cónica é também tangente às ditas esferas).

Vejamo-lo com uma imagem, e aplicada ao exemplo da elipse:

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A demonstração, muito elegante, deste teorema e a explicação dos seus detalhes, podemos vê-los, por exemplo, de forma magistralmente pedagógica no canal do youtube 2Blue1Brown, de Grant Sanderson, no vídeo que se chama, curiosamente, “Como converter, a quem ainda não seja, em amante da matemática”.

Vemos claramente no diagrama, como no interior do cone há duas esferas (da de baixo só se vê metade) tangentes às suas paredes, uma justamente por cima e outra por baixo, e ambas tangentes ao plano que gera a elipse (representado a azul), exatamente nos pontos dos focos da mesma (f1 e f2).

Recordemos que na elipse, a soma das distâncias de qualquer ponto da mesma aos focos é constante. A excentricidade da elipse é dada pela inclinação do plano que intersecta o cone, ou, matematicamente falando, a razão entre a distância dos focos e a longitude do eixo maior da elipse. Por isso os seus valores variam entre zero (excentricidade nula, que define a circunferência) e 1 (que seria já uma linha de ida e volta).

Se considerarmos que pontos e esferas são símbolos da unidade, o ponto unidade no infinito, e a esfera, unidade plasmada em harmonia com aquilo que contém ou com o que expressa; podemos pensar no cone, como uma sucessão infinita de esferas que se afastam da unidade vértice do cone que as gerou. Os centros destas esferas, que vão perdendo a luz da sua unidade raiz (vértice do cone) estão no eixo do cone, como se os ditos centros fossem a projeção desta “unidade no mistério” (pois encontra-se fora da esfera), mas contidas ainda no cone-realidade vital que gera – na sua lei, portanto – representada pelas paredes do cone.

De certo modo, cada esfera é um mundo, uma realidade própria, uma existência, sempre relativas, pois o seu “centro emissor” é só um eco da unidade raiz, a cada uma sucede a seguinte no processo de expansão do cone, que pode simbolizar, como disse Plotino, a entrada da Luz do Ser na matéria, que é, simplesmente, afastamento da Unidade.

O plano que corta o cone por inteiro, gera uma elipse. O plano é, neste caso, o instante presente, o aqui e agora, uma fotografia desse processo dinâmico do cone. É a vida, que respira sempre no presente. E, no entanto, há sempre duas esferas-mundos que a geram, mais ou menos afastadas segundo a inclinação do plano que corta o cone. O foco da elipse que é um centro de irradiação de forças desde a esfera superior, bem podemos chamá-lo “futuro”, ideal, dever ser, a porta aberta às esperanças ou céu, regresso à unidade; e o foco que o é desde a esfera inferior, o passado, as raízes, a terra, a recordação. O aqui e agora do presente, gira sempre movido por essas forças que o tracionam.

E quem diz passado e futuro, diz matéria e essa “matéria mais refinada” que chamamos espírito, ou esse espírito mais lentificado a que chamamos matéria. Como diria Platão, tudo o que existe é feito do Mesmo e do Outro.

Tal como disse Grant Sanderson, as “Esferas de Dandelin” permitiram explicar de um modo muito mais pedagógico e fácil o facto de que uma elipse seja ao mesmo tempo:

  1. Uma circunferência “esticada” ou deformada num dos seus eixos.
  2. Uma secção de um cone com um plano que o corta num ângulo não superior ao da geratriz.
  3. O lugar geométrico dos pontos cujas distâncias aos focos somam uma constante.

Mais à frente este matemático, Dandelin, generaliza este teorema do cone a todo o hiperboloide de revolução.

E ainda que o teorema das Esferas-Focos seja o seu contributo mais recordado, também entrou em métodos numéricos para solucionar equações algébricas, em projeções estereográficas, em teoria de probabilidade e em álgebra.

Assim, graças à sua visão, encontra-se um sentido para estes focos da elipse, que a definiam, mas que não se sabia a procedência deles mesmos. Nascem das tangentes da esfera, neste caso, de duas esferas. Afinal, como dizia Parménides, a Esfera está por detrás de todas as coisas, seja a que vejamos côncava desde o interior, a realidade do sujeito no interior da própria irradiação, ou convexa nos infinitesimais átomos ou grandiosos mundos do que constitui a realidade como objeto.

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