O Ponto no Espaço-Tempo

Quando observamos a vida, deparamo-nos com a existência de duas realidades, dois mundos ou dois hemisférios. As antigas civilizações referiam-se sempre a uma grande jornada cuja passagem se realizava em torno destes dois mundos dando a ideia da existência como um movimento circular. A vida e a morte, o diurno e o noturno, a luz e as trevas, visível e invisível, são as ideias chaves desta dualidade vestida de várias formas ao longo da história. No entanto, e apesar da natureza dual da existência, a linha no qual estes mundos circulam é una, facto que nos leva a considerar a ilusão destes dois mundos como uma criação do processo de vibração do ponto central encontrado nesta circunferência por onde se move toda a existência.
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Todo o Ser Humano cumpre uma jornada em torno desta circunferência e dos seus
hemisférios, da mesma forma que a terra cumpre a sua jornada em torno do Sol movendo-se
numa elíptica que perfaz o ano solar e com o seu movimento as 4 estações simbolicamente
comparadas com os 4 estados de consciência, os 4 elementos, os 4 pontos cardinais etc. Nesta
análise, percebemos que toda a existência cumpre um eterno retorno no qual encontramos como
elementos diferenciadores dois pontos essenciais, denominados: Espaço e o Tempo.

Espaço e Tempo

Sabemos que existem 4 dimensões no plano manifestado: o Espaço (altura, largura e
profundidade) e o Tempo. A primeira dimensão torna-se mais óbvia pois percebemos a nossa
limitação e movimento dentro dela. Mas o mesmo já não acontece com a dimensão do tempo.
Percebemos que o tempo pode esticar, contrair ou mesmo anular-se quando atinge a velocidade
da luz, mas sentimos que não o podemos controlar da mesma forma que controlamos o espaço
onde gostaríamos de estar. O tempo é visto hoje como o grande dragão que nos devora pois
sentimos a impossibilidade de o dominar tão facilmente como a vontade de nos deslocarmos de
um espaço a outro.

Sabemos que no ponto de encontro espaço-tempo surgem os acontecimentos. Desta
forma, os acontecimentos são uma constante no tecido espaço-tempo fazendo do passado,
presente e futuro uma ilusão. Sabemos que aceleramos ou retardamos estes acontecimentos com
o movimento e desta forma encontramos a relatividade do tempo. Este é relativo ao movimento e
ao espaço, mas é ao mesmo tempo ativado por ambos.

Ponto espaço-tempo e os planos subtis

Se passarmos esta reflexão para o campo da consciência, poderíamos encontrar a mesma
dinâmica. Talvez a grande dificuldade esteja no facto de estarmos limitados pelos nossos
próprios sentidos, para não referir a uma limitação ainda maior que será a nossa razão, ou a nossa
consciência. Talvez porque as únicas propriedades que conhecemos sejam apenas as
propriedades da matéria física. Mas se colocássemos a hipótese de existirem outros estados de
matéria subtil onde o funcionamento seria precisamente o mesmo, talvez algumas questões
pudessem tornar-se mais claras. Sabemos que a velocidade a que vibram os átomos afeta a
matéria podendo apresentar-se de uma forma mais densa, ou mais líquida ou gasosa.

E considerando o som como um estado de vibração, assim como os nossos pensamentos,
também estaremos a falar de estados de matéria invisível ao nosso alcance e imensurável à nossa
ciência, mas que conheceriam também as três forças: espaço, tempo e movimento.

Desta forma, podemos através da nossa consciência criar eventos e acontecimentos sem
dependermos da linha espaço-tempo material pois no plano da matéria subtil, constituída por
átomos subtis, encontramos uma linha espaço-tempo que pode ser movimentada consoante a
velocidade da nossa consciência.

Delia Steinberg Guzman, refere que o tempo não produz acontecimentos, que os guarda.
Refere que não é o tempo que passa por nós, mas o contrário, nós passamos pelo tempo. Estas
ideias tão claras geram profundos voos internos pois compreendemos a sua captação, mas não
conseguimos apanhar com as nossas mãos. Vivemos o dia a lutar contra o tempo ou a querer
apanhar e dominar. Esquecemos que o espaço e o movimento geram o acontecimento que o
tempo irá guardar pois ele sozinho não cria eventos. E na ausência desta meditação “corremos”
atrás de algo que nós próprios ativamos e convocamos.

Para construir, criar e gerar é necessário “marcar” ou “agendar” um ponto espaço-tempo.
Este ponto pode ser marcado pela nossa imaginação ou, naturalmente, muitos deles já foram
agendados pelo nosso movimento nesta ou em outra existência, consciente ou
inconscientemente. É como se tivéssemos agendado um encontro pelo qual temos
inexoravelmente que transitar denominado pelo pensamento oriental de Karma.

O tempo é a matriz onde podemos escrever a história e onde podemos criar a nossa
própria realidade. A constância e o ritmo são o movimento que executamos e que leva à
materialização do desenho numa folha em branco que é o tempo.

