E entre as operações geométricas, uma das mais chamativas é a denominada inversão. Esta é uma função que estabelece uma relação biunívoca entre os pontos dentro de uma circunferência e os que há fora dela, é uma relação de um conjunto infinito a outro infinito, do aparentemente limitado ao aparentemente ilimitado, o que nos faz recordar os versos de William Blake:
"para ver o mundo num grão de areia, e o céu numa flor Silvestre, abarca o infinito na palma da tua mão e a eternidade numa hora."
Uma função geométrica é definida do seguinte modo:
Diz-se que: P e P’ guardam uma relação de inversão relativamente à circunferência (C) de centro O e raio R quando se cumpre que:
Como vemos na imagem seguinte:
Ou seja, quanto mais se afasta o ponto P da circunferência, mais se aproxima P’ ao centro, o qual nunca chegará visto que para ele o P deveria chegar ao infinito. Pelo contrário, os pontos da circunferência estão associados com eles mesmos. É uma forma geométrica de expressar a unidade como o princípio de uma série 1, 2, 3, 4, 5, 6… Que é a que avança até ao infinito ou a unidade como o continente e início de uma série inversa, 1, ½, 1/3, ¼, 1/5, 1/6, 1/7… e também aqui poderíamos estabelecer uma correspondência biunívoca entre ambas as séries.
Assim verifica-se que toda a reta que passe pelo centro de inversão (O) fica invariante. Uma reta que não passe pelo centro de inversão converte-se numa circunferência que sim passa por ele (embora se formos estritos diríamos que se aproxima nele ao infinito). uma circunferência interna concêntrica a O converte-se noutra externa com o mesmo centro e vice-versa. grande parte da geometria projetiva está baseada nesta função e guarda tantos mistérios que vários artigos aproximariam-nos a diferentes facetas da inversão e das suas alusões filosóficas. Este mesmo processo pode estabelecer-se não apenas no plano mas também espaço, ou nas interações do plano e do espaço (volume). Muitos teoremas podem-se deduzir por meio desta função do modo mais simples, como podemos ver, por exemplo, com o Belo teorema de Ptolomeu.
A primeira imagem associada é o processo de criação do cosmos segundo os diferentes textos sagrados da antiguidade. por exemplo, na teogonia de Hesíodo, primeiro é o caos, o espaço vazio ao primordial em que Eros vai estabelecer o primeiro diâmetro vertical e já o horizontal, gerando a Cruz giratória do cosmos. é a caverna de Platão onde tudo o que vive nela é um reflexo de diálogo mais além, uma sombra projetada. Dentro, as coisas parecem que nascem, vivem e morrem, mas são a simples imagem no espaço e tempo da realidade única. é o Koilon dos ensinamentos teosóficos, em que a vontade divina dilata a sua própria essência e gere uma circunferência, a primeira unidade de matéria, e assim resulta que tudo o que é material é o buraco da plenitude incondicionada que seria o espaço. A circunferência é no entanto a própria lei pois estabelece o nexo entre o condicionado e o incondicionado (o que está dentro e fora do círculo, e nele mesmo não há transformação alguma, a sua sombra projetada é ela mesma. Por isso dizem os antigos ensinamentos que as leis ou os Lipikas formam a circunferência do círculo da manifestação, o “anel não passarás”, pois nada que exista pode sair dele, nem nada que essencialmente seja entrar. É também muito filosófico que as linhas que se cruzem no seu centro permaneçam intactas, invariáveis, embora o centro continue virgem sem ser trespassado nunca por elas, e recorda-nos o ensinamento dos raios espirituais não manifestados e a sua natural continuação, agora dentro do espaço tempo, sem perder a sua verdadeira identidade, embora o puro agora seja “misturado”.
Um modo fácil de estabelecer o ponto de inversão usando a tangente e a perpendicular à recta de união de ambos os pontos (e com a Origem).
Tantas e tantas metáforas que surgem da correspondência entre o que está fora e dentro, entre o macrocosmos (universo) e o microcosmos (homem) sendo a mente a circunferência que estabelece esta relação. O infinitamente grande e o infinitamente pequeno com o homem como medida, e tão semelhantes, como vemos no documentário de “As potências de Dez” (as diretas e as inversas) e que a geometria projetiva da câmara escura, ou do próprio olho evoca, e num espelho côncavo podemos ver refletido o mesmo infinito. Pois como diria Giordano Bruno, o Solus (que é mais que o que pensamos que seja o Sol físico) circunda por dentro e circunda por fora, e nada, na realidade do que pertence como Logos lhe é alheio.
Imagem de capa
Imagem de Kohji Asakawa por Pixabay