Esfera e Círculo

Se vos perguntam: Em que consiste a natureza da divindade? Respondei: Num círculo cujo centro está em toda parte e a circunferência em lugar nenhum.

Pitágoras

Os pitagóricos ensinavam que tudo é Número, tudo é uma manifestação das leis que regem a existência e a conduzem à perfeição, que pode ser simbolizada pelo círculo / esfera e pelo Número Pi. A alma esférica pertence a si mesma, tem o centro e está centrada em Deus, a causa de todos os números. Nós estamos em busca desta perfeição e o caminho para o nosso próprio centro é a filosofia, definida por Platão como uma ascensão ao Ser, uma subida pelos degraus da beleza numérica, que começa nos “números sensíveis”, continua através dos “números-leis” e termina ao descobrir a beleza do Não-Número, o Bem em si, fundamento de todos os números.

Ao falar sobre os números, podemos mencionar que existem dois Não-Números muito importantes na teogénese e na cosmogénese. Trata-se do Zero (Nada) e o Infinito (totalidade), o primeiro é simbolizado em geometria pelo ponto adimensional, definido por Euclides como “o que não tem nenhuma parte”, e o segundo, o infinito, por um círculo / esfera infinita. Para Cusano (De a docta ignorância) o ponto e a esfera infinita correspondem ao Mínimo e ao Máximo Absoluto, e estes dois absolutos coincidem porque Deus não pode ser maior do que é, mas também não pode ser menor do que é. “Deus está perfeitamente dentro de tudo, simples e indivisivelmente, porque é um centro infinito, e está fora de todas as coisas, porque é uma circunferência infinita, e penetra todas as coisas, porque é um diâmetro infinito”. É dizer que o centro da esfera infinita se iguala com o diâmetro e a circunferência. 

O Não-Número personifica a realidade absoluta, que ao “despertar” gera o início, a metade e o fim de todas as coisas, um duplo movimento que vai do Uno ao Uno, desde o centro até fora e desde fora até ao centro. Isto é, um universo periódico, geometricamente um círculo / esfera finito e transbordante, que engloba em si o início e o fim da cosmogénese e da teogénese, a perfeição que existe potencialmente no início e é atualizada no final da evolução. Esta figura, cujo início e fim coincidem num mesmo ponto, expressa a unidade perfeita da totalidade omniabrangente.

O centro deste círculo / esfera é a semente, o germe de toda a realidade, o princípio e a causa da circunferência e de tudo aquilo que se encontra dentro desta circunferência. Tudo provém deste princípio imóvel – o dinâmico e o estático, o tempo e o espaço, a vida e a matéria.

Ao sair de si mesmo, o centro adimensional emana em todas as direções a luz primordial, a mãe de todo o manifestado. Os raios saem do centro e terminam na circunferência, unindo todos os seus pontos-imagens da circunferência com o centro-arquétipo imóvel.

 Mas, qualquer saída para fora das margens da mónada, qualquer movimento que se realiza a partir deste “arco” simultaneamente em todas as direções, gera o círculo / esfera limitados e, portanto, o número π. Ou seja, o número π (Pi) é o primeiro número manifestado, e representa “a Hierarquia numérica dos Dhyân Chohans (deuses) das diferentes ordens, e do mundo interno ou circunscrito” (Doutrina Secreta), ou seja, todas as figuras geométricas inscritas neste círculo / esfera, todos os números / leis e, consequentemente as suas relações numéricas.

 “Assim, enquanto no mundo metafísico o Círculo com o Ponto central não tem nenhum número e é chamado Anupâdaka – sem pai e sem número porque é incalculável -, no mundo manifestado, o Ovo ou Círculo do mundo está circunscrito dentro dos grupos chamados a Linha, o Triângulo, o Pentágono, a segunda Linha e o Quadrado (ou 13514); e quando o Ponto engendrou uma Linha, e esta se converte num diâmetro que representa o Logos andrógino, então os números convertem-se em 31415, ou um triângulo, uma linha, um quadrado, uma segunda linha e um pentágono. ” (DS – estância 4, Sloka 3)

O número π (Pi) é a razão entre o comprimento de uma circunferência e o seu diâmetro. É um número irracional (melhor dito transcendental, por não ser um número algébrico) e é uma das constantes matemáticas mais importantes. Aos números irracionais, que não podem ser expressos por meio de uma fração (a/b), os gregos chamaram-lhes números indivisíveis ​​(arrhetos arithmos).

