As Lotarias e o Princípio de Causalidade Providencial

Alicerçado numa popular lotaria jogada em nove países da Europa Ocidental – o Euromilhões – e onde os portugueses, per capita, são os maiores investidores, iniciaremos este artigo com um conjunto de reflexões e cálculos, procurando entender a mecânica profunda da natureza humana quando aposta na esperança de uma vida melhor. Procuraremos mostrar que na matriz axiomática da natureza humana está presente um especial princípio de causalidade 1, uma causalidade providencial onde, por detrás das causas, há sempre propósitos. Referir-nos-emos a ela como Causalidade (com maiúscula). Terminaremos fazendo uma tentativa, porque se tornará incontornável ao longo dos parágrafos, de conciliar estas duas realidades aparentemente irreconciliáveis: Aleatoriedade e Causalidade. Comecemos com o neurocientista e escritor norte americano Jonah Lehrer que, no seu artigo na Wired “The Psychology Of Lotteries”, procura explicar por que as pessoas jogam na lotaria:

“Por um lado, a resposta é bastante óbvia: Ficamos felizes em gastar 2,5 euros em aproximadamente 15 segundos de esperança irracional, pelo prazer de pensar no que poderia acontecer se, de repente, tivéssemos ganhado milhões de euros. Enquanto a maioria dos jogadores sabe que não vai ganhar – as probabilidades são anedóticas – o boletim revestido de latex é uma licença barata para sonhar acordado, para pensar na possibilidade de uma vida melhor.”

Abundam sugestivos artigos e opiniões, mesmo de autodenominados especialistas, orientando os apostadores no sentido de procurarem tirar proveito das estatísticas de números e estrelas mais e menos sorteados ao longo do tempo no Euromilhões, sugerindo uns que os jogadores devem apostar nos números e estrelas mais sorteados, partindo do pressuposto que a tendência se manterá, e outros que os jogadores devem apostar nos números e estrelas menos sorteados argumentando que, com o tempo, o equilíbrio se reestabelecerá. Esse tipo de assunções, em última análise, pressuporia a não aleatoriedade dos sorteios, algo obviamente inverosímil.

Num artigo de Diego Armés, chefe de redação na GQ Portugal, intitulado “Há chaves do Euromilhões melhores do que outras?” é transcrito um parecer da APM (Associação de Professores de Matemática) que diz:

“Dos 50 números do Euromilhões, um apostador pode escolher 5 para uma aposta. O número de escolhas possíveis é de 2.118.760 e, por isso, fixada uma aposta qualquer de 5 números, a probabilidade desta aposta ser sorteada é 1/2.118.760 (é um número muito pequeno, daí que seja difícil acertar no Euromilhões). Esta probabilidade não depende da aposta escolhida. Assim, por exemplo, a probabilidade de ser sorteada a chave 1, 2, 3, 4, 5 é a mesma de ser sorteada a chave 3, 21, 29, 36, 44.”

Mas, muito mais interessante do que a contagem das vezes que um número ou estrela foram sorteados, tanto para garantir a rentabilidade de uma aposta como para uma verdadeira análise estatística, poderá ser a descoberta das preferências, reveladas ao longo do tempo pelo conjunto dos jogadores, por uns números em detrimento de outros, ao registarem as suas combinações. Mas esta informação não está disponível. Estes dados nunca são revelados pelas entidades detentoras desta popular e transnacional lotaria. A análise dessas tendências poderia, potencialmente, desvendar padrões mentais das massas, alguns deles, possivelmente derivados do senso comum, outros, inevitavelmente, da crença profunda em Causalidade. Seria também possível ter um vislumbre sobre o quanto a ancestral simbologia dos números está enraizada no pensamento da população europeia. 

É, no entanto, teoricamente possível, ainda que indiretamente, quantificar as preferências dos jogadores por determinados números em detrimento de outros! Entre o total de contemplados em cada categoria de prémio e em cada sorteio, está, subtilmente, codificada essa preciosa informação. Este é o desafio! Utilizando a teoria probabilística e o poder da computação vamos, então, procurar descobrir quais são esses números e estrelas nos quais as pessoas mais e menos apostam na procura de uma liberdade e independência financeira instantâneas!

O trabalho computacional que é apresentado em seguida, focou-se num período temporal que se inicia em 27/09/2016, data da última grande reestruturação desta lotaria, e termina em 16/04/2021, totalizando 483 sorteios. 

Para a clarificação da metodologia usada importa descrever o que se entende por nível de escolha de um número ou estrela: Se a totalidade dos apostadores distribuíssem as suas escolhas uniformemente entre os 50 números e as 12 estrelas, o nível de escolha de cada número ou estrela seria 1. Como exemplos, se determinado número ou estrela é escolhido, em média e ao longo do tempo, mais 25% do que seria espectável se existisse uniformidade, então esse número terá um nível de escolha de 1,25. Pelo contrário, se um determinado número ou estrela é escolhido, em média e ao longo do tempo, menos 25% do que seria espectável se existisse uniformidade, então esse número terá um nível de escolha de 0,75.

