A música tem sido, desde sempre, uma expressão universal da criatividade humana, percorrendo várias culturas e gerações. Na base desta arte, estão os números e a Física das Ondas, um domínio que explica como se produz e se propaga um som. O objetivo desta exposição é mostrar que os conceitos fundamentais desta área assentam nas ondas estacionárias e nos harmónicos, essenciais para entender o funcionamento dos instrumentos musicais e a existência de timbres tão diferentes.
Quando uma onda atinge as fronteiras de um meio, ocorre reflexão da onda inteira ou de parte da mesma. Assim, numa determinada região, ocorre superposição (ou interferência) da onda incidente e da onda refletida. Acontece, por exemplo, quando uma onda sonora atinge uma parede e se reflete (podendo originar o eco, se a distância o permitir) ou quando se move a extremidade de uma corda que possui a outra extremidade fixa.
No caso de uma corda de um violino, por exemplo, presa nas duas extremidades, existem reflexões sucessivas. Nesse caso, essas ondas só existirão para determinadas frequências, que dependem das propriedades e dimensões do meio. Essas frequências, bem como a configuração a elas associadas apelidam-se de modos normais.
Se nos centrarmos sobre o que acontece quando uma onda atinge a extremidade fixa de uma corda, uma vez que esta não se pode mover, é exercida uma força pela onda sobre o ponto fixo. Aplicando a terceira Lei de Newton, a reação dessa força sobre a corda dá origem a uma onda que se propaga no sentido inverso.
O princípio da superposição das ondas explica como a onda incidente e a onda refletida interferem para originar uma onda estacionária.
Uma onda estacionária deve a sua designação ao facto de parecer que a mesma está parada, ao contrário de uma onda progressiva (que se move, numa corda). Uma onda estacionária está limitada a um determinado meio finito (corda, por exemplo) e consiste na existência de nós e ventres que aparecem alternadamente. Esses pontos resultam da interferência construtiva e destrutiva das ondas que se propagam nos dois sentidos: ondas incidentes e refletidas.
Quando ocorre superposição de duas ondas, o deslocamento resultante, em qualquer ponto e em qualquer instante, corresponde à soma dos deslocamentos individuais que cada ponto sofreria, caso não existisse o outro deslocamento. A função de onda y(x,t) que descreve o deslocamento resultante corresponde à soma das duas funções de onda das duas ondas individuais.
Do ponto de vista matemático, esta propriedade aditiva das funções de onda deve-se à forma da equação de onda (1):
que é satisfeita por qualquer onda fisicamente possível. Quando duas funções y1(x,t) e y2(x,t) satisfazem individualmente a equação de onda (1), a soma y1(x,t) + y2(x,t) também a satisfaz, ou seja, também corresponde a um movimento fisicamente possível. Diz-se que a equação de onda (1) é linear.
Para determinar matematicamente os nós de uma onda estacionária, consideremos uma corda presa numa extremidade. A extremidade livre pode oscilar de cima para baixo com movimento harmónico simples, produzindo uma onda que se propaga da extremidade livre para a fixa (onda incidente) e outra onda (onda refletida) que se propaga no sentido inverso. Observa-se então na corda uma onda estacionária (Figura 1).
Considerando a figura de cima para baixo, a frequência da oscilação aumenta e o comprimento de onda da onda estacionária diminui. Os pontos indicados pela letra N constituem os nós. Entre dois nós consecutivos, existe um ponto AN, o ventre (ou antinó), onde a amplitude do movimento é máxima.
Cada uma das ondas pode ser representada pelas funções de onda
y1(x,t) = Asen(ωt+kx), para a onda incidente
e
y2(x,t) = -Asen(ωt-kx), para a onda refletida
com ω a representar a frequência angular e k o número de onda.
Salienta-se que a curva que representa uma onda refletida numa extremidade fixa é invertida, daí o sinal negativo. A função de onda da onda estacionária resultante é dada pela soma y1(x,t) + y2(x,t), ou seja,
y(x,t) = Asen(ωt+kx) – Asen(ωt-kx)
Usando as fórmulas trigonométricas, podemos simplificar a expressão, obtendo
y(x,t) = 2Asen(kx)cos(ωt)
(2)
A equação (2) representa uma onda estacionária numa corda que possui a extremidade fixa em x = 0.
Contrariamente ao caso de uma onda progressiva que se propaga ao longo da corda, a forma da onda definida pela expressão (2) permanece na mesma posição.
Cada ponto da corda executa um movimento harmónico simples e todos os pontos situados entre dois nós consecutivos oscilam em fase.