Se não marcarmos pontos de encontro no espaço-tempo e não criarmos a energia e o
movimento para os atravessar, então nada pode ser construído. No entanto, como o primeiro
movimento da existência já foi gerado, a inação é inexistente pois segundo a segundo estamos
consciente ou inconscientemente a marcar acontecimentos no tecido espaço-tempo sobre os
quais iremos passar. A ideia será termos uma maior consciência desses pontos tornando-os
conformes à nossa própria vida, aos nossos valores, à nossa essência e identidade.

Apesar destes pontos estarem consciente ou inconscientemente agendados, nas duas
situações, percebemos que o Tempo precisa de ser chamado. Este chamado é feito através do
movimento. Seja da lei inexorável do karma, seja da nossa própria vontade. No entanto, quando
pelo excesso de movimento (grande vibração) atravessamos inúmeros pontos espaço-tempo a
sucessão da materialização de acontecimentos torna-se rápida e assoberbada. Da mesma forma
que no oposto, a paralisação de movimento ao diminuir o encontro com o ponto espaço-tempo
limita os acontecimentos tornando a nossa folha mais vazia e à deriva do vento.

Se conseguimos entender estas ideias no plano material, o mesmo acontece em outros
estados da matéria como o emocional ou o mental. Criamos acontecimentos internos quando a
nossa imaginação ou consciência cria pontos espaço-tempo internos. E estes acontecimentos
podem trabalhar numa outra dimensão não estando sujeitos ao espaço-tempo físico.

Ponto espaço-tempo e a Jornada solar

Apesar de podermos agendar estes pontos no nosso tecido mental, podemos integrar nesta
“boneca russa” um outro elemento relacionado com a viagem solar que a natureza realiza no seu
ciclo anual, com as suas 4 estações, com os seus 4 elementos ou 4 estados da persona,
perfazendo assim três eventos, ou pontos-espaço tempo. São eles:

  • Karmicos ( aqueles que consciente ou incosnceitemente activamos)
  • Voluntários ( aqueles que nos levam a actuar sobre o Karma)
  • Cósmicos ( aqueles nos quais todo o universo se encontra integrado)

O ponto espaço-tempo referente à jornada solar, integra-se nos eventos cósmicos pelo qual todo
o ser vivo, em qualquer plano, passa inexoravelmente.

Neste paralelismo, na jornada do Ser Humano, cada interceção relacionada com a estação
é um ponto no espaço-tempo que gera um acontecimento, ou numa linguagem filosófica, uma
prova para a nossa consciência. Délia Steinberg Guzman refere num dos seus bastiões, a
existência de 4 provas relacionadas com os 4 elementos e sobre os quais todos temos de transitar,
inevitavelmente. A Astrologia pode ajudar o Ser Humano a compreender um pouco melhor estes
ciclos de movimento no qual inexoravelmente navegamos, tal como a Barca Solar emerge nas
trevas rumo à luta com a serpente Apofis, da mesma forma todas as noites o sol se despede com
o entardecer.

A antiga imagem de Hermes, como o Senhor entre os dois mundos, abre as portas da
estação do outono dando entrada da alma no mundo dos mistérios, no mundo noturno, na descida
rumo ao profundo de nós mesmos. Sabemos que no entardecer a despedida do dia e a miragem
da noite enche todo o horizonte de magia mas também de medo pois algo está prestes a
acontecer. Este ponto no espaço-tempo abre uma porta sem retorno e convida a alma e o Ser
Humano ao recolhimento e à solidão.

A prova de Ar leva à despedida do dia, das realizações e das conquistas. Traz o desapego
e mergulho no mundo invisível, cujo Senhor no seu interior mais profundo podemos representar
simbolicamente com Anubis. A porta do espaço-tempo do inverno, iniciática por excelência, leva
a alma à máxima conexão com a morte. O chacal que ajuda as almas a passarem esta zona tão
escura e cujo processo despedaça o Ser Humano, traz a água como elemento de purificação a fim
de renovar o seu compromisso com a vida e guiando as almas pelo maravilhoso silêncio. Cruzar
o ponto espaço-tempo de inverno, tal como para o mundo manifestado, é perceber que o destino
está em caminhar solitário e que dentro deste abismo interior, como refere Jorge Angel Livraga
no livro “O Ankor” está a pérola mística que todo o Ser Humano deve atrever-se encontrar.