Para os pitagóricos, os números eram símbolos hieroglíficos por meio dos quais explicavam todas as ideias relativas à natureza das coisas. Mas, como disse Ragon, “quando os sábios queriam escrever algo que só compreendiam os eruditos, inventavam um romance, uma fábula, um conselho ou qualquer outra ficção com personagens humanos e lugares geográficos cujos caracteres literais descobriam o que o autor queria dizer na sua narrativa. Tais eram todas as invenções religiosas.” Cada denominação e vocábulo tinham o seu fundamento, ou seja, os nomes que aparecem nos textos sagrados têm um significado profundo. Como escreve Jâmblico, Pitágoras é considerado o mais sábio de todos por ser o inventor não só das ciências matemáticas, mas também dos nomes dos deuses, génios e seres humanos de caráter divino. Essa invenção ou correção dos nomes é muito importante, porque dentro da tradição iniciática os nomes são os números e os números são nomes, o que podemos demonstrar com muitos exemplos.

Ele disse que esta Aritmética é a mais sábia de todas as coisas: Depois, foi ele quem deu nomes às coisas.

C. Aelianus

O número π é representado neste mosaico fora do Edifício de Matemática da Universidade Técnica de Berlim. Creative Commons

O Número π e as Forças Criadoras: o número π também está “escondido” nos textos sagrados das escolas orientais e ocidentais. Assim, a palavra hebraica ALHIM (Deus) lida numericamente é 13514 (omitindo os zeros, por permutação e anagramaticamente dá o número 31415 ou o número Pi. 

π = 3,1415

A palavra grega ΛΑΔΑΝΟΝ (Incenso) dá-nos o valor do número π = 3,141575 mais exato sem usar permutações.

O Número π e o Tempo: como disse HPB (DS – estancia 4, Solka 3), podemos encontrar o número Pi “nos cálculos secretos para expressar os vários ciclos e épocas do “primogénito”, ou 311.040.000.000.000 com frações …” este primogénito é Brahma (literalmente evolução, desenvolvimento em sânscrito), o deus que vive milhões de anos e morre junto com tudo o que foi criado, para reaparecer após uma Grande Noite, período de descanso. Na antiga Índia contavam o tempo com números realmente astronómicos, usando grandes unidades de medida dias, anos e éons de Brahma (universo) abarcando no seu calendário a totalidade do tempo. 

Ciclo de Brahma 3,110,400,000,000 anos

Ano de Brahma 31,104,000,000 anos = 12000 x 25920 anos

Dia e noite de Brahma 86, 400,000 anos

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 3,141,590,400,000 anos  – um século + um ano + um dia

O valor de π está oculto nos grandes ciclos que medem o tempo de existência do universo. Ao somar o valor da idade, ano e dia de Brahma obtemos 314159, o número que corresponde ao valor de pi.

Hélios: a tradição pitagórica teve outra maneira de ocultar o número pi, como a relação entre a circunferência com o valor da unidade e o diâmetro (1 / π = 0,318). Por outras palavras, o círculo com a longitude da circunferência 1000 (mónada, mas os pitagóricos em vez da unidade divina preferiram utilizar o número 999) tem o diâmetro de 318. Este número é encontrado no Antigo e no Novo Testamento, os quais, como afirma Barnabé, aluno de São Paulo, devem ser entendidos simbolicamente se quisermos compreender as suas mensagens metafísicas e científicas.

14:14 Quando Abraão soube que o seu parente foi levado cativo, mobilizou os seus homens treinados, nascidos na sua casa, trezentos e dezoito, e saiu em perseguição de Dan.

15: 2 E disse Abraão: Ó Senhor Deus, que me darás, visto que não tenho filhos, e o herdeiro da minha casa é Eliezer de Damasco?

(AlIAZR) = (1+30+10+70 +7+200) = 318

O número-anagrama IHT = 318 de Jesus Cristo crucificado é gnóstico pela sua origem, mas como sabemos os gnósticos usavam os métodos pitagóricos e, como disse São Irineu de Lyon, basearam as suas doutrinas no significado que dão às letras e aos números. Dentro dos pitagóricos 318 é o valor de hélios (ΗΛΙΟΣ), e também do nono caráter do alfabeto grego (ΘΗΤΑ). Pode-se recordar que a imagem gráfica do Sol há muito era representada na forma do círculo com o ponto no centro (Ο), e que o caráter grego theta (Θ) no início também se representava com o mesmo símbolo que atualmente representa o sol.

