Contudo, raramente necessitamos de mais de 10 dígitos para resolver qualquer problema de Física ou Matemática. Na verdade, para os cálculos básicos, usa-se 3,1416 ou apenas 3,14.
Relativamente ao número em si, o π surgiu a partir da observação, partindo da seguinte constatação: a razão entre o perímetro de uma circunferência (p) e o seu diâmetro (d), a saber, p/d é constante e igual a 3,14, aproximadamente (figura 1). Esta constante tem, assim, caráter intuitivo.
Escrito em linguagem matemática, temos que
p=π×d≈3,14×d
com o símbolo ≈ a significar “aproximadamente”.
Esta expressão traduz uma relação de proporcionalidade direta entre o perímetro da circunferência e o seu diâmetro, o que significa que quando o diâmetro aumenta, o perímetro aumente proporcionalmente.
Considerando que o diâmetro é o dobro do raio (r) da circunferência, surge ainda (figura 2):
p=2×π×r≈2×3,14×r
O número é também a razão entre a área de um círculo e o quadrado do seu raio, (figura 3).
Área do círculo=πr2, ou seja,
Continuando com as várias formas de exprimir o , este número corresponde ainda ao dobro do quociente entre a área do círculo e a área do quadrado nele inscrito (figura 3).
Esse facto demonstra-se facilmente. Se aplicarmos o teorema de Pitágoras ao quadrado de lado “a” (figura 3), vem:
Como o lado do quadrado inscrito é de 2a, a sua área exprimir-se-á através de
(2a)2 = 4a2 = 2r2
Logo, deduz-se
ou seja
A história do começou há muito tempo. Há registos egípcios que fazem referência a esse número. De facto, o papiro egípcio de Rhind, uma das fontes matemáticas mais antigas, datada de cerca de 1650 a.C. evoca indiretamente o π, apresentando o seguinte valor:
Porém, esta aproximação é inferior à supostamente obtido pelos egípcios em Gizé, cerca de 2600 a. C. Efetivamente, e embora se desconheça a origem, verifica-se que o quociente entre o perímetro da base e a altura das pirâmides da cidade de Gizé é de
sendo que essa fração foi considerada uma aproximação de π pelos arquitetos e construtores da época, os quais lhe atribuíam um caráter místico.
Também na Babilónia, numa tábua da antiga cidade de Susa, cuja data ronda os 2000 a.C., consta o valor de
Igualmente na Índia se encontram vários valores atribuídos ao número π, em textos védicos do século IX a.C. Esses valores baseavam-se em questões práticas e a melhor aproximação tem origem em cálculos astronómicos, sendo de
Tal valor encontra-se em Shatapatha Brahmana.
Mais tarde, na antiga Grécia, Arquimedes de Siracusa (287-212 a.C.) tratou também de aproximar o valor de π. Arquimedes destacou-se em várias áreas. O mesmo era engenheiro, físico, astrónomo e matemático, sendo considerado como o “cientista” mais importante da Antiguidade.
Na aproximação do valor de π, Arquimedes utilizou um método bastante longo e complexo: trata-se do denominado método de exaustão, criado por Eudoxo de Cnido (400-347 a.C.), onde são usados polígonos inscritos e circunscritos (figura 4).
Os polígonos inscritos encontram-se no interior de uma circunferência e os seus vértices pertencem à mesma. Já os polígonos circunscritos estão no exterior da circunferência e os seus lados são todos tangentes a esta.
Assim, para cada circunferência, Arquimedes considerava que a área do círculo correspondente estava compreendida entre as áreas de dois polígonos (inscrito e circunscrito). Ou seja, a área do círculo podia ser sempre enquadrada entre dois valores (um minorante e um majorante), ficando a diferença entre ambos cada vez mais pequena à medida que ia aumentando o número de lados dos polígonos.
Atualmente, esse método assemelha-se ao conceito de “limite”, desconhecido naquela época.
Com essa metodologia, Arquimedes chegou a uma aproximação excelente de π que se pode traduzir através do enquadramento:
ou seja,
3,140845… << 3,142857….
Tal como já referido, o número foi evocado por muitas celebridades ao longo da História.