No renascer, simbolizado pela vitória de Ra na “Barca dos milhões de Anos” a alma
floresce e fertiliza o mundo com uma nova esperança e uma nova vida, também simbolizado por
Knhum, o Deus Carneiro, aquele que abre e rompe as trevas representando a alma que superou
os desafios internos e retorna portadora do Sol, devendo evitar a vaidade e a soberba da vitória.
O ponto espaço-tempo diurno abre aqui as suas portas trazendo com o verão a sua máxima
exposição, com o fogo da sabedoria, do conhecimento e da maturidade. Ra atinge com toda a sua
luz o mundo físico e espiritual. O seu fogo pode inebriar aqueles que sentem no seu coração a
força de dirigir o seu próprio destino, mas neste erro esquecem as consequências de quererem
assemelhar-se ao próprio Deus, ao próprio Sol, tal como Ícaro. As consequências do fascínio do
Verão representam as provas de fogo. Aqui os nossos maiores valores são colocados à prova pois
as grandes decisões devem ser consequentes à grande jornada. O Verão marca também o início
da morte do Sol. O início da descida rumo ao eterno retorno, rumo às portas de Hermes, à
entrada nos mistérios de uma nova iniciação pois como refere Nietzsche “na sua vivência, afinal,
uma pessoa apenas se repete a si própria”

Cravados no espaço-tempo

Desta forma, de que serve o grande conhecimento sobre as leis e as causas de todos estes
processos na natureza se não a transitamos para estados de matéria e de consciência mais subtil e
cuja compreensão nos permite entender que todas as circunstâncias são geradas pelo cruzamento
tempo-espaço cósmico no qual estamos “crucificados” neste ciclo do eterno retorno e cuja saída
se encontra unicamente no centro de cada um de nós, no agendamento de eventos voluntários.

Da mesma forma que os nossos planetas gravitam sobre um sol e este sol sobre outro
maior e assim sucessivamente num conjunto de forças que se mantêm unidas por uma única
força única que é sempre o centro de tudo.

Estamos cravados pelas estações dos acontecimentos, mas esquecemos que a nossa
consciência pode trabalhar num outro espaço-tempo, numa outra dimensão voluntária e com isto
transpor esta cruz criando na sua própria linha num movimento ascendente capaz de gerar um
triangulo cujo centro é o ponto. Desta forma, o tempo é relativo pois o movimento da nossa
consciência e o espaço sobre o qual ela se direciona, superior ou inferior, afeta a sua passagem.
Duas pessoas podem desenvolver o mesmo exercício mental ou a mesma prova circunstancial. A
diferença está no movimento e no posicionamento da sua consciência. O tempo que demoramos
a transitar uma prova está diretamente relacionado com o espaço e o movimento da nossa mente.
Mas considerando os limites da razão, os limites nos quais ainda nos encontramos, existem
espaços dentro de nós e medidas de movimento e tempo que ainda não percecionamos e por isso
não conseguimos nos posicionar nesses lugares, por isso não conseguimos agendar pontos
espaço-tempo fora dos limites da nossa razão, como diria Locke. Desta forma, o tempo que
muitas vezes gostaríamos que transcorresse ou o desenho que gostaríamos de criar no papel,
necessita de vários rascunhos até que possa nascer.

Não conseguimos transcender o espaço-tempo karmico e cósmico pois ainda não
conhecemos as inúmeras portas que habitam no nosso interior e cujas chaves nos são entregues
na passagem das provas que os ciclos nos colocam. Tentamos erguer lentamente a pirâmide que
se encontra em potência, mas que por ignorância e tolice não a conseguimos. Mas entender o
tempo como algo que nós dominamos e não como algo que nos domina, pode constituir a
primeira grandeza do nosso processo de verticalidade, num mundo onde o grande monstro é
conhecido pelo Tempo.

No entanto, conceber o tempo interior como uma dimensão criada pela nossa vontade,
pode levar-nos à criação de eventos e acontecimentos mais profundos dentro de nós e inclusive
mais reais.

Conclusão

O tempo é assim visto como uma força em potência, que podemos ativar com a nossa
vontade e com a nossa imaginação. Falamos da passagem através do movimento nos pontos do
espaço-tempo por forma a despertar acontecimentos e eventos, uns programados pela nossa
vontade, outros pelo nosso karma e outro cósmicos, provocado pelos ciclos. Mas pela
imaginação, podemos projetar pontos e fazer no movimento e na velocidade que programamos a
interceção com o ponto imaginado, programado e planeado. Desta forma, deparamo-nos com
outro facto interessante, o acontecimento surge porque o criamos com a nossa mente e porque
nos direcionados para ele.

Tal como refere Delia Steinber Guzman, as coisas acontecem porque criamos um projeto
de vida na linha do tempo. Esse projeto é ativado porque determinamos um espaço e criamos um
movimento. Ver o tempo como uma potência que pode ser convocado para a materialização dos
nossos sonhos é conseguir agarrar e dominar um pouco mais esta dimensão que nos foge e nos
escapa ao longo do dia tão facilmente. Ver o tempo como esta folha em branco onde podemos
criar, escrever e materializar a vida torna-se libertador pois retira-nos desta roda onde todos
querem apanhar algo que na verdade tem de ser activado e convocado para que possa existir.

Que possamos aprender a Arte de Convocar o Tempo!


Imagem de capa

Foto de Ivan Diaz em Unsplash

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