 IHT = ΗΛΙΟΣ = ΘΗΤΑ = 318 = 999 /π

Se hélios é a luz dos velhos tempos, então Cristo é o sol e a luz do novo ciclo 

(ΦΩΣ ΧΡΙΣΤΟΥ = 3180 = ΗΛΙΟΣ)

Diz o evangelho de Tomás: “Há uma luz dentro do ser humano e ilumina o mundo. Se não ilumina é escuridão”. Esta luz é a luz do Cristo. Cristo é a luz dentro do homem, e a sua luz (ΦΩΣ ΧΡΙΣΤΟΥ) é a luz da Verdade. Assim como o Hélios origina tudo na natureza e lhe dá existência física, a luz de Cristo, a luz interior da gnose pode eliminar as insuficiências da alma, que são próprias daqueles que permanecem nas trevas da ignorância. Insuficiência na linguagem da matemática significa que a alma carece da integridade e a perfeição própria da esfera, e que a transcendência própria ao número π está perdida. O ser humano carece de centro, de Cristo para os gnósticos ou Apolo-Hélios para os pitagóricos. Somente a ação, realizada a partir do centro divino e imóvel, estará em plena concordância com a nossa natureza espiritual. Quando a causa da ação se encontra fora de nós, quando estamos “centrados” por algo exterior, perdemo-nos e caímos no auto esquecimento e na escravidão: “Que Cristo entre no Templo, que está dentro ti, para expulsar os vendedores! Meu filho, alguém deseja ser escravo? Por que estás tão dominado por desejos? ” – pergunta o autor nos “Sermões de Silvano”. 

A Gematria (ou Isopsefia) cabalística é aritmética, a pitagórica é aritmética e geométrica, o que podemos ilustrar com alguns exemplos.

Topo da atmosfera. Domínio Público

Caos e o Uno: Como afirma Jâmblico, o primeiro número que deu origem aos outros números, os pitagóricos chamavam de Caos, o qual segundo Hesíodo, é o antecessor de tudo, é o abismo espacial, o ponto inicial que dá o nascimento aos Deuses (as forças criativas) e ao Universo. 

A esfera com o volume V = 87100 = ΧΑΟΣ tem o diâmetro de 55 = EN, que representa o Límite dentro do Ilimitado. É que o diâmetro limita o Ilimitado, o vazio infinito, despojado de fronteiras.

ΧΑΟΣ = 871 = 87100 = V; V=4/3πR3  

EN = 55 = d

 A noção EN (O Uno) em certo sentido representa simultaneamente a mónada (origem de todas as coisas, a identidade, a simplicidade, a uniformidade de ser) e a década (a unidade multiplicada e diferenciada, a totalidade das coisas, o Universo, a eternidade e a necessidade). O valor numérico de EN (55) é a soma dos dez primeiros números e o décimo termo da sequência de Fibonacci. O diâmetro da esfera marca o início do movimento e rotação ativa, ou seja, a primeira diferenciação em vários níveis ontológicos, que se movem harmonicamente em torno desse eixo imóvel.

Criação: Sem recorrer a explicações detalhadas das caraterísticas matemáticas do número 55 (ver “a teologia da Aritmética”), pode-se observar que o triângulo equilátero com o comprimento do lado EN tem a superfície/área, que corresponde às palavras “Natureza” (ΦΥΣΙΣ) e “Ser humano” (ΑΝΘΡΩΠΟΣ).

а = 55 = ΕΝ

P  = а2 √3/4 =1310 = ΑΝΘΡΩΠΟΣ = ΦΥΣΙΣ = Ο ΜΕΓΑΣ ΟΡΦΝΟΣ

Oi 100 (Circunferência inscrita) 

Oc 200 (Circunferência circunscrita)

O triângulo, símbolo da primeira atualização dos poderes da mónada, através da sua influência sobre a dúada, contém arquétipos da primeira diferenciação, a Natureza (ΦΥΣΙΣ) e o homem Celestial (ΑΝΘΡΩΠΟΣ), o Espírito e a Matéria, o Purusha e Prakriti da filosofia oriental. O Grande Órfão (Ο ΜΕΓΑΣ ΟΡΦΝΟΣ, Grande órfão, anupadaka da filosofia oriental) tem o mesmo valor numérico.

A Natureza: a deusa Artemis simboliza a natureza com os seus ritmos e ciclos de vida. A esfera desta deusa tem a superfície S, igual à quantidade de dias no ano solar. Ou seja, abrange a plenitude do tempo solar/humano e das virtudes. Podemos mencionar que a jornada da alma escrita nos textos egípcios e gnósticos corresponde à jornada do herói solar que deve conquistar e integrar todas as potências do céu interior na sua alma.

V = 656 = ΑΡΤΕΜΙΣ

S = 365 = ΜΕΙΘΡΑΣ = AbRAΞΑΣ

As palavras Mithras, Abraxas, Neilos têm o valor numérico 365.

