Não há escuridão mas ignorância.
William Shakespeare
O nosso conhecimento sobre a origem e destino do universo não está na reta final; estamos num momento de mudança de paradigma. Com a física quântica, a teoria da relatividade e os avanços tecnológicos da instrumentação, pensávamos que o modelo “big bang” e o modelo padrão das partículas seriam agora versões definitivas. Mas ao longo do século XX e no início do século XXI, surgiram provas da matéria escura e da energia escura, e as nossas teorias atualmente apenas explicam 4% do universo.
Uma proposta consistia em considerar a matéria escura bariónica, que é a matéria ordinária que não brilha: gases não luminosos, planetas, estrelas que não o chegaram a ser, anãs castanhas, estrelas de neutrões ou buracos negros (MACHO, sigla em inglês para, massive astrophysical compact halo objects). Existe atualmente um consenso de que esta matéria não constitui a parte importante da matéria escura.
A matéria escura pode ser chamada fria ou quente, dependendo da velocidade a que se movem as partículas que a compõe. Se for muito grande, próximo da velocidade da luz, chama-se “matéria escura quente”; no caso contrário, “matéria escura fria”. Como a matéria escura aparece agrupada de uma forma “filamentosa” e concentrada onde existem galáxias e aglomerados de galáxias, seria necessário que a velocidade fosse suficientemente baixa para que se pudesse ter agrupado desde o início, pelo efeito da sua própria gravidade. Ou seja, as hipóteses apontam para uma matéria escura fria.
Assim, para encontrar as partículas candidatas, devemos ter em conta todas as informações e provas que foram recolhidas no seu estudo:
– A matéria escura interage muito debilmente com a matéria ordinária, apenas observamos a força gravitacional.
– A matéria escura não pode ser feita das mesmas partículas que compõem os átomos da matéria ordinária (ou bariónica): protões, eletrões e neutrões. Isto deve-se aos cálculos da nucleossíntese primitiva serem contraditórios com a radiação de fundo.
– A matéria escura não são partículas carregadas eletricamente e não fazem parte do plasma primitivo.
– A matéria escura é muito estável; se se desintegra será a um ritmo muito lento; num universo primitivo calcula-se que com a mesma densidade do que agora.
– A matéria escura não pode interagir muito consigo mesma.
– A matéria escura tem 27% do conteúdo total do universo.
Assim, quando os físicos teóricos trabalham em possíveis partículas candidatas a matéria escura, escolhem uma destas duas estratégias:
1. Pesquisa de uma partícula que surja dos modelos teóricos que se devem forjar para resolver os enigmas do modelo padrão.
2. Partícula hipotética que satisfaça as condições que saliento no parágrafo seguinte. É uma estratégia imparcial, tentando encurralar as suas propriedades de modo a detetá-la.
Existem dezenas de experiências em todo o mundo com o objetivo de detetar sinais de matéria negra. Existem três tipos de estratégias: deteção direta, deteção indireta e produção de matéria escura.
Os cálculos atuais especificam a densidade da matéria escura numa massa equivalente a 300 protões por litro. Usando esse valor, podemos calcular o número de partículas que existem ao nosso redor, e calculando a velocidade rápida que necessitam para manter o equilíbrio gravitacional (300 km/s), é possível determinar o fluxo de partículas em que estamos imersos, e embora a interação com a matéria ordinária seja muito pequena, se concebermos as experiências adequadas talvez faça sentido ter a esperança de as poder detetar. Uma condição necessária é proteger o detetor de alguma forma; caso contrário, se registariam tantos impactos que seria impossível identificar o que é importante. Para parar os raios cósmicos, uma miríade de partículas que nos chegam do espaço exterior, as experiências são realizadas no subsolo, e com blindagens cujos materiais emitem o mínimo de radioatividade possível. O detetor pode ser um gás nobre como o xénon ou o árgon.
Até agora, as únicas experiências que produziram dados favoráveis são as promovidas pela colaboração DAMA/ LIBRA em Itália (iniciada em 1998), no laboratório Gran Sasso Nacional, a 1400 metros de profundidade. Foram detetadas cintilações que variam periodicamente com a translação anual da Terra quando algumas das chamadas partículas WIMP, impactam nos detetores de iodeto de sódio puro.
WIMP é o acrónimo de Weakly Interacting Massive Particle. Foi cunhado por Gary Steigman e Michael Turner, em 1984. Inicialmente abarcava todas as partículas candidatas a matéria escura, incluindo axiões ou gravitinos, mas evoluiu e hoje refere-se a partículas com uma massa entre 10 a 1000 vezes a de um protão (portanto, ao alcance das experiências do Grande Colisor de Hádrons) e que apresenta apenas interações débeis (uma das quatro interações fundamentais). Os cálculos teóricos indicam que a abundância com que teriam sido produzidos no universo primitivo concordaria com a abundância de matéria negra que se observa.
Pensa-se que esta variação nas deteções mudam em função da Terra estar a favor ou contra a própria rotação da galáxia em relação ao seu centro. As primeiras deteções tiveram lugar em 1996. No entanto, como nenhuma outra experiência parece ter dado resultados positivos, pode dever-se ao facto de não se tratarem de partículas WIMP, mas de outro tipo de partícula oito vezes mais maciça do que o protão.
Desde 2016, que se realiza no Gran Sasso a experiência XENON1T, com 3200 kg de xénon líquido, rodeado de água ultrapura, como blindagem.
Outras tecnologias têm sido utilizadas para deteções diretas, conhecidas como CDMS (Cryogenic Dark Matter Search), EDELWEISS (Experience pour detécter les wimps en site souterrain), XENON100 e LUX. Nas últimas décadas aumentaram a sua sensibilidade sem dados conclusivos, mas marcando pontos de referência para a pesquisa.
