O Coração na Geometria Euclidiana

O coração é a matriz de todas as forças vivas existentes no nosso Universo Solar. Helena Blavatsky, in Doutrina Secreta, vol. I
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Euclides foi um matemático que viveu no século III a. C., destacando-se pela autoria da obra os Elementos de Geometria de Euclides, considerado o livro mais antigo de matemática, cujos conteúdos de geometria no plano, continuam a ser frequentemente utilizados, nos nossos dias. Muitos dos teoremas que nele se encontram, não foram descobertos por Euclides, porém, esta laboriosa obra que agrega uma sistematização própria, de princípios matemáticos desenvolvidos por Pitágoras (séc. VI a. C.) e a sua Escola, Hipócrates de Quio (séc. V a. C.), Teeteto de Atenas (séc. V-IV a. C.) e Eudoxo de Cnido (séc. IV a. C.). A versão mais comummente aceite pela comunidade científica, baseia-se na versão em língua grega, de J. L. Heiberg (1883-1885), com uma tradução para o inglês moderno, de Richard Fitzpatrick, da Universidade de Texas, numa edição de 2007, revista e corrigida em 2008, com 545 páginas. Esta obra está composta com treze livros, onde destacamos o Livro Primeiro sobre os Fundamentos da Geometria Plana Envolvendo Linhas Retas, que explana diversas relações geométricas através de 48 proposições.

Pretendemos desenvolver um conjunto de reflexões em torno da 47ª proposição de Euclides, que consta da configuração geométrica do conhecido teorema de Pitágoras, analisada através da representação de um triângulo retângulo isósceles (do grego isoskéles, que significa duas pernas iguais). Nesta análise não interessam tanto as fórmulas matemáticas, apesar de nos ajudarem na argumentação, importando por isso, sublinhar a relação dos três quadrados que são gerados a partir daquele triângulo. Começamos por representar um sistema de eixos cartesianos (designação relativa ao filósofo e matemático Descartes, do século XVII), este elemento que nos confere uma harmonia referencial, e a partir deste, traçamos os elementos geométricos relativos ao teorema de Pitágoras. Sabemos que este teorema é valido para qualquer triângulo retângulo, mas no âmbito do nosso estudo, necessitamos de um caso particular, no sentido de obtermos dois quadrados iguais, para cada um dos catetos. A famosa cantilena com cerca de 2500 anos, que todos aprendemos na escola, e aplicada a triângulos retângulos, que nos diz que a soma do quadrado dos catetos [do grego káthetos, que significa baixado ou perpendicular] é igual ao quadrado da hipotenusa [do grego hupoteínousa, relativo ao lado oposto ao ângulo reto], aparece sempre representada pela fórmula:

a2 + b2 = c2 (1)

que não é mais do que a transformação desse triângulo, em três quadrados (a, b e c são os lados dos quadrados), cuja área individual é igual ao lado vezes o lado, ou seja, o lado ao quadrado, sendo que a soma das áreas de dois quadrados é igual à área de um terceiro, com lado igual à hipotenusa. De facto, este é o anunciado geométrico que sustenta a 47ª proposição de Euclides (Fig. 1), com o caso particular atrás mencionado. Quando olhamos a representação geométrica, do teorema de Pitágoras, o que sobressai são de facto os três quadrados gerados por um triângulo retângulo. Estamos perante as duas figuras geométricas simbolizadas na natureza septenária do ser humano: o quadrado (físico, vital, astral e emocional) e o triângulo (manas, budhi e atman). Porém, a mais interessante revelação desta proposição euclidiana, que não se vislumbra, com regularidade, nas fontes matemáticas contemporâneas, ocorre quando traçamos uma linha que une os pontos IA e HA, no quadrado relativo à hipotenusa, outra linha que une os pontos CE e FD, em cada um dos quadrados referentes aos catetos. Esta construção geométrica revela-nos então, a forma de um coração arestado (do latim aristatus, que tem espigas ou arestas), perfeitamente distribuído dentro do triângulo, devido ao facto dos quadrados dos catetos serem iguais e neste caso, a fórmula (1) aparece com uma configuração mais simplificada:

Figura 1 – A 47ª Proposição de Euclides (catetos iguais)

Há um coração que pulsa dentro do triângulo, esta figura geométrica sagrada que está presente na pirâmide e no obelisco, utilizada como símbolo religioso no Extremo Oriente, muito antes de Pitágoras o ter proclamado como a primeira das figuras geométricas, bem como a mais misteriosa. A revelação da geometria inerente à 47ª Proposição de Euclides, incita-nos a buscar incessantemente o coração secreto ou o selo da verdade, onde tantas outras geometrias serão reveladas na Doutrina do Coração, presente na Voz do Silêncio. Nas fontes da Filosofia esotérica, da Teosofia, da Cabala e do Ocultismo, não vislumbramos esta relação com a representação do coração arestado. Porém, esta simbologia faz pleno sentido com as expressões do Microcosmos, do Homem Celestial, do Ego ou do Manas Superior, todas elas identificadas na Doutrina do Coração.