Assim, salienta-se o caso do famoso arquiteto, Marcus Pollio Vitruvius (85 a.C.- 20 d.C.), que escreveu os 10 livros do tratado De Architectura e no qual usou a relação mesopotâmica
Sabe-se, no entanto, que tentou uma nova aproximação de , usando de forma empírica uma roda marcada, mas esta tentativa não resultou, por isso Vitrúvio não ficou conhecido por esse facto, mas sim pelo desenho de Leonardo Da Vinci, o Homem de Vitrúvio, que mede as proporções humanas (figura 5).
Ao contrário de Vitrúvio, Cláudio Ptolomeu (100-170 d.C.) conseguiu melhorar a aproximação de π de Arquimedes. Astrónomo, astrólogo e geógrafo egípcio de origem helénica, Ptolomeu utilizou um polígono de 120 lados e chegou a
Claúdio Ptolomeu não se tornou famoso por essa aproximação, mas sim pelo seu tratado Almagesto, constituído por treze livros. Essa circunstância é relevante pelo facto de Ptolomeu ter sido o primeiro a criar um registo escrito com a pretensão de dar uma explicação para tudo o que era conhecido. As conclusões que constavam nessa obra tinham tanta credibilidade que foi necessário esperar pelo trabalho de Copérnico (1473-1543) para as substituir.
Ainda no que diz respeito ao , não foi só no Ocidente que houve um grande interesse por esse número.
Na China, por exemplo, temos o caso de Chang T’sang (cerca de 220 a.C.) que considerou π=3 e de Zhang Heng (78-139 d.C.) que escreveu nos seus textos que
Também Wang Fang (217-257 d.C.) considerou
Ainda na China, o matemático Liu Hui (220-280 d.C.) atribui a o valor de 3,141592104…, valor que pressupõe utilizar um polígono de 3072 lados.
Mais tarde, Zu Chong-zhi (429-500) obteve a seguinte aproximação
3,1415926 < π < 3,1415927
Passando para a Índia, Aryabhata (476-550) obteve um valor para de 3,1416, usando um polígono de 384 lados.
Também Brahmagupta (598-665), considerado o melhor matemático indiano, escreveu o texto Brahmasphutasiddhanta, onde consta
Já no século XII, Bhaskara II (1114-1185) considerou
Desta vez, no mundo árabe, o matemático persa Abu Abdallah ibn Musa al-Khwarizmi (780-850) recomendou o uso de 3,14 para cálculos simples e 3,1416 para outros mais complicados, tais como os cálculos astronómicos.
Destaca-se ainda o persa Jamshid al-Kashi (1380-1429), que calculou 2π (em vez de π) chegando a uma aproximação correta de π com 16 dígitos. Usando polígonos de 3×228 lados, determinou o seguinte:
Este valor vinha ultrapassar as treze casas decimais conseguidas por Madhava de Sangamagrama (1350-1425), na Índia, poucos anos antes. O interessante nesta aproximação é o facto de, pela primeira vez, se utilizar uma série matemática que consiste na soma de um número infinito de parcelas, para calcular .
Esta fórmula ficou conhecida mais tarde, no Ocidente, como a fórmula de Leibniz, não obstante Madhava a ter descoberto primeiro.
A partir de
Madhava chegou a
conseguindo, dessa forma, calcular π
Poderíamos enumerar muitos outros matemáticos que se dedicaram a calcular o π, com expressões matemáticas cada vez mais elaboradas, tal foi e continua a ser o interesse por esse número. Há quem considere que o π está em todo o lado.
Assim e como exemplo, salienta-se a constante de estrutura fina representada por α, umas das constantes fundamentais da Natureza que está relacionada com a força eletromagnética, muito importante no Universo. Trata-se de uma constante adimensional (é apenas um número, sem que lhe esteja associada nenhuma unidade de medida) relativamente à qual o físico Werner Heisenberg (1901-1976) acreditava que se podia obter da seguinte forma:
O Prémio Nobel da Física não foi o único a relacionar α com π, pois em tratados de Física, aparecem outras expressões tais como
ou ainda
ou seja, todas a envolver π.
Em suma, e tal como afirmou Albert Einstein, não há dúvidas que a constante π é de extrema importância para a descrição do Universo. Uma vez que este número relaciona tudo o que é circular com aquilo que não o é, não admira que esteja presente, em todos os fenómenos da Natureza que envolvam circunferências, círculo, esferas ou rotações.
Bibliografia