Durante uma das atividades do Projeto “Conhece a tua Cidade” promovido pela Nova Acrópole Lisboa e, por isso mesmo, decorrente na cidade de Lisboa, dei por mim a contemplar a paisagem envolvente na qual se incluem, invariavelmente, os azulejos que adornam todo o panorama. Nesta sequência, ia partilhando, de uma forma insistente, com quem me rodeava, a matemática que ali estava presente. Não contente com a pequena partilha feita, a escrita deste texto servirá para a aprofundar os conteúdos matemáticos inerentes à paisagem, bem como para evidenciar o lado estético e artístico da Matemática.
Posto isto, não se pretende que este artigo apresente um carácter muito “pesado” no que diz respeito à notação e conceitos matemáticos, mas sim que seja acessível para todo o leitor que desejar compreender e aprofundar estes conceitos sem se perder em preciosismos que são muito úteis para os investigadores e estudiosos da Matemática, mas de pouca relevância para quem não trabalha com esta ciência numa base diária.
A palavra azulejo denuncia imediatamente a proveniência do mesmo, ou seja, etimologicamente tem derivações árabes da palavra azzelij que significa pequena pedra polida.
Historicamente, acredita-se que a primeira forma de azulejo seja proveniente do Antigo Egito, por volta de 2500 a.C.; contudo será na época do Império Bizantino que esta peça se começa a aproximar daquilo que todos nós hoje conhecemos como sendo um azulejo. A sua chegada a Portugal sucede-se no reinado de D. Manuel I, no ano de 1498, por ocasião de viagens do Rei português a Sevilha (note-se que a presença desta peça em Espanha deve-se à ocupação moura ocorrida na Península Ibérica, por volta de I d.C.) que, fascinado com este objeto ornamental e arquitetónico, importa-o para nação portuguesa, começando pela sua residência, o Palácio Nacional de Sintra. Será na segunda metade século seguinte (XVI) que Portugal começa a produzir azulejos e começa a revestir monumentos com esta peça, atribuindo-lhe um papel fundamental nas suas linhas arquitetónicas sendo, por isso, mais tarde – século XVII – reconhecido como uma das características identitárias do povo português.
Ainda assim, o azulejo só começa a prosperar amplamente em território português aquando do terramoto de 1755, já que até então era utilizado para decorar casas e jardins burgueses ou ainda palácios e igrejas, servindo como marca distintiva das classes sociais com maior poder económico. Então, conjugando a necessidade premente de reconstruir Lisboa após a destruição causada pelo terramoto de 1755 e os poucos recursos económicos existentes para essa mesma reconstrução, os azulejos surgiram como uma solução económica e prática ao problema que se tinha levantado. Nasce, portanto, o azulejo pombalino – alusão a Sebastião de Carvalho e Melo, primeiro Marquês de Pombal, que foi secretário de Estado do reinado de D. José I – que ainda hoje conseguimos observar em muitas fachadas da cidade de Lisboa e que talvez seja a nossa representação mental quando falamos e pensamos acerca de azulejos.
No século XIX e por ocasião das Invasões Francesas, a produção nacional de azulejo sofre uma quebra, no entanto, uma vez que a família real se deslocou para o Brasil, esta arte de azulejaria foi “na bagagem”, o que acabou por potenciar a produção e consequente presença desta peça por terras brasileiras. É, também, por volta desta altura, que o azulejo começa a ganhar maior relevo na zona Norte de Portugal, já que se começava a verificar a sua aplicação em diferentes edifícios, nomeadamente nas respetivas fachadas, fazendo emergir aquele que ficou conhecido como o azulejo de fachada. A produção realizada essencialmente nesta zona do país, começa a diferenciar-se daquela que é observada por exemplo, em Lisboa, por conta do aperfeiçoamento das técnicas de cerâmica, permitindo, a título exemplificativo, que os azulejos ganhassem relevo.
É no final do século XIX e início do século XX que o azulejo começa a ser produzido de forma industrial, facilitando ainda mais o seu acesso à população geral, fazendo com que as obras com um carácter mais autoral ganhassem relevo no seio da corte.
A partir do século XX e até aos dias de hoje, os azulejos percorreram um caminho similar àquilo que é a própria história da arte: modernização dos conceitos e consequente geração de uma multiplicidade de propostas.
Na construção daquilo que foi e continua a ser esta história de azulejaria portuguesa, destacam-se alguns autores/ceramistas, essencialmente a partir do final do século XIX: Rafael Bordalo Pinheiro; Jorge Barradas; Maria Keil; Júlio Resende; Júlio Pomar; Eduardo Nery, entre outros.
Indubitavelmente, esta arte que assumiu também um papel utilitário e arquitetónico, é muito querida ao povo português não só pela sua presença muito evidente em todo o território nacional, mas também pela representatividade que demonstra deste povo, através de uma peça tão singela.
