Matemática e Filosofia

A palavra filosofia está composta das palavras gregas φίλος (philos), que gosta, que ama e σοφία (sophia), sabedoria, ciência, conhecimento. Através das etimologias destas palavras podemos captar uma relação muito estreita entre estas duas disciplinas. No entanto, esta relação pode ser captada de várias outras formas.
1 Estatua de Platón en la Academia de Atenas. Creative Commons

“Aqui não entra quem não souber geometria” (Ἀγεωμέτρητος μηδείς εἰσίτω)

Academia fundada por Platão no séc. IV A.C.

A palavra matemática procede do latim mathematĭca e esta do grego [τὰ] μαθηματικά [tà] mathēmatiká, derivada de μάθημα máthēma, “conhecimento”. 

Dicionário da Real Academia Espanhola

A palavra filosofia procede do latim philosophĭa, e esta do grego φιλοσοφία philosophía.

Dicionário da Real Academia Espanhola

Matemática e ordem estão intrinsecamente relacionadas, são inseparáveis. Poder-se-á dizer que a matemática mostra ou é a plasmação da ordem na natureza. A ordem é fundamental para o desenvolvimento de qualquer processo, sendo necessária em todos os planos da expressão do ser.

Por acaso a filosofia pode existir sem ordem? Evidentemente que não. A filosofia introduz ordem no pensamento e, consequentemente, em todos os planos que dele dependem.

A busca do conhecimento produz ordem. Que é o conhecimento senão a captação da ordem que existe no homem, na natureza e no cosmos. A captação dessa ordem permite-nos o discernimento, distinguir o verdadeiro do falso, o importante do acessório. Permite-nos a aproximação à sabedoria conhecimento supremo.

Qualquer desenvolvimento matemático baseia-se na plasmação dessa ordem, da lógica, das leis mentais e físicas. A filosofia dá a cada coisa o seu valor. A resposta às suas eternas perguntas: quem sou?, de onde venho?, aonde vou? baseia-se num processo de investigação, num processo que poderemos chamar matemático, ou será que a mente não tem as suas leis? Um pensamento ordenado é aquele que as pode descobrir e penetrar, ao mesmo tempo que as vai plasmando.

O amor, um “poder” universal representado na sua chave mais elevada por Eros o Maior, está relacionado com a filosofia como amor à sabedoria, mas o que tem a ver com a matemática?

Em O Banquete, Platão coloca as relações da Filosofia com o Amor. Coloca, simbolicamente, Eros junto à Filosofia dizendo que o Amor é um buscar o que não se tem, o que falta, e fá-lo principalmente através da Beleza. Pelo Belo se chega ao Verdadeiro, e aqui encontramos outro paralelismo entre filosofia e matemática nessa busca do verdadeiro.

O amor é tudo aquilo que une, que constrói através da beleza e da verdade, através de leis matemáticas. Todo o cosmos e todos os seres estão regidos por estas leis.

Nas duas primeiras frases do Timeu, diz Platão:

Sócrates: Um, dois, três, onde está agora, querido Timeu, o quarto dos que ontem eram meus convidados e agora são anfitriões?

Timeu: Ficou adoentado, Sócrates, pois não perderia a oportunidade de vir a este encontro com bom grado.

Aparentemente está a falar de quatro pessoas. Porém, estes parágrafos resumem toda a doutrina pitagórica da tetraktys. Quando aparece o número quatro, aparece o mundo material com os seus quatro Elementos, e o quatro evoca a Década pois implica o três, o dois e o um, que somam dez (soma pitagórica). Este processo descreve a formação de todo o universo em forma numérica.

Segundo os Pitagóricos, então, a estrutura do universo está baseada em relações matemáticas e a ordem dos seus elementos é similar à ordem dos números. Os números e as proporções matemáticas manifestam-se na sua estrutura. A harmonia é inerente à natureza, à música que nela existe, à matemática que nela se expressa, à filosofia que nela vive.

Numa perspectiva global, a harmonia é o equilíbrio das proporções entre as diferentes partes de um todo, e o seu resultado é sempre belo. Falar de proporções e equilíbrio é falar de matemáticas e é falar de filosofia.

