Mais do que Melodia. A Música das Esferas de Boécio

1 Apolo com a sua lira. Creative Commons

No início da “Música das Esferas” deparamo-nos com um relato de um episódio protagonizado por Pitágoras, na Antiga Grécia, que, ao passar por artesãos enquanto trabalhavam, diz-se ter ouvido consonância nos diferentes sons produzidos pelos seus martelos. Através deste evento, ele foi inspirado a estabelecer uma ligação entre vibração, frequências e tom.

Para Pitágoras, a razão da oitava de 1:2 é considerada um símbolo de harmonia divina entre os níveis inferiores e superiores e defendia seria possível compreender a estrutura do mundo através das proporções dos intervalos de quarta e quinta (3:4 e 2:3).

Na sua obra, Boécio, um Filósofo Romano que viveu 480-524 AD, durante a época da dissolução do Império Romano, estrutura uma visão dos cosmos que descreve uma forma de compreender a música, começando pelos instrumentos musicais humanos mais simples, crescendo até uma conceção de ordem e harmonia divina universal.

Música do Mundo; a inaudível Música das Esferas / Harmonia Celestial

Música Humana; a Música do Corpo Humano, Alma e Harmonia Espiritual

Música Instrumental; a Música dos Instrumentos

“A Música está relacionada não apenas com a especulação, mas também com moralidade, já que nada é mais consistente na natureza humana do que ser acalmada com modos doces ou perturbada pelos seus opostos. Assim podemos começar a entender a doutrina pertinente de Platão, que sustenta que todo o Universo está unido pela concórdia musical.” – Boécio.

Como os humanos sempre olharam para os céus, eles entenderam que a vida a um nível fundamental revolve em torno dos movimentos das esferas celestiais. As estações do ano trazem colheitas, as marés ditam vela, o nascer e pôr-do-sol ditam as horas de trabalho diário. Estes movimentos intrincados dos planetas e ritmos sazonais dão origem a uma diversidade harmoniosa. Boécio também considerou impossível que as esferas não produzissem som; talvez esta Musica Mundana possa ser demasiado barulhenta para ouvirmos ou, uma vez que a ouvimos desde que nascemos, talvez não sejamos capazes de distingui-la do silêncio.

Boécio também descreve um tipo de música ao nível do Ser Humano, Musica Humana relacionada com o Humano, que pode ser entendida como a harmonia entre as nossas diferentes componentes (corpo, alma & espírito). Durante o Renascimento, o grande polímata Marsílio Ficino desenvolveu um tipo de terapia musical que trabalhava com estados psicológicos humanos. Também o filósofo Neoplatónico Plotino descreveu uma relação entre a psique (pensamentos humanos e emoções) e a música, acrescentando que cada esfera planetária se afina para um aspeto diferente da psique humana.

“A música faz parte de nós e ou enobrece ou degrada o nosso comportamento”- Boécio Musica Instrumentalis é a música dos instrumentos, com a qual nos familiarizamos. Representa uma reflexão, uma expressão tangível e audível da harmonia divina.

Piano. Pixabay

“Uma canção quase não é mais do que espírito” – Boécio

Boécio mostra a música como uma expressão integral e um meio para entender as coisas invisíveis. A música liga-nos a este entendimento a um nível sensorial, mas também está dentro de nós e a sua presença indica uma compreensão interior latente e a unificação com a harmonia divina e a lei universal.

Se a matemática é a linguagem de todas as coisas, então a música pode ser a voz; às vezes uma bela voz cantando, às vezes uma voz interior e às vezes a voz de um poder superior.

Publicado em New Acropolis Library em 27 de Agosto de 2017

Link:   https://library.acropolis.org/more-than-melody-boethius-music-of-the-spheres/

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