Estou certo de que o amável leitor ficará intrigado com o título e o subtítulo deste artigo: “Ocultismo no comum Jogo do Ganso?… Isto é o cúmulo da imaginação!”, exclamarão muitos.
Porém, antes de qualquer consideração, recordemos em que consiste este jogo encantador que nos parece hoje tão frívolo como os jogos La Aduana e o conhecido Lotería (Jogo do Loto).
O Jogo do Ganso joga-se numa grande cartolina ou tabuleiro sobre a qual se desenha uma espiral larga de pouco mais de duas voltas, dividida em 7 x 9, ou seja, 63 casas numeradas nas quais surgem 14 ou duas vezes sete cisnes ou gansos, distanciados entre si, 5 e 4 casas, alternadamente. Deste modo, um cisne corresponde a cada uma das seguintes casas: 5, 9, 14, 18, 23, 27, 32, 36, 41, 45, 50, 54, 59 e 63 ou, em outras palavras, podemos considerar a espiral dividida em sete fragmentos, cada um com nove casas, no final das quais se encontra sempre um cisne. No meio de cada um destes fragmentos encontra-se outro cisne, distanciado do anterior 5 casas e 4 casas do seguinte. Portanto, são sete casas sem cisne em cada fragmento: quatro antes e três depois do cisne a que podemos chamar de intermédio. Para além disso, os números das casas com um cisne ou um ganso, são tantos quanto a soma dos seus algarismos dando alternadamente 5 e 9, excepto a penúltima casa, composta precisamente por 5 e 9, correspondente ao número 59.
À entrada, ou seja, na casa correspondente ao zero, habitualmente desenha-se uma cena simbólica em que o jogador surge a lançar os dados com um necromante e por baixo a típica exclamação “63, eu ganhei !“. O jogador ou jogadores utilizam no jogo dois dados clássicos ou cubos de um a seis pontos, no total de um a doze pontos, contados em ambos os dados lançados…
Para além dos cisnes, existem outras figuras, não menos simbólicas, em diferentes locais do percurso. Assim, neste percurso, aparece uma ponte e o jogador que no início, lançar o dado, e tirar 6 pontos, paga e passa a ponte em direcção à casa 12, onde há outra ponte. Na casa número 19, há uma estalagem ou pousada, e quem nela cai, para além de pagar, deve abster-se de lançar os dados durante duas jogadas consecutivas dos outros jogadores. No número 31 (treze, lido ao contrário, à maneira das línguas semíticas) há um poço, e quem nele cai paga e não pode jogar mais até que o jogo termine para um dos outros jogadores, com a chegada à casa 63, que é a meta, e até que caia nela outro jogador que o pode eliminar. Na casa número 42 encontra-se o labirinto, e quem nela cair tem de recomeçar ou, noutras variantes do jogo, tem de voltar à casa número 30, onde normalmente está pintada uma bela mulher com um ramo de flores. Na casa número 52, há uma torre ou masmorra, e quem nela cair paga e não joga três vezes seguidas. A casa número 58 (que com a soma dos seus algarismos dá resultado de 13) é a casa ou mansão da morte, e o jogador que nela cai tem de começar de novo (reencarnar, por assim dizer). Na casa número 62, há um pastor com uma flauta e, finalmente, na casa com número 63 há um grande pórtico, complementado por um elegante par de cisnes brancos, ou então, por um jardim encantador chamado “o paraíso” ou “o jardim do ganso”. É precisamente aí que se tem de chegar para ganhar o jogo, um percurso muito fácil, com obstáculos no caminho. Quando se chega às últimas casas, e se obtêm mais pontos do que os necessários para terminar, recua-se desde as portas do número 63, em virtude de que, estas coisas divinas e humanas, a que se chamam triunfos ou sucessos, exigem, sem dúvida uma justiça matemática absoluta, com a qual tanto peca o excesso como o defeito.
Por último, considerando a sucessão de cisnes, a meta alcançar-se-ia numa só jogada logo no inicio, desde que se tirasse no primeiro lançamento de dados 5 mais 4 ou 6 mais 3 (ou num total de 9) pontos. O jogador a quem tal suceda, passa primeiro para a casa número 26 e depois para a casa número 53 (cujos algarismos somam 8 em vez de 9). Em algumas regras de jogo, o jogador que é ultrapassado por outro, passa a ocupar a posição anterior à sua jogada.