Etimologicamente, isometria resulta da aglutinação de duas palavras: iso e metria. Iso significa igual e metria deriva da palavra grega metron que significa medida. Matematicamente, as isometrias enquadram-se no campo da geometria e, portanto, quando falamos de isometrias (geométricas) estamos a falar de transformações matemáticas que preservam a medida dos comprimentos das figuras envolvidas e dos respetivos ângulos. Veja-se o exemplo abaixo (tabela 1): no lado esquerdo da tabela temos duas imagens isométricas dado que para obter a flor que está “deitada” a partir da flor que está vertical rodou-se a mesma; por outro lado no lado direito da tabela observamos que a segunda imagem não é isométrica da primeira, uma vez que foram alteradas as dimensões desta última, ou seja, a preservação da medida não aconteceu.
Visto que está o conceito de isometria, interessa agora perceber que tipos de transformações podemos fazer de modo que sejam isométricas. Comecemos pelas mais elementares e, perceberemos que as mais sofisticadas resultam de combinações das primeiras.
As translações são isometrias que se caracterizam por efetuar um deslocamento de todos os pontos da figura segundo uma direção, sentido e comprimento1. Corriqueiramente, uma translação é um “arrastar” da figura original de uma posição do espaço para outra.
Exemplo:
Os triângulos 1 e 2 são o mesmo triângulo, a sua numeração é meramente pedagógica: o que se fez quando se aplicou uma translação no triângulo original (o triângulo 1) foi deslocar cada um dos vértices do triângulo segundo o vetor1 representado geometricamente pela seta azul, que é sempre a mesma na figura 3, por este mesmo motivo, quando se efetua uma translação a figura obtida não é rodada nem se alteram as suas dimensões.
São transformações isométricas nas quais a partir de uma reta, que designamos por eixo de simetria, obtemos a figura transformada a partir da original. Este eixo de simetria definido por uma qualquer reta à escolha, caracteriza-se por manter em igual distância o ponto original e o ponto transformado desta dita reta2.
Esta é uma transformação bem conhecida de todos nós já que todos os dias a experimentamos quando nos vemos ao espelho, por exemplo.
Exemplo:
Observando a figura 4, ilustra-se que o ponto 𝐴′ é o resultado da reflexão segundo o eixo 𝑟 do ponto 𝐴 e que o ponto 𝐷′ é o resultado da reflexão segundo o eixo 𝑟 do ponto 𝐷 e, assim sucessivamente para todos os pontos que fazem parte do retângulo original (o retângulo 1). Note-se que, a distância a que o ponto 𝐴 está da reta 𝑟 é a mesma que o ponto 𝐴′ se encontra da dita reta dado que esta reta se trata do eixo de simetria – ver nota 2. Isto sucede com todos os pontos que constituem esta figura. Logo, quando se aplicou uma reflexão no retângulo original (o retângulo 1) aquilo que se fez foi espelhar todos os seus pontos, segundo o eixo de simetria 𝑟, obtendo-se o retângulo 2.
Resulta da composição de uma translação com uma reflexão, ou seja, significa que para obter a figura transformada se aplica à figura original uma translação seguida de uma reflexão ou uma reflexão seguida de uma translação.
Exemplo:
Explicitando o que está na figura 5, comecemos por observar o relâmpago com o número 1: a este relâmpago aplicou-se uma translação segundo o vetor representado pela seta azul, o que faz com que se obtenha o relâmpago identificado com a letra 2. Por fim, aplicou-se uma reflexão segundo o eixo 𝑟 ao relâmpago 2, para se obter o relâmpago 3. Então, diríamos que a figura original é a figura 1 e que a transformada é a figura 3. Num processo já automatizado, indicando de forma clara qual é o vetor a utilizar para a translação e o eixo de simetria para a reflexão, a figura 2 não carece de representação e podia ter-se efetuado primeiramente a reflexão e só depois a translação que o resultado obtido ia ser exatamente o mesmo.
Intuitivamente é um conceito que percebemos dado que a sua designação assim o permite. Então, quando estamos a falar de uma rotação, estamos a referir-nos a uma movimentação que ocorre tendo um centro fixado – um ponto – e uma medida de amplitude de ângulo definida.
Exemplo:
Observando a figura 6, ilustra-se que a cadeira da roda gigante identificada com a letra 𝐵 é o resultado da rotação da cadeira identificada com a letra 𝐴, com centro no ponto 𝐸 – centro da roda gigante – e ângulo com a medida da amplitude de 90°. De forma análoga, Observando a figura 6, ilustra-se que a cadeira da roda gigante identificada com a letra 𝐵 é o resultado da rotação da cadeira identificada com a letra 𝐴, com centro no ponto 𝐸 – centro da roda gigante – e ângulo com a medida da amplitude de 90°. De forma análoga,
percebemos que o ponto 𝐶 resulta da rotação da cadeira identificada com o ponto 𝐴, com centro no ponto 𝐸 e ângulo com medida de amplitude de 240° (= 15° × 16). Para os dois casos aqui explicitados, estamos a considerar que a roda gigante circula no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio e, por essa razão, as medidas das amplitudes dos ângulos apresentam-se com valores positivos. Caso considerássemos o movimento contrário, isto é, no sentido dos ponteiros do relógio, as medidas das amplitudes dos ângulos apareceriam com valores negativos precisamente para assinalar essa mudança no sentido da rotação. Assim, as rotações manteriam a sua origem na cadeira 𝐴 e centro no ponto 𝐸, contudo as medidas das amplitudes dos ângulos passariam a considerar-se −270° (= 15° × 18) e −120° (= 15° × 8), respetivamente.
