Génesis

A evolução, o conjunto das transformações da Natureza é, antes de mais, sobretudo e principalmente, um fenómeno geométrico. Quem não veja que a evolução começa na geometria, que a mudança de uma espécie noutra é uma mudança de forma, portanto um fenómeno geométrico, está cego.
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Assim que nos persuadimos de que todas as coisas são quantidades, e as quantidades formas geométricas de determinado tipo de geometria, e de cada coisa aparece criada pela combinação de duas formas geométricas anteriores mais simples, colocamo-nos no mesmo caminho em que se puseram os grandes filósofos-geómetras anteriores a Pitágoras. E assim, recuando ponto por ponto o processo evolucionista, chegamos como eles a decompor todos os corpos em décadas (dodecaedros) e em cubos, e as décadas e os cubos em tetraedros regulares, e estes em planos, em linhas e em átomos, e estes em pontos matemáticos sem extensão; de tal modo que temos de render-nos à evidência matemática de que do nada do ponto matemático sai tudo, sai o infinito de todas as quantidades possíveis.

A criação do universo ex-nihilo é um facto matemático indubitável, é um fenómeno geométrico que deve ser aceite por todos. Quer pelos que pensam que a evolução começa por decreto soberano de uma vontade omnipotente, quer pelos pensam que a virtualidade da combinação existe por si mesma no nada do ponto matemático; quer pelos que pensam que Deus existe antes do mundo e fora dele, quer pelos que pensam que o homem ascende indefinidamente até à divindade desde o nada. Tudo isto não afecta a essência do problema metafísico.

O aspecto darwinista da evolução foi o primeiro que se ofereceu, sem dúvida, aos geómetras pré-históricos antes de se compreender que a evolução é pura geometria e que todas as formas da Natureza são derivadas das combinações regulares matematicamente possíveis com o tetraedro regular.

Há que retroceder vinte e quatro séculos, há que abandonar a falsa pista que a ciência segue e continuar os secretos trabalhos pitagóricos sobre a geometria do tetraedro, mil vezes mais importante que a geometria do triângulo que é a moda científica destes tempos.

A minha descoberta de que as combinações do tetraedro engendram os outros quatro poliedros regulares pitagóricos é demonstração visível e palpável de que todas as formas são unas e trinas ao mesmo tempo e de que existe a evolução em geometria. Da evolução geométrica se deduz a evolução química e desta a evolução das nebulosas, dos minerais, dos vegetais, dos animais e dos homens.

Tetraedro. Domínio púlico

Tudo é geometria: desde os fenómenos químicos até aos psíquicos e históricos, todos são fenómenos geométricos, expressão de uma geometria cada vez mais complicada, uma série indefinida de unidades pitagóricas que, combinando-se consigo mesmas e com as demais anteriores, engendram novas unidades mais perfeitas, sem termo nem fim até chegar a uma humanidade cada vez mais perfeita.

Donde se infere que a esperança dos antigos no surgimento de um homem perfeitíssimo, de um homem de deus, tinha uma base racional sólida, um fundamento matemático, tal como têm em tem nossos dias o instinto de progresso, a vaga esperança de uma profunda revolução social, a tendência a entregar nas mãos de um ditador político, religioso ou científico todos os tesouros das nossas ilusões.

Eu rechaço a ditadura científica de Darwin; aceito a mais alta de Pitágoras, figura e compêndio da sabedoria histórica e pré-histórica, e a ela me submeto.

1.

A doutrina pitagórica, ou melhor, a parte dela que chegou até nós, deixa no ânimo uma profunda impressão de grandeza envolta em névoas. É um hieróglifo à primeira vista indecifrável; adivinha-se, pressente-se que ali debaixo late algo grande, mas não podemos definir os seus contornos nem aquilatar a beleza das suas proporções.