Resumidamente o trabalho foi efetuado por um algoritmo que, através de um intenso esforço computacional, foi à procura do conjunto de níveis de escolha dos 50 números e das 12 estrelas que melhor explica as diferenças, para cada sorteio, entre a probabilidade teórica de acerto em cada uma das 13 categorias de prémios e o real número de premiados ocorrido em cada uma dessas categorias. E este é o resultado obtido:

Níveis de escolha estimados dos números e estrelas no Euromilhões. O tom aproxima-se do vermelho com o aumento dos níveis de escolha para números e estrelas acima da média e aproxima-se do azul com a diminuição dos níveis de escolha para números e estrelas abaixo da média

No artigo da Deco Pro Teste intitulado “5 dicas para ganhar mais no Euromilhões”, podemos ler “O 13 é o número do azar e pode tender a ser menos jogado”. Interessantemente este trabalho vem contradizer claramente suposições como esta dado ter, o número 13, um nível de escolha tão surpreendentemente elevado entre os apostadores. 

Retratando o europeu maioritário, talvez haja uma óbvia explicação para a confiança depositada no 13: De entre os nove países aderentes a esta lotaria, nomeadamente, Reino Unido, França, Espanha, Áustria, Bélgica, Irlanda, Luxemburgo, Portugal e Suíça, existe uma inegável influência do catolicismo nas crenças populares da maioria deles. Poderíamos, portanto, procurar justificar parcialmente a preferência por este número como uma questão de fé, tendo em conta a figura de um mestre e 12 discípulos. Mas, mais significativa será ainda a óbvia associação ao fenómeno das aparições Marianas em Fátima e o facto de os Apóstolos mais Maria, Mãe de Jesus, somaram 13 pessoas no Cenáculo, local onde a tradição Católica afirma que o Espírito Santo desceu no dia de Pentecostes.

A própria geometria vem demonstrar o alcance do 13: Conforme descrito no artigo de José Carlos Fernandez, “O misterioso número 26, e as estrelas da Oitava Esfera”, 13 são os eixos de simetria do cubo, um dos 5 sólidos platónicos. Também o Cubo de Metatron é composto por 13 circunferências tangentes e congruentes unidas através de seus centros por 78 linhas retas, figura esta também conhecida como o Fruto da Vida. Para o Judaísmo, as formas existentes no mundo foram todas criadas a partir desta figura geométrica:

Cubo de Metatron. Gratispng

Sem surpresa 7, associado na numerologia ao conhecimento e perfeição, tanto entre os 50 números como entre as 12 estrelas do Euromilhões, tem o nível de escolha mais elevado.

7 e 13, os dois números mais jogados, conectam-se tanto na matemática como na vida humana. Na sequência de Fibonacci, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, …, 13 surge na posição 7 e entre os números somente divisíveis por 1 e por eles próprios, 1, 2, 3, 5, 7, 11, 13, …, 13 surge também na posição 7. O ciclo menstrual da mulher fértil compreende, em média, 1 treze avos do ano ou 4 (1 + 3) períodos de 7 dias cada. 7 são também os orifícios na cabeça humana.

Talvez, mais uma vez, o peso da tradição judaico-cristã, onde o número 7 tem uma grande importância simbólica, possa reforçar a explicação desta preferência, que entre as 12 estrelas, é ainda mais notória. Bastará lembrar que, segundo a Bíblia, Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo.

Notável é também o peso que 7 poderá ter nas preferências pelos números 17 e 27, ambos com níveis de escolha elevados.

Na zona dos “grandes números”, que podemos definir como sendo os números superiores a 30 e estrelas superiores a 9, sobressai a cor azul indicativa de níveis reduzidos de escolha. 30 parece representar uma fronteira que nem todos os apostadores se aventuram a cruzar, algo como um terreno desconhecido para o apostador mais conservador. De notar, no entanto, que nessa zona dois números parecem constituir exceção: O 33 e o 44. Parece concluível que algumas pessoas acreditam que números capicua trazem sorte.

Em termos probabilísticos e assumindo a aleatoriedade dos sorteios, é seguro afirmar que os “grandes números”, que definimos anteriormente, são tão sorteáveis como os demais, isto porque as bolas que os representam nas tombolas são, a priori, intrinsecamente idênticas às demais. Como explicar, então, esta “vasta” zona azul e as preferências por determinados números?No artigo do Jornal Público intitulado “Há três meses que ninguém ganha o Euromilhões. E a matemática não ajuda”, é citado o psicólogo Pedro Hubert, coordenador do Instituto de Apoio ao Jogador, que diz:

“A componente emocional sobrepõe-se à racional … [Na altura de decidir se apostam ou não] Algumas pessoas lembram-se daquela vez em que ganharam algum prémio, em detrimento de todas as outras em que perderam. Também há os apostadores que recordam determinado conhecido que foi premiado. Outros apostadores têm uma ilusão de controlo e pensam que se escolherem certos números têm maior probabilidade de sucesso. Por último, a necessidade: as pessoas quando precisam de dinheiro têm tendência a idealizar o que fariam com determinado prémio.”