Estes são os elementos do jogo com que as crianças graciosamente se despojam de botões, feijões e outras insignificâncias mas, o jogo em si, é de fazer meditar profundamente o mais frívolo dos homens maduros.
De facto, tudo parece disposto nele para nos dar um símbolo augusto do caminho estreito que nos altos cumes da luz do conhecimento, da felicidade e da libertação, em espirais cada vez mais estreitas e íngremes, representa aquele longuíssimo caminho de quedas e dores, tão plenamente representado na descrição bíblica de Jesus subindo, com a cruz às costas, ao cume do Calvário, num percurso que foi intensamente expresso em linguagem musical, por Wagner nas sonoridades do seu Parsifal, obra que na mente do autor devia intitular-se algo como as angústias de Buda e os seus esforços para a última das libertações, como nos indica Schurd e outros biógrafos.
Nem no Caminho da devoção, nem no estudo, nem no esforço titânico, jamais se está seguro enquanto não for alcançado o objetivo do Uno e da perfeição, do nove vezes sete ou sete vezes nove ou 63, que é a consumação externa e interna dos ciclos do nosso progresso em cada reino. Justamente, se ao iniciar desejamos alcançar algo muito excelso, como um nove que, voando de cisne em cisne, nos levaria de um só golpe à meta, devemos contentar-nos com um oito, um número também elevado nas suas formas de 26 e 53, mas nunca completo nem definitivo, não sendo nunca indiferente como tentamos alcançar o grandioso número oculto, a chave do mistério. Se os nossos dados tirarem o número 6 num e o 3 no outro, ficamos com o número 26, muito mais baixo, portanto, o que poderíamos dizer das rosas-cruzes, ou seja, daqueles que iniciam o seu caminho com um dado que marca 5, é que a rosa é pentalfa e simboliza a mente, o conhecimento, e que por outro dado que, ao tirar o 4, nos sujeita ao mistério da cruz, que é o mistério da limitação, da dor, do sexo e da morte. Essas rosas-cruzes podem, num só salto, aproximar-se grandemente da meta, com número 53 em vez do número 63, para além do abismo negro do fosso ou número 31 e dos injustiças do labirinto ou número 42, e, finalmente, da triste prisão do número 52, que está mesmo ao lado. Infelizmente, ainda estão sob a morte, ou seja, sujeito ao domínio dos Pitris mortais, não dos Deuses imortais, como diria nas Estâncias de Dzyan. Aqueles que, no início, não estão destinados a percorrer estas paragens, estão expostos a todas essas contingências. Eles são os benjamins do Caminho.
Mas, estes benjamins, com o seu esforço, podem impor-se aqueles felizes mortais. Assim, se tirarem o número seis, atravessam a ponte para o número doze. Se, ao contarem as casas de cada lançamento, caírem num cisne, voam, ou deslocam-se para longe, favorecidos, como diz a frase, pelas possibilidades evolutivas cíclicas desse momento de desenvolvimento. Por isso, não é invulgar no jogo do ganso, nem no jogo da vida, que a rosa-cruz do número 53 caia logo na primeiro jogada, na morte, ou 58, e tenha de recomeçar, reencarnado como o último dos jogadores mortais, enquanto outro jogador, menos afortunado no início, terá que subir passo a passo até ao cume, como nos diz a canção popular:
Que ninguém cante vitória
enquanto estiver no estribo,
que muitos que vão no estribo
são muitas vezes deixados de pé
Sim, há no Caminho estalagens ou deleitosas mansões que são Cápuas, para os nossos esforços de Aníbal, “Terras de verão “ (Summerland) para os nossos anseios em direção aos Campos Elísios ou Jardins de Gansos do Paraíso, cantados por todas as religiões. E, para além da Cápua ou Mansão da Negligência e dos Deveres não Cumpridos, está o abismo ou poço da Magia Negra, de onde nem no jogo do Ganso nem na Vida sairemos deste ciclo, enquanto alguém, com o seu sacrifício, não nos tirar de lá. E depois, há também labirintos para a nossa razão pura, nos quais tendemos a perder-nos de tal forma que temos de voltar muito atrás, até recomeçar, para nos libertarmos da sua Maya enganadora. E mais além, está a prisão das dúvidas e também a pirâmide iniciática, da qual saímos penosamente, a caminho ou da morte ou da apoteose final e redentora.