Conceitos que à partida nos parecem disparatados ou sem fundamento, no entanto inspiram-nos um inexplicável respeito. O impar é perfeito, o par imperfeito; a unidade é par e ímpar ao mesmo tempo; na unidade confundem-se os contrários, etc., etc. Não nos atrevemos a rir destas e outras muitas parecidas afirmações, embora não falte quem se tenha rido delas classificando-as como futilidades, porque uma vaga intuição nos inclina a presumir que o ensinamento pitagórico é obscuro por ser incompleto e que se conhecêssemos toda a verdade, se víssemos escrito o ensinamento oral de Pitágoras, se nos iniciassem nos segredos do pitagorismo, então apareceria clara e esplendorosa à nossa vista.

Creio ter decifrado boa parte do hieróglifo; e tenho a pretensão de ter visto abrir o véu que encobria os impenetráveis mistérios pitagóricos, pelo menos da sua parte essencial. 

Poderá não ser certa a solução que hoje dou, mas o que ninguém poderá negar é que com ela todas as dúvidas se dissipam, as contradições se justificam, e o que parecia duvidoso e obscuro aparece repentinamente iluminado com os divinos resplendores da verdade.

Encontramo-nos na presença do critério filosófico mais vigoroso e mais profundo.

Nele, a ciência filosófica e a ciência matemática fundem-se numa só ciência, e por isso os seus ensinamentos filosóficos têm os caracteres de infalibilidade das afirmações matemáticas.

Não descobri o mistério pitagórico adrede, com propósito deliberado em virtude dos esforços dirigidos com tal fim; o facto não tem, portanto, mérito algum porque foi mera coincidência. Ao descobrir vários sólidos geométricos, desconhecidos para os modernos geómetras, e especialmente um que chamei duplo pentatetraedro, que é combinação regular de dez tetraedros regulares iguais. Ao admirar as singulares circunstâncias que concorrem em tão estranha figura, recordei a veneração dos pitagóricos pela sua década e imaginei, sem o menor esforço intelectual, que o meu duplo pentatetraedro pudesse ser a santa década dos pitagóricos , e com tão singela chave se vê clara se vê clara toda a doutrina pitagórica e vislumbramos com assombro todo o seu alcance extraordinário.

Assim é, na verdade, sem qualquer tipo de dúvida porque a prolixa consideração desta hipótese esclarece, cada vez mais, as teorias pitagóricas e revela-nos o profundo sentido do seu conceito da unidade, o porquê a unidade é conciliação dos opostos, porque o impar é perfeito e o par imperfeito.

Quando se entende rectamente a filosofia pitagórica, percebe-se a sua imensa superioridade sobre todos os restantes sistemas. Quem chega a saber do que é a unidade, possui um critério infalível para julgar todas as coisas, tem na sua mão o imenso poder da verdade, vê com claridade em que consistem o bem, a perfeição e a beleza; penetra mais dentro que os outros no conhecimento da génese das coisas.

A coincidência de muitas das minhas investigações com as doutrinas pitagóricas conhecidas ou exotéricas, faz-me crer, em virtude de legítima intuição, que coincidem também com as doutrinas secretas, reservadas ou esotéricas.

Ao cabo de 24 séculos reaparecem as ideias e os propósitos de Pitágoras com novo vigor.

(…)

A geometria era para ele, com razão, a base mais firme para o exacto conhecimento da Natureza, mas foi desprezada e esquecida resultando em que todas as ciências, inclusive as matemáticas até certo ponto, são hoje ciências imprecisas. Um critério de infalibilidade foi substituído pelas tentativas, as aproximações, o pouco mais ou menos.

No terreno científico, a sua desventura foi imensa porque, em rigor, todos os grandes filósofos são seus discípulos e poucos reconheceram rectamente o seu indiscutível predomínio.

