O objeto da filosofia é purificar a vida humana e encaminhá-la ao seu fim. Purifica-a libertando-a da confusão, da desordem, da matéria e das paixões do corpo mortal e conduzi-lá a seu fim, posto que a faz recobrar, ao assemelhá-la a Deus, a puríssima felicidade de que é suscetível. Nada, por outra parte, tão particularmente eficaz como a verdade e a virtude para obter, pela via natural, o dobro do resultado: a virtude, que tanto reprime os excessos passionais (534); e a verdade, ajudando aos quantos se preparam convenientemente, a recuperar a semelhança com a divindade. É preciso, por conseguinte, em consideração a esta ciência capaz de tornar-nos puros e perfeitos, contar com algumas regras brevemente formuladas, semelhantes a aforismos ditados pela experiência da vida, com o objetivo de chegar ordenada e metodicamente ao feliz fim de uma existência bem-aventurada. E entre todas as regras que tendem a conduzir-nos face a uma filosofia integral, colocamos, em primeiro lugar e no seu fundamento os preceitos pitagóricos chamados dos Versos de Ouro. Estes versos contêm, certamente, as normas gerais que regem toda a filosofia aplicada, tanto na vida prática como na contemplativa. Seguindo-os pode-se sempre adquirir a verdade e a virtude, conseguir a pureza, chegar felizmente a assemelhar-se a Deus, e como disse o Timeu de Platão, este exato e fiel mestre dos ensinamentos pitagóricos (535), “depois de ter reestabelecido a saúde e a integridade, dar de novo com a forma do nosso primeiro estado”.
Os Versos de Ouro oferecem, em primeiro lugar, preceitos encaminhados à vida prática. Antes que toda outra coisa, com efeito, é preciso colocar fim à nossa sem razão e à nossa indolência, e só depois disso encaminhar-se para o conhecimento das coisas divinas. Bem assim como uns olhos impuros e ulcerados são incapazes de ver os objetos vivamente iluminados, do mesmo modo é impossível que a alma que não está em posse da virtude possa contemplar, como num espelho, o esplendor que se desprende da verdade. Porque, efetivamente, jamais o impuro estará permitindo de tocar aquilo em que se abriga a pureza.
A filosofia prática tem o poder de engendrar a virtude; a contemplativa, em dar-nos a verdade. Nos versos pitagóricos encontramos ambas as filosofias. A prática, a chamada “virtude humana”, e a contemplativa, celebrada como “virtude divina”. Com efeito, estes versos, depois de terem estabelecido os preceitos que regem a virtude moral ou humana, adicionam: “Trabalha com objetivo de colocar em prática estes preceitos: medita-os; aprende a amá-los e colocar-te-ão no próprio caminho da virtude divina”.
É preciso, pois, antes de tudo, chegar a ser homem; só depois de conseguir isto, tratar de alcançar o nível dos deuses. Se a prática das virtudes morais torna o homem bom, só o conhecimento das ciências que conduzem à virtude divina, nos diviniza. Por conseguinte, os que querem progredir ordenamente, devem, antes das coisas grandes, ocupar-se das pequenas. Porque, entre todas as regras pitagóricas de conduta, este poema enuncia em todos os seus versos os preceitos relativos à vida presente, como nos elevaremos até à nossa semelhança com Deus. Portanto, o fim deste poema e até o pedido em que os seus versos estão colocados, tendem a dar a quem os ler, antes que qualquer outro ensinamento, o sinal mediante o qual se distingue o verdadeiro filósofo. Por outra parte, são chamados Versos de Ouro para indicar com ele a excelência extraordinária que os faz superiores a todos os demais poemas. Do mesmo modo que chamamos “Idade de Ouro” à idade em que viveram os melhores homens (536), e por analogia julgamos, comparando com as diversas qualidades dos metais, os costumes diferentes. Porque, com efeito, o ouro é um metal muito puro. Não se encontra nele nenhuma impureza terrosa, como ocorre nos demais metais que se assemelham, mas que em perfeição não fazem senão segui-lo: a prata, o ferro e o cobre. Tem, pois, o ouro, por natureza, preeminência sobre os demais metais. Ele não oxida, ao contrário dos demais que, tanto mais se misturam e aproximam ao barro, tanto mais se tornam transtornáveis. E tomando esta ferrugem terrestre como símbolo da corrupção que nos conduz à matéria, com razão chama-se “Idade de Ouro” à idade que esteve isenta de toda a perversidade, e durante a qual reinaram a santidade e a pureza. Pois o mesmo ocorre com estes versos: sendo como são total e inteiramente belos, com toda a razão terão sido chamados Versos de Ouro ou divinos. Com efeito, não sucede neles como noutros poemas, em que uns versos são bonitos e outros não, mas todos os versos que formam esta grinalda servem para demonstrar igualmente a excelência da pureza dos costumes, todos conduzem igualmente à semelhança divina, e todos nos mostram também o fim supremo da filosofia pitagórica (537.
Boletim nº 5 de“Pitágoras”, ano 2016
1 https://es.wikipedia.org/wiki/Hierocles_de_Alejandr%C3%ADa