Compreendidas que estão as isometrias e as suas diferentes categorizações, interessa agora conseguir relacioná-las com o tema em questão – azulejos –, afinal é esse o propósito deste texto. Então, o que se pretende com esta secção é, dentro das múltiplas possibilidades que existem na paisagem lisboeta com azulejos, observar um exemplo onde as todas as isometrias estejam presentes. Logo, os azulejos em análise serão aqueles que contemplem estas transformações geométricas, ficando, por exemplo, os azulejos com personagens ou partes da história inscritos, fora deste conjunto, uma vez que não é possível observar um padrão geométrico.
Exemplo: Travessa da Palmeira, em Lisboa.
Ao passearmos pela Travessa da Palmeira, em Lisboa, temos à disposição muitas e diferentes fachadas de prédios cobertas com azulejos que respeitam as transformações geométricas que estamos a analisar. Uma dessas fachadas é a que se ilustra na figura 7. Por forma a melhor compreendermos as isometrias que aqui estão envolvidas, segue-se o esquema 1, onde se dividiu a imagem em diferentes retângulos. Interessa, ainda, clarificar que existe uma região através da qual são realizadas todas as transformações geométricas para obter a totalidade do os a fachada deste prédio, conseguimos compreender que a célula unitária que lhe dá origem é aquela que está identificada abaixo.
A partir da célula unitária é possível obter toda a figura A. E como? Foquemos a nossa atenção, agora, no esquema 2.
A célula unitária encontra-se na figura com o nome AA, através de uma reflexão de eixo r (reta representada a azul), é possível obter a figura com o nome AB e, fazendo novamente uma reflexão das figuras AA e AB desta vez com o eixo s (reta representada a cor de laranja), obtém-se toda a figura A. Se preferirmos, podemos olhar para esta figura A como o resultado de rotações, isto é, para obter a figura AB a partir da figura AA, realizou-se uma rotação de centro no ponto O e ângulo −90°; para obter a figura AD a partir da figura AA, realizou-se uma rotação de centro no ponto O e ângulo de −180° e, por fim, para obter a figura AC a partir da figura AA, realizou-se uma rotação de centro no ponto O e ângulo de +90°. A escolha das medidas das amplitudes dos ângulos ainda poderia ser outra, caso estivéssemos a optar pelo sentido horário ou anti-horário, como já se explicitou na secção 3.2.4. deste texto. Na verdade, para obter a figura A, podíamos ainda olhar para ela como o produto de rotações e reflexões, ou seja, como uma mistura das duas opções anteriores.
Após obtermos a figura A, podemos obter figura B aplicando, por exemplo, uma translação com sentido, direção e comprimento de A para B (observar a seta – representação do vetor – que se encontra assinalada com a cor roxa no esquema 1). Com uma lógica igual, conseguimos obter a figura C, a partir da figura B. Para obter as figuras D, E e F, podemos realizar uma reflexão, partindo das figuras A, B e C, tendo como eixo t (reta assinalada a azul no esquema 1). As figuras A, B, C, D, E e F são o ponto de partida para aplicar uma nova reflexão, desta vez com eixo u (reta assinalada a verde no esquema 1) e que permitem obter os retângulos J, K, L, G, H e I, respetivamente. Para compreender a totalidade do padrão assinalado com o retângulo amarelo, só falta perceber como podem ser obtidas as figuras M, N e O. Aplicando a A, B e C uma reflexão deslizante de eixo u e, posteriormente realizar uma translação com a direção, sentido e comprimento que parte de A e se desloca até D (vetor assinalado a cor de laranja), obtêm-se as três últimas figuras pretendidas.
Através destes e outros processos completamente análogos, é possível obter toda a fachada do prédio em questão.
Como mencionado na secção anterior, existiria um sem-número de possibilidades para observar a Matemática por detrás de cada fachada lisboeta. Se alargássemos o nosso campo de visão ao manancial de escolhas que Portugal oferece neste âmbito, perceberíamos a riqueza não só paisagística, mas também Matemática que estão envolvidas.
Nunca foi o objetivo deste texto, ser exaustivo e cobrir todos as vastíssimas possibilidades disponíveis, o que aliás seria contraproducente, já para não falar repetitivo e moroso. Pretende-se, isso sim, que este conteúdo sirva como um ponto de partida para que o leitor possa ter uma nova visão de um objeto que é tão comum no cotidiano e que por detrás “esconde” tanta matemática, mostrando que a beleza associada ao objeto também vem da Matemática que se encontra presente no mesmo.
Servindo-nos da ousadia, convidamos os nossos leitores a observarem e a interpretarem a paisagem também desta forma. Quem sabe, num próximo passeio, também o leitor dará por si a ver as transformações geométricas associadas a cada padrão.
Notas:
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