Observem uma, das muitas gravuras das torres babilónicas, entre as quais a lendária torre de Babel, e notarão também a mesma espiral ascendente que, no plano, representa a casa do Ganso. Lembrem-se, por outro lado, da passagem de Gernardt no seu “Deuses da Grécia e de Roma “, relativa aos 6 cisnes ou corvos que Remo viu, e aos 12 que Rómulo avistou, que são as doze, ou melhor, as catorze hierarquias criadoras; (1) os 14 gansos do nosso jogo. Digam-me se em tudo isto não se escondem analogias portentosas, complementadas com a analogia da ponte, que dos 6 nos permite passar aos 12, graças ao trabalho dos Iniciados, os Construtores de Pontes ou Pontífices. . Se algo vos resta a saber sobre os cisnes ou gansos, e das suas origens ou “Ovo do Cosmos”, lede as belas secções (V e VI, parte II do T. I. de A Doutrina Secreta), onde podereis captar as infinitas analogias que as aves do nosso jogo têm com o “Cavalheiro do Cisne”, o divino Lohengrin, que é a Fênix Salvadora do Mundo, e com todos os Grandes Seres que nos guiam e impulsionam na evolução, quando nós, por nosso nobre esforço, sabemos colocar-nos sobre ou sob as suas asas protetoras.
A disposição surpreendente das casas do conhecido jogo do ganso, é pitagórica e cabalística. Os números 7 e 9 constituem os seus elementos fundamentais. Já vimos que os gansos se encontram localizados em sete fragmentos do percurso, nove em nove números, e cada fragmento se divide em dois outros fragmentos, respectivamente de cinco e quatro casas, por cada ganso. Mas, acontece que os números 7 e 9 estão intimamente ligados entre si no ocultismo como já referimos no nosso artigo “O número 7 e os positivistas” (Sophia, p. 219 ano 1909), comentando outros de Flammarion e do general Parmentier. Dele copiamos: “O número 7 é célebre desde a mais remota antiguidade. Se reduzirmos a fracção 1/7 em uma fração decimal, obtemos a fração periódica ou decimal cíclica:
1/7 = 0,142857, 142857, 142857 ……
E, se multiplicarmos sucessivamente pelos primeiros números cada um destes períodos, teremos:
142857 x 1 = 142857
x 2=285714
x3=428571
x4=571428
x5=714285
x6=857142
x7=999999
Dir-se-ia que o número 7 é absolutamente oposto ao número 9, mas não é. O número 9 está em todas as partes, mas escondido, e só é revelado na última linha horizontal totalmente composta por noves (2).
Neste jogo, o sete aparece de forma singular em cada um dos fragmentos, e de nove em nove números. Cada um destes nove números ou casas reduzem-se a sete, entre cada ganso, e graças ao ganso intermédio dos respectivas fragmentos. Além de se reduzirem a sete, dividem-se em grupos de quatro e três: o quaternário inferior e a tríade superior de cada um, por assim dizer. O seis, por outro lado, como número vazio ou número da besta, aparece sempre com figuras adequadas ao seu simbolismo, como a ponte na casa 6, a embriaguez na casa 33, o labirinto na casa 42, o dado na casa 53, etc.
Sobre os dados que se utilizam no joga do ganso, também se poderia escrever um longo texto. Estes, como cubos, são como os famosos de Baco ou Criador, sempre a comporem-se e a decomporem-se. Aparecem também na crucificação, nas mãos dos soldados que dividiram e distribuíam as roupas do Justo, E, não menos importante, são os terríveis dados que no mito espanhol de Blanca Flor foram a ruína e depois a salvação daquele Príncipe que simboliza todos os esforços da alma em busca da sua divina Egeria . Matéria tão conhecida, contundo deixamos à intuição dos nossos leitores teósofos.
Estes, tendo sangue ibero-americano, não cumprirão os seus deveres para com a sua raça se não se esforçarem por continuar a brilhante tradição folclórica ou semi-oculta, embora inconscientemente, tão nobremente mantida por homens como Costa e Estanislao Sánchez Calvo. O jogo do ganso não é o único jogo ocultista, como teremos oportunidade de demonstrar mais tarde, porque nas nossas canções infantis, nas nossas danças regionais, e em tudo o que, em suma, constitui o nosso tesouro popular, herdado de uma centena de raças/povos das quatro partes do mundo, o dedo do ocultismo está indelevelmente marcado.
Imagem de capa
Juego de la Oca. Wikimedia commons