Esta crença, explicada por Pedro Hubert, na maior probabilidade de sucesso, ou seja, a crença na existência de fórmulas para a sorte, para contornar o azar, está, portanto, solidamente presente na mente dos jogadores que, ao, claramente, preferirem determinados números, procuram, eventualmente, adivinhar os propósitos da Providência Divina.Delia Steinberg Guzmán, no artigo, extraído da sua obra “Os Jogos de Maya”, intitulado “O Destino”, escreve:

“Imersos nas atrações dos jogos da Vida (os jogos de Maya), o Destino apresenta-se-nos como uma forma de sorte, uma espécie de roleta ou lotaria, onde a casualidade é a que impõe uma maior ou menor felicidade dos homens.”

Maya é um termo filosófico que, em geral, se refere ao conceito da ilusão que constituiria a natureza do universo. Mas será mesmo uma “ilusão de controlo”, como descreve Pedro Hubert ao referir-se às preferências numéricas dos europeus? Voltemos ao artigo de Delia Steinberg Guzmán:

“A casualidade não existe, ainda que Maya aparente o contrário; há somente ignorância da causalidade. O facto de que nós, como humanos, não cheguemos a entender a finalidade do jogo de Maya, o facto de não compreender porque faz o que faz e se dirige para onde se dirige, não significa forçosamente que Maya se reja pela casualidade.”

Mas então, como se conciliam estas duas realidades: A aleatoriedade de um sorteio com Causalidade? Como é garantida a compatibilidade entre a casualidade e Causalidade? Olhemos para as deduções que alguns investigadores fazem com base nos resultados de experiências com a própria fábrica da realidade:

Num artigo publicado no “The Conversation”, intitulado “Física quântica: Nosso estudo sugere que a realidade objetiva não existe”, pelos investigadores Alessandro Fedrizzi e Massimiliano Proietti, podemos ler:

“… mostramos que, no micromundo dos átomos e partículas governadas pelas estranhas regras da mecânica quântica, dois observadores diferentes têm direito aos seus próprios factos. Em outras palavras, de acordo com a nossa melhor teoria dos blocos de construção da própria natureza, os factos podem, efetivamente, ser subjetivos.”

Num recente artigo da “Mind Matters” intitulado “Na Física Quântica, ‘Realidade’ Realmente É o que Nós Escolhemos Observar”, o físico e proponente da filosofia idealista Bruce Gordon, entrevistado pelo neurocirurgião Michael Egnor, diz o seguinte:

“A física quântica é uma teoria altamente matemática que descreve a natureza da realidade nos níveis atómico e subatómico. As descrições matemáticas da física quântica têm uma variedade de consequências experimentalmente confirmadas que – eu diria – excluem a possibilidade de um mundo de substâncias materiais independentes da mente e governadas por causalidade material.”

Por último, um artigo de blog da Scientific American, intitulado “A Braços com as Implicações da Mecânica Quântica”, os autores Bernardo Kastrup, Henry P. Stapp e Menas C. Kafatos argumentam o seguinte:

“… caraterísticas peculiares do comportamento de sistemas quânticos entrelaçados (ou seja, sua violação experimentalmente confirmada das chamadas ‘desigualdades de Bell e Leggett’) parecem descartar tudo, exceto a consciência como agente de medição. Alguns então afirmam que o entrelaçamento é observado apenas em sistemas microscópicos e, portanto, suas peculiaridades são alegadamente irrelevantes para um mundo com mesas e cadeiras. Mas tal afirmação não é verdadeira, pois vários estudos recentes demonstraram entrelaçamento para sistemas muito maiores.”

A realidade experienciada pelo ser consciente será, portanto, subjetiva. A mente consciente é o agente de medição ou de colapso do vetor estado, é o agente central do qual depende a causalidade material.Num artigo já aqui mencionado é também citado o professor catedrático Dinis Pestana, do Departamento de Estatística e Investigação Operacional da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que, mesmo conhecendo ao pormenor as probabilidades de acertar, vai dizendo:

“A vida está cheia de improbabilidades, não é verdade?”

Por conseguinte, para o ser consciente, para o ator principal na definitiva obra teatral que é a sua própria vida, que é o seu próprio universo subjetivo, o conceito de lotaria acaba anulado pela incompreensível improbabilidade da existência!

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