O ser humano não está isolado, nasce dentro de uma matriz humana, e a humanidade como um todo faz parte de outra Grande Humanidade, e todos os seres fazem parte da Grande Matriz Universal, e todos os seres formam parte da Grande Matriz Universal, de onde tudo surge e à qual tudo retorna, fato que as civilizações antigas costumavam representar com o simbolismo da Grande Deusa Mãe. Em Espanha, a chamada Dama de Baza representa essa mesma ideia, os ossos de uma mulher foram sepultados no seu interior, talvez de uma rainha ou heroína, a Deusa Mãe abriga na mão esquerda um pequeno pássaro, a alma protegida da defunta.
Certamente, o ser humano é descrito em muitas tradições como um complexo formado por um componente que vem de “cima” e os componentes materiais que vêm de “baixo”. Através dos seus pés, através do que come, onde se move, onde respira, o que vê e como age, está em contato com o Mundo Manifesto, o mundo material. Mas também, pela mesma razão, porque não está desconectado nem acima nem abaixo, participa também do celeste, na matriz subtil de onde nasceu, através do Universo Celeste, onde às vezes pode voltar através do que a tradição egípcia do Livro dos Mortos se refere como “A Porta Luminosa” ou a “Porta que Emana Luz” (Versículo 125).
Mas não é fácil aí chegar. O candidato que deseja penetrar através desta porta, tem que reunir uma série de requisitos, tem que saber responder a certas perguntas do Vigilante da Porta de Luz, o deus Anúbis, que acompanhado pelo seu séquito, declara:
“A voz de um homem chegou desde a Terra Amada (Egipto), de
aquele que conhece os nossos caminhos e as nossas moradas, satisfaz-me
porque eu percebo um aroma familiar como um dos nossos.
Ele disse-me: “Eu sou o escriba Osíris Ani, de palavra recta, que vem em paz e triunfante [venceu as provas dos Tribunais Secretos].
Vim aqui para contemplar os grandes deuses, para que eu também possa viver das ofertas feitas aos seus kas.
Eu manifestei-me dentro do domínio do Carneiro, o Senhor de Mendes (Osíris).
Ele concedeu-me para que eu pudesse vir aqui como uma Fénix [Bennu, a Alma Imortal],
para que assim possa falar. Surgi das águas do rio [do mundo], e depois de fazer uma oferenda de incenso,
continuei o meu caminho através das acácias (símbolo de imortalidade) do Nilo para se tornar-me de novo uma criança’…”
Livro Egípcio dos Mortos, Papiro de Ani, trad. Juan Martin Carpio
Não há outra saída, há que nascer de novo, há que tornar-se de novo, uma criança:
“… A menos que vocês se transformem e se tornem como crianças, vocês não entrarão no reino dos céus….”
Mateus XVIII-3
Na tradição antiga, isso significa que tem que se tornar um novo ser. Depois de purificar a própria alma, é preciso renascer espiritualmente.
E o que tudo isso tem a ver com o número 8? O número 8 é o duplo quadrado, ou o Cubo na sua representação tridimensional.
O cubo é onde se “incuba”. Esta utilização do conceito é apropriada nas línguas modernas do latim e do grego, e embora com nuances diferentes, o local onde se realizavam as “incubações”, no templo do deus da medicina, Asclépios, era onde o paciente dormia, como um morto, para que em sonhos o deus lhe aparecesse e o curasse. Um ser novo e saudável, saia daquela câmara de “incubatio”.
A propósito, o Cubo Mágico também, ou seja, a Pedra Cúbica, é de onde o Rei Artur retira a sua espada Excalibur, “Kaledfoulch” em língua celta, ou seja, o “raio duro”, o espírito.
Assim, no Egito Antigo, existe um paralelismo com estes conceitos, Porque é precisamente a palavra “ovo”, ou seja, onde se incuba o novo ser, que se escreve da mesma forma que a palavra mortalha, e que “caixão” (cubo). As três palavras diferem apenas no determinante final, o que ajuda a distingui-las, num caso é um ovo, no outro um laço e, finalmente, um ramo de árvore (Madeira):
ovo = mortalha = caixão
Em suma, no caixão onde vivemos, ou seja, as quatro dimensões do mundo manifestado (o tempo e as 3 dimensões do espaço) e das quais nunca podemos escapar, incubamos um novo ser, dentro de nós mesmos, graças ao qual renasceremos de novo, quebrando o ovo-cubo e aparecendo como almas de pássaros renovadas.
Vejamos exemplos disto mesmo no Antigo Egito :
“… Eu surgi do Ovo que está na terra oculta, para que a minha boca me
seja dada, para que possa falar com ela na presença do Grande Deus…”
Esta recitação 22 do Livro dos Mortos Egípcio diz-nos que ele vem desde a morte, desde o Ovo-Mortalha-Caixão.
Obviamente, o que emerge de um “ovo-sarcófago” não é apenas um novo ser, é um pássaro-alma, triunfante. E é por isso que os locais de sepultamento, e por extensão os lugares que abrigam as crianças gestando, ou seja, os discípulos e os futuros iniciados, habitam em “ninhos”, porque são “almas-pássaro incubando”.
“Ó Doce Senhor das Duas Terras, que habita em abundância e entre
o lápis-lazúli mantém as crianças nos seus ninhos para que possam chegar até vós…”
Certo Mestre Egípcio escreveu uma carta nos finais do séc. XIX, a primeira de uma série que se estenderia ao longo do tempo, dando uma ideia curiosa sobre a vida do ser humano, disse que estamos todos “grávidos” de nós mesmos, que carregamos dentro de nós um embrião do que um dia seremos, e como todas as mães temos que dele cuidar, para que não fique doente ou não nasça doente ou aleijado. Como podemos ver, estas são ideias repetidas e muito antigas.
No Antigo Egito temos uma imagem curiosa do Livro dos Mortos, onde é explícita a imagem do ovo-caixão e do novo ser que emerge do mesmo:
O sarcófago é uma imagem em miniatura do Universo, e do meu universo. Representa o cubo em que estou limitado, as suas paredes, tal como aparecem no papiro, estão conformados por Nut, o céu estrelado que é a tampa, o fundo retangular como símbolo de Geb, a Terra e os quatro cantos marcados pelos 4 Filhos de Hórus ou Shu, representando os quatro elementos em que vivemos e as 4 direções do espaço.
Do caixão sai vitorioso o candidato, carregando em ambas as mãos o Ankh, a Cruz da Vida Eterna que ele conquistou. Ele tornou-se um Aj, ou seja, um espírito luminoso que vive em Ajet, o Horizonte da Luz, e que se alimenta de luz, ou seja, que transcendeu os 4 elementos para viver num quinto elemento de luz.
Continua…
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Autoria MpF gerada por IA