Zeus: Como sabemos, Zeus é o monarca absoluto da teogonia hesiódica, e é a personificação da Grande Ordem cósmica organizada para todos os tempos. O deus Zeus-demiurgo, a Mente Cósmica, produz a Alma do mundo e o universo ordenado e harmónico segundo o modelo eterno e perfeito. Como disse Platão em Timeo, o Cosmos criado “é o mais belo de tudo o que foi produzido e o demiurgo é a mais perfeita e a melhor das causas”. Essa perfeição, ordem e beleza do Cosmos noético (do grego nous, Cosmos espiritual) os pitagóricos expressaram em nome de Zeus: a esfera, cujo volume corresponde ao valor numérico deste deus, tem a área da superfície de 1618, ou seja a Superfície áurea. O número de Ouro (a proporção áurea) une harmonicamente a essência e a forma, o espírito e a matéria, as partes entre si com o todo. O Deus usou o dodecaedro “para o Universo quando o pintou” (Timeo), e esta figura associada ao mundo obtém o seu ser do número áureo, a quinta-essência da geometria sagrada. 

V = 6120 = ΖΕΥΣ

S = 1618 = 1000 Ф

Cristo: Como disse D. Fidler, Cristo é o Sol espiritual e a luz do novo Aeon (era de peixes), personificação da luz interior, que dentro da nossa alma aguarda a sua ressurreição e é ao mesmo tempo o caminho para a alma, é a verdade que vai libertá-la e a vida da alma libertada.

V =  ΧΡΙΣΤΟΣ = 1480 

S = 200 π 

d = 14. 139 = 10*√2 

d 2 Ο ΘΕΟΣ ΗΡΜΕΣ = ΣΙΜΩΝ ΜΑΓΟΣ = 1414 

Então, a esfera, representada por Cristo (ΧΡΙΣΤΟΣ), princípio cósmico impessoal, tem o raio que corresponde ao nome do Deus Hermes e o diâmetro, que corresponde ao nome de Simão o Mago, considerado o fundador do gnosticismo. Por sua vez, Hipólito disse que Simão, o Mago, se declara o verdadeiro Cristo, e nos “Actos” (8,10) relata o seu conflito com São Pedro, por isso alguns cientistas mencionam que Simão o Mago e Paulo de Tarso poderiam ser a mesma pessoa. É que em algumas ocasiões Simão é descrito de uma maneira muito semelhante a Paulo, que segundo os seus textos é muito gnóstico. Embora os apologistas mostrem Marcião como um seguidor de Simão o Mago, o próprio Marcião nunca o menciona, identificando-se como discípulo de Paulo. Seja como for, aquele, a quem chamaram de “a força de Deus”, no seu nome oculta o número, que realmente corresponde a esta determinação, a raiz quadrada de dois, símbolo de reprodução e transformação, movimento para o infinitamente pequeno e para o infinitamente grande. Este número para os pitagóricos estava oculto nos nomes do Deus Hermes e do Deus Apolo; nos evangelhos (Marcos 8:31) pela voz do céu, Cristo é proclamado filho amado. O valor numérico deste epíteto (ΥΙΟΣ Ο ΑΓΑΠΗΤΟΣ) é 1413, o que corresponde muito bem ao valor da raiz quadrada de dois.

Podemos citar que Simão o mago estava acompanhado por Helena, uma prostituta de Tiro, libertada por ele. Esta personagem, que segundo os seguidores de Simão, era a encarnação do pensamento divino, por um lado corresponde a Sofia, a mais jovem dos eons, que pelo seu “pecado” caiu do Pleroma, do reino da luz ao caos ou reino das trevas, e por outro lado, a Maria Madalena, uma mulher pecadora (prostituta), uma discípula íntima do Senhor. Estas três pecadoras simbolizam a alma divina caída no mundo sensível, pela sua natureza mista é “a prostituta e a santa, a esposa e a virgem, a mãe e a filha” (NG VI, 2), é que “enquanto ela estava sozinha com o pai, ela era virgem … mas quando ela caiu num corpo e veio a esta vida … Prostituiu-se e entregou-se a todos e a cada um ”(NG, II 6). A alma ao casar-se espiritualmente com o seu marido legítimo, enviado pelo Pai, recupera a sua juventude, pureza e beleza. A vida do espírito e da alma, ao unir-se converte-se numa só vida, que já não conhece a morte, a cegueira nem o esquecimento. 

Pleroma. Domínio Público

***

Para compreender a filosofia, é preciso conhecer a geometria, porque como disse Kepler: “a Geometria existia antes da Criação. É co-eterna com a mente de Deus … A Geometria ofereceu a Deus um modelo para a Criação … A Geometria é o próprio Deus ”. Para compreender a filosofia esotérica, é necessário conhecer os métodos matemáticos, sem os quais não podemos compreender as mensagens codificadas nos textos sagrados, escritos na língua metafísica dos símbolos, que despertam a imaginação e a intuição, a única capacidade da mente humana, que pode entender, o que não pode ser expressado com as palavras.

Publicado em Boletim nº 5 de“Pitágoras”, ano 2016

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