Para determinar os nós, a equação (2) tem que verificar a condição
y(x,t) = 0,
resultando em
kx = πn
com n a assumir valores inteiros, ou seja,
kx = 0, π, 2π, 3π, 4π, …
Se substituirmos k (número de onda) por sendo λ o comprimento de onda, obtemos a seguinte expressão:
Ou seja, x = 0, λ/2, 2λ/2, 3λ/2, 4λ/2, …
A expressão (3) traduz os pontos onde se situam os nós de uma onda estacionária. Assim, a distância entre dois nós adjacentes (e consequentemente, entre dois ventres consecutivos) é igual a
Como era de esperar, existe um nó em x = 0, tendo em conta que esse ponto é um ponto fixo da extremidade da corda.
Consideremos agora uma corda de comprimento fixo L, presa nas duas extremidades, tal como se encontra em muitos instrumentos musicais, nomeadamente nas violas ou nos pianos.
Quando se põe a vibrar uma corda nestas condições, a onda que se propaga vai sofrer reflexões sucessivas nas duas extremidades, originando uma onda estacionária. Estas oscilações produzem no ar ondas sonoras que se propagam com a mesma frequência da corda. A onda estacionária resultante possui nós nas duas extremidades da corda. Uma vez que a distância entre dois nós adjacentes iguala meio comprimento de onda λ/2, o comprimento da corda deve verificar a seguinte condição:
Assim, para uma corda de comprimento L, formar-se-á uma onda estacionária se for verificada a condição (4). Identificando os valores possíveis para o comprimento de onda por λn, vem
É possível a formação de ondas numa corda para as quais não se verifique a relação (5), contudo, não podem ser ondas estacionárias.
A equação (5) é ilustrada pela figura 2 cujas ondas estacionárias correspondem aos valores de n = 1, 2, 3, 4 e 5.
Tendo em conta a expressão v = λf, sendo v a velocidade da onda e f a sua frequência, e combinando com (5), vem
Ou
As expressões (6) e (7) definem a série de frequências da onda estacionária.
Para n = 1, temos a menor frequência f1 que corresponde ao maior comprimento de onda.
A frequência f1 é denominada frequência fundamental, sendo que as outras frequências (f2, f3, …), múltiplas da frequência fundamental, são apelidadas de harmónicos e a respetiva série é a série harmónica.
Matematicamente, é possível demonstrar que a onda estacionária formada numa corda fixa nas duas extremidades possui dois nós nessas extremidades, ou seja, em x = 0 e x = L.
Um modo normal de um sistema oscilante é um movimento no qual todas as partículas do sistema se movem sinusoidalmente com a mesma frequência. Existe um número muito grande de modos normais e cada um deles possui a sua configuração de vibração e a sua frequência característica. A figura 2 mostra a configuração dos cinco primeiros modos normais assim como as suas frequências e comprimentos de onda associados.
Os pontos indicados pela letra N correspondem aos nós e os pontos indicados pela letra A referem-se aos ventres (ou antinós).
Ao contrário de uma corda, um oscilador harmónico, que contém apenas uma partícula oscilante, possui apenas um modo normal e uma única frequência característica.
Uma corda fixa nas duas extremidades possui um número muito grande de modos normais porque é constituída por um número muito grande de partículas.
Na realidade, quando se põe a vibrar uma corda, como no caso de uma guitarra, a forma da corda perturbada não é tão simples como as configurações indicadas na figura 2. Na vibração resultante, o movimento é uma superposição de muitos modos normais. Assim, o som produzido pela corda vibrante também é uma superposição de ondas sonoras sinusoidais progressivas que ouvimos como um som complexo com a frequência fundamental f1.
A onda estacionária na corda e a onda sonora progressiva no ar possuem a mesma composição harmónica.
A velocidade v de uma onda transversal também se pode exprimir em função da tensão T da corda e da sua densidade linear μ, através da expressão
Concluindo, vemos que através de expressões matemáticas baseadas nas leis da Física, é possível descrever a harmonia que a música nos oferece
Porém, o estudo das ondas estacionárias e dos harmónicos não é só do domínio da Física. Também penetra no plano da Filosofia e no mundo da natureza do Universo. As ondas estacionárias, com a sua simetria previsível refletem uma ordem subjacente que parece governar o caos aparente do que nos rodeia. De uma certa forma, elas representam a manifestação tangível da harmonia e do equilíbrio do cosmos, onde cada frequência e cada padrão encontram o seu lugar no tempo e no espaço.
Os harmónicos, com a precisão das suas proporções matemáticas reproduzem a antiga crença pitagórica na música das esferas, com o Universo inteiro a vibrar numa sinfonia celestial.
Para além de um fenómeno físico, os harmónicos constituem também um símbolo da coexistência em equilíbrio das partes individuais de um sistema maior.
Bibliografia
Young, Hugh D. e Freedman, Roger A. Física II – Termodinâmica e Ondas.
Henrique, Luís L. Acústica Musical. Tipler, Paul A. e Mosca, Gene.Física – Mecânica, Oscilações e Ondas, Termodinâmica.
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