Seus discípulos são Platão, Santo Agostinho, Raimundo Lúlio, Leibniz e Hegel, sobretudo os dois últimos que são os legítimos herdeiros do imenso caudal científico de Pitágoras, os verdadeiros discípulos de Pitágoras.As mónadas de Leibniz outra coisa não são senão os uns pitagóricos. Quiçá não se atrevesse Leibniz a proclamar-se francamente discípulo de Pitágoras porque o seu fino olfacto político lhe fizesse acreditar que a lenha verde da fogueira de Giordano Bruno ainda não se tinha apagado. Raimundo Lúlio foi um clarividente da importância colossal da lei combinatória, mas não viu que este ensinamento vinha de Pitágoras.

(…)

E como o actual pretenso divórcio entre ciência e religião consiste precisamente em que se a fé afirma que Deus fez o mundo do nada e a razão, ao crer que do nada não pode sair algo, retira todo o valor às intuições da fé, é evidente que só pode haver concordância perfeita entre as verdades religiosas e científicas pela tendência filosófico-científica de Pitágoras, a que demonstra que do nada pode sair algo, que ao combinar qualquer coisa consigo mesma, aparecem coisas novas que antes não existiam.

A filosofia de São Tomás de Aquino, de Hegel e a Pitágoras são três aspectos distintos de uma mesma verdade, manifestações hipostáticas de uma verdade trina e una ao mesmo tempo. Cada uma delas é síntese das outras duas, tomadas como tese e como antítese.

A névoa dos sofismas kantianos difundida pela atmosfera intelectual do nosso século [séc. XIX] tem-nos sumido na tristeza e no desespero da dúvida. Laboremos por dar ao nosso espírito as sãs alegrias que engendra a posse da verdade. Esperemos que luza por fim, e pelos séculos dos séculos, o Sol esplendoroso da indestrutíveis verdades pitagóricas, porque já não há razão para que sejam secretas e reservadas para um curto número de eleitos.

Eu, que vejo a grande escola pitagórica solitária, abandonada pela ciência oficial, sem que as grandes conquistas científicas do nosso tempo se dignem honrá-la e honrar-se com a sua grandeza, acudo como o mais humilde de quantos discípulos possam aproximar-se a ela para proclamar as suas verdades e a divulgar os seus ensinamentos.

Embora não creia na metempsicose nem outros símbolos de profundas verdades, nem visto túnica branca, considero-me discípulo de Pitágoras e, como tal, pretendo demonstrar que os métodos experimentais da ciência moderna são empíricos, não têm base racional, e que a verdadeira experiência é a geométrica, porque sendo todos os objectos da Natureza combinações regulares dos poliedros regulares, isto é, uns pitagóricos, podemos conhecer a priori todas as formas e todos os fenómenos possíveis, se efectuarmos a série graduada das combinações possíveis com os poliedros regulares, passando das mais singelas às mais complexas, das causas aos efeitos, desde o nada até ao infinito.

Ao expor a minha teoria, creio ser fiel intérprete e vozeiro da doutrina secreta dos pitagóricos.

A evolução darwinista, de que tanto se envaidece a ciência moderna, é um aspecto parcial, confuso e insignificante da verdadeira evolução que se deduz dos grandes ensinamentos da filosofia pitagórica. Aquela pretende conhecer o mundo em virtude de uma experiência empírica divorciada, ou pelo menos afastada, da ciência matemática; esta procede pela única experimentação racional, pela que se identifica totalmente com as eternas verdades matemáticas que regem o mundo e caminha, por conseguinte, com absoluta segurança julgando todas as coisas com o critério da infalibilidade matemática.

Este critério esteve oculto até hoje porque, convertido em ruínas o soberbo palácio científico erguido por Pitágoras, não se vêem mais que algumas pedras espalhadas sem ordem nem conserto. Tive a fortuna de perceber como umas pedras se encaixam com outras e de reconstruir uma boa parte da construção pitagórica. E ao admirar as suas colossais proporções e a sua imortal beleza, incomparavelmente superior à das estátuas de Fídias e Praxiteles, plena a alma da imensa alegria do achado, desejo contribuir à felicidade e progresso do género humano divulgando as maravilhas dos ensinamentos pitagóricos.


Continua…

Agosto 1912

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