Grupo de pitagóricos celebrando o nascer do Sol, Fyodor Bronnikov. Domínio Público

Diz-se que a principal actividade de Pitágoras e sua Escola era religiosa. No entanto, a actividade religiosa não tem de excluir forçosamente a actividade matemática. Na nossa sociedade, uma coisa nada tem a ver com a outra, mas não podemos esquecer que na antiguidade a religião banhava completamente a vida das pessoas. Entre os pitagóricos existiam, além das Matemáticas Sagradas, tal como no Egipto, matemáticas do ponto de vista religioso e mistérico.

Na Escola Pitagórica haviam dois tipos de discípulos: os acusmáticos e os matemáticos, segundo o seu nível. Os acusmáticos eram os “pré-discípulos” (tinham de esperar cinco anos de silêncio para aprender a ouvir-se a si mesmos e ao entorno que os rodeava) e os matemáticos eram os “discípulos”. Esta forma de proceder assimila matemática e filosofia num conceito muito mais amplo daquele que nós temos destas disciplinas.

Proclo afirma que as matemáticas foram inventadas pelos Pitagóricos para “criar uma reminiscência das preocupações divinas à qual, através destas imagens, se esforçam por chegar”. A filosofia pitagórica reveste os ensinamentos teológicos com símbolos matemáticos e transmite-os usando uma linguagem científica e abstracta.

Na expressão pitagórica “Aqueles que sabem calcular naturalmente e sem dificuldades estão dotados de uma inteligência capaz de fazer rápidos progressos em todas as artes”, se consideramos que o viver também é uma arte, torna-se a realçar a estreita união entre matemática e filosofia.

No Egipto encontramos dois deuses relacionados com as matemáticas e a filosofia: o deus Thot e a deusa Seshat.

Os textos hieroglíficos descrevem Thot como o Senhor da Inteligência e da Razão, patrono de escribas e matemáticos, Deus da Sabedoria e dador dos Números Sagrados ao ser humano.

Thot. Domínio público

As principais tarefas atribuídas no Egipto à deusa Seshat eram escrever, calcular, registar e medir. Regia a geometria e escrevia sobre as folhas da Árvore Cósmica os acontecimentos do futuro, registando também os acontecimentos do passado. Junto com Thot é considerada patrona dos escribas. Por isso é a Senhora da Casa da Vida cujo objectivo era a formação integral do ser humano. Aí se encontravam os textos sagrados.

Seshat. Creative Commons

Podemos observar, novamente, através destas duas divindades a estreita relação existente entre matemática e filosofia, entre números, formas geométricas e ideias ou pensamento. Encontramos também esta relação nos Vedas, os hinos sagrados da Índia.

No mundo ocidental, a matemática associa-se inevitavelmente com o nome de Pitágoras e seus continuadores. Não obstante, depois do desaparecimento das escolas pitagórico-platónicas (incluindo o hermetismo e o gnosticismo), o aspecto sagrado do número ainda continuava entre personagens como Luca Paccioli, Paracelso, Nicolau de Cusa, Giordano Bruno, Marcilio Ficino, Leonardo da Vinci, Johannes Kepler, Isaac Newton, etc. No entanto, hoje em dia, o carácter sagrado desta disciplina, salvo honrosas excepções, praticamente perdeu-se no meio de um materialismo que apenas valoriza os fenómenos físicos ou energéticos.

Dispomos de elaboradas teorias que explicam macrocosmos e o microcosmos, embora às vezes não se ponham de acordo, pois aparentemente as leis que se podem aplicar a um não se podem aplicar a outro. No entanto há algo em comum a todas as ciências actuais e é o uso das matemáticas para a explicação do universo que nos rodeia e inclusive do próprio homem (objectivo partilhado com a filosofia). Não existe nenhum processo, interno ou externo, onde não intervenham os números.

Em resumo, a matemática constitui uma expressão do pensamento divino, da sabedoria, tal como a filosofia, duas disciplinas irmãs que se complementam sem oposição.


Bibliografia 

O Timeu, Platão

Glossário Teosófico, H. P. Blavatsky

Seshat. A senhora da Escrita, José Antunes

Isis sem Véu, H. P. Blavatsky

 Manual de Religiões Comparadas, Nova Acrópole

Matemática Sagrada nas Civilizações Clássicas, Franco P. Soffietti

Manual de História da Filosofia Antiga, Nova Acrópole

Textos Pitagóricos, Rubens Merino

A Doutrina de Pitágoras, Nadiia Kulhava e Anton Musulin

 Wikipédia

Imagem de capa:

Estátua de Platão na actual Academia de Atenas. Creative Commons

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