Há uma outra linha aberta para detetar a matéria escura de forma indireta e tem a ver com a possibilidade de capturar a aniquilação de pares de partículas de matéria escura no fluxo dos raios gama. A origem foi em 1978 em dois artigos de Physical Review Letters. Este caminho melhorou consideravelmente. Existem vários projetos que confirmam e medem as diferentes propostas: AMS, PAMELA, AMANDA, IceCUBE, ANTARES. Mas nenhum deles apresentou dados definitivos e revolucionários.
A terceira grande estratégia para detetar matéria escura é produzi-la artificialmente, utilizando colisões de elevada energia de partículas comuns para gerar partículas de matéria escura. Este tipo de colisões são as que têm lugar na LCH, o grande colisor de protões instalado no CERN. Os protões colidem em quatro pontos diferentes ao longo do anel de 27 km de circunferência do acelerador. Os quatro pontos de colisão estão rodeados por quatro grandes detetores de partículas: ATLAS, ALICE, CMS e LCHb. Dois deles, ATLAS e CMS, são elementos otimizados para a pesquisa da nova física, muito além do modelo padrão. Ainda não se descobriu nenhum WIMP na LCH, um facto que torna difícil a aceitação das teorias supersimétricas.
A supersimetria surgiu com a hipótese das cordas no final da década de 60, com uma ideia relativamente simples. Propõe que os constituintes essenciais da matéria e da energia não são pontos, mas extensões unidimensionais tipo filamentos ou cabelos finíssimos elásticos chamados cordas. A magnitude destas cordas situa-se, na escala de Planck, à volta de 10-35 metros. O norte-americano Edward Witten propôs um modelo chamado teoria M com onze dimensões que todavia é um quebra-cabeças incompleto.
Um dos requisitos para a coerência da teoria das cordas é a existência de uma nova família de partículas que permite relacionar as propriedades dos fermiões e dos bosões. As abordagens iniciais são de 1971 (Gervasi e Sakita, Golfand e Likhtman). A cada partícula do modelo padrão seria atribuído um parceiro supersimétrico. Aparecem porque modificamos as equações da física de modo a que sejam invariáveis sob certas transformações matemáticas. Permite compreender o facto de que as quatro interações resultem do intercâmbio de partículas mensageiras. As supercompanheiras dos fermiões recebem o nome destes com o prefixo s (selectrão, squark…); as companheiras supersimétricas dos bosões são batizados com o sufixo – ino: fotino, gluino, gravitino…
Um aspeto interessante do modelo padrão é que as partículas mensageiras das interações têm massa zero, exceto os bosões W e Z. Isto deve-se ao “mecanismo Higgs”, cujo bosão foi descoberto em 2012 no CERN (Laboratório Europeu de Partículas). Mas não explica, por si só, por que razão as massas destes bosões não são mais pesadas, como sugere a teoria (são 90 e 100 vezes mais pesadas do que um protão). Este problema chama-se da naturalidade ou da hierarquia. E precisamente este problema sugere a presença de novas partículas como solução do problema.
Algumas das partículas que resultam desta teoria, como o neutrino, poderiam explicar a matéria escura, mas até agora são uma especulação e não puderam ser detetadas em laboratórios nem no universo.
Existem também outras possibilidades investigadas, como os buracos negros primordiais. A ideia é que, logo no final da fase de inflação ou expansão acelerada, se poderiam ter gerado regiões muito densas, as quais poderiam ter colapsado sobre si mesmas para produzir buracos negros com massas pequenas entre 0,01 e 10 000 massas solares. A existir, comportar-se-iam como matéria escura.
Também, os neutrinos estéreis. Conhecemos três tipos de neutrinos, que têm a propriedade de serem “canhotos”. O facto de que oscilem abre a possibilidade a um quarto tipo, que seria “destro”. A importância reside no facto das interações fracas só serem sentidas pelas partículas “canhotas”, pelo que estes neutrinos interagem com a matéria bariónica apenas através da gravidade. Mas a existirem, seriam muito escorregadios, mais do que os neutrinos.
Para além das WIMPs, podemos localizar a matéria escura sob a forma de axiões. Os axiões são partículas muito estáveis, de massa muito pequena (na ordem de 10 000 milhões de vezes mais leve do que os eletrões) e que se produziram copiosamente no universo primitivo. Foram propostos para resolver um problema teórico do modelo padrão relacionado com a estrutura de interações fortes (chamado problema CP, paridade e carga). A propriedade que permitiria detetá-los é que, ao interagir com um campo magnético intenso pode-se transmutar num fotão.
A experiência consiste em converter os axiões em fotões num campo magnético forte e estável. Esta possibilidade foi sugerida anteriormente pela Sikivie em 1983. Em 2003 apresentaram-se resultados que restringem os axiões a uma faixa de massa estreita, 1,9-3,3 microEV.
Hoje em dia, foi construído um detetor de axiões na Universidade de Washington, chamado ADMX (Axion Dark-Matter Experiment). É uma cavidade cilíndrica submetida a um campo magnético muito intenso. Se dentro da cavidade um axião de matéria escura se transmuta num fotão, entra em ressonância como uma nota musical num tubo de um órgão. O sinal é terrivelmente fraco, menos de um bilionésimo de um watt. Para captá-lo não pode haver ruído de fundo; é por isso que a experiência se faz a apenas dois graus acima do zero absoluto. Se a matéria escura for composta por axiões, há uma grande expectativa em detetá-los nos próximos anos.