Sendo o triângulo um símbolo do mistério trinitário, estava também representado nas asas de Íbis, a ave sagrada do deus Toth, que simboliza a sabedoria, o conhecimento, inventor dos hieróglifos, da escrita, dos números e da geometria. Esta relação sagrada entre uma figura geométrica e um órgão fisiológico, que se esconde dentro do triângulo, o coração sagrado que simboliza a compaixão, a fé e o amor, com uma expressão tão vinculada em Hórus do Antigo Egito, em Bel da Babilónia e em Jesus e Virgem Maria. De acordo com algumas fontes, está representado no Anahata Chakram, o assento ou a roda da vida. Segundo a sabedoria antiga, o símbolo do coração sagrado era a pérsea, mais conhecida por pera abacate, uma vez que tem semelhanças com a forma do coração, especialmente o seu caroço. É por vezes visto na cabeça de Ísis, a mãe de Hórus, estando o fruto cortado e a amêndoa, semelhante a um coração, exposto à vista de todos.

Esta representação do coração arestado (com um perfil angular diferente do euclidiano) está também presente no pentagrama ou pentalfa (Fig. 2), o triângulo triplo que gera a estrela de cinco ponta, e que simboliza para os pitagóricos, neoplatónicos e gnósticos, a perfeição e a natureza. Se considerarmos o traçado a azul, e visualizarmos a sua rotação como se fosse um ponteiro do relógio, concluímos que existem cinco corações arestados, tocando em cada um dos vértices do pentágono central, apontando para direções diferentes. Na simbologia oculta, é um sinal carregado de misticismo, conhecido por Makaram ou Panchakaram que representa os cinco membros ou extremidades do ser humano, que teria inspirado a imagem do Homem Vitruviano. O Pentalfa recebeu este nome porque reproduz a letra grega Alfa nas suas cinco posições diferentes, assemelhando-se graficamente, ao coração arestado, cujo número é decomposto pelos dois primeiros números primos, o 2 e o 3, ele próprio, o terceiro número primo.

Figura 2 – O Pentalfa ou Pentagrama

O coração arestado pode ainda ser visualizado no octograma (Fig. 3), composto por oito triângulos, ou vértices, que são gerados pela rotação, de 45 graus, de um quadrado em relação a outro, inicialmente justapostos, segundo um eixo central ortogonal ao plano. Tal como na representação geométrica da 47ª Proposição de Euclides, onde o triângulo gera três quadrados, mas agora são os dois quadrados a gerarem oito triângulos isósceles, o que vem reforçar ainda mais, esta relação tão estreita entre estas duas figuras geométricas sagradas.

Figura 3 – O Octograma

Como resultado desta rotação dos dois quadrados, podemos constatar o traçado de quatro corações arestados convergentes, coincidentes com o emblema da cruz dos Cavaleiros de Malta (Fig. 4). Esta ordem militar tem raízes ancestrais, na expedição de 15 de julho de 1099, que restaurou a Santa Casa de Jerusalém, cuja distinta ordem se chamou do Hospital, de S. João Baptista de Jerusalém, de Acre, depois de Rhodes e ultimamente de Malta. Esta cruz que alguns pretendiam assemelhar com a cruz dos Templários, apresenta as suas diferenças, uma vez que a de Malta no fim de cada parte da cruz, corta para dentro em ângulos agudos, e a dos Templários em semicírculos. As fontes das ordens militares, e particularmente as de Malta, não referem esta relação geométrica com os corações arestados, mas sem dúvida que a sua configuração é praticamente semelhante ao coração euclidiano, diferindo apenas no seu perfil angular.

Figura 4 – Nobre Cavaleiro da Ordem de Malta
(Cortesia da Pousada da Raínha Santa Isabel, Castelo de Estremoz)

Então, o octograma vem-nos revelar a existência de quatro corações arestados, convergentes no ponto de interseção das diagonais dos dois quadrados, como que simbolizando, a harmonia dos corações, a união dos valores espirituais mais nobres e transcendentes. Por isso, estes oito triângulos expressam os deveres e a conduta dos nobres cavaleiros, os quais se resumem à busca da verdade, à vivência na fé, à humildade como princípio, à consciência do arrependimento, ao amor pela justiça, à valorização e prática da indulgência, à honestidade incondicional e à resignação perante Deus.

A construção geométrica do coração arestado, revelado pela 47ª Proposição de Euclides, fundamenta de certa forma, a elevada riqueza simbólica e espiritual, do triângulo e do quadrado, apesar destas relações não aparecerem referidas nas fontes. Sendo a geometria e os números uma linguagem divina, que nos vai sendo revelada, à medida que discernimos e merecemos o Caminho, isso não nos faz sentir as dimensões de tantas geometrias secretas que serão desveladas, mas confere-nos a esperança, na luz da sua beleza divina.


Fontes:

-BLAVATSKY, Helena Petrovna (1980). Doutrina Secreta (Vol. I). São Paulo: Pensamento.

-BLAVATSKY, Helena Petrovna (1892). The Theosophical Glossary. London: The Theosophical Publishing Society.

-BLAVATSKY, Helena Petrovna (2023), A Voz do Silêncio, 2ªedição, Lisboa: Nova Acrópole.

-FITZPATRICK, Richard (2007), Elementos da Geometria de Euclides, Austin: Universidade de Texas.

-FIGUEIREDO, José Anastácio de (1800), Nova História da Militar Ordem de Malta, Lisboa: Officina de Simão Thaddeo Ferreira.

Imagem de capa

Foto de Marek Piwnicki na Unsplash

Imagem de Alexa em Pixabay

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