O Espaço é algo
Há 130 milhões de anos, duas estrelas de neutrões colidiram depois de uma frenética dança espiralada. Desta união surgiu uma explosão de ouro e luz, acompanhados de uma vibração tão grande que fez tremer o próprio espaço-tempo que contém o universo.
Essa vibração do espaço, chamada pela cosmologia de onda gravitacional, alastrou-se pelo universo até chegar à Terra, onde foi medida nos E.U.A. por dois detetores, no mesmo momento em que chegava também o brilho – emitido pela colisão – a vários telescópios espalhados pelo mundo.
Se as propriedades deste espaço são afetadas por aquilo que ele contém, há uma interface de interferência mútua, uma comunicação e uma relação em ambos os sentidos. O agente dessa comunicação, no caso acima descrito, é chamado de gravidade, que está em íntima relação com a massa e a energia dos objetos que o espaço contém. É como se, num tecido mais ou menos elástico, colocado na horizontal, lançássemos uma bola de bilhar: o seu movimento alteraria o tecido e criaria ondas de vibração através dele.
Para isto acontecer, é inevitável imaginar o espaço como um tecido esticado que vibra, cujo estado pode ser alterado pelo que acontece no seu interior, como seja a aceleração de massas a grande velocidade ou explosões muito violentas. Podemos, então, perguntar de que é feito tal tecido, quais as suas propriedades, qual a natureza ou a substância do espaço.
A cosmologia responde-nos que esse tecido, aquilo a que chamam “vácuo”, “vazio” ou “espaço livre”, tem uma permeabilidade magnética (μ0 = 4π × 10−7 N·A−2), uma permissividade elétrica (ε0 = 8.85…×10−12 F⋅m−1), e uma velocidade de transmissão da luz que é a máxima possível, igual a 3×108 m⋅s−1. Uma imagem gráfica seria a de uma cortina numa janela, que pudesse ter um certo grau de transparência, uma certa elasticidade ou impermeabilidade. Obviamente, se essa cortina fosse um “nada”, não poderia ter elasticidade ou qualquer outra propriedade. No entanto, propriedades é aquilo que os cientistas atribuem ao “espaço vazio”. Ou seja, esse espaço não é simplesmente “nada”. O espaço é algo.
O Espaço é inobservável. O Espaço é a raiz de toda observação
Quando apontamos os telescópios para o céu e captamos os sinais distantes da imensa profundidade do universo, o que vemos? Alguma vez, em algum sítio, vemos o espaço? Obviamente que não. O espaço não é observável, não é um conceito empírico, mas – como afirmava Immanuel Kant – uma representação “a priori”, anterior a qualquer observação através dos sentidos. Não devemos, nesta situação, confundir a ideia de espaço com a de distância entre objetos. O que vemos através do céu são sempre objetos, predominantemente estrelas, que irradiam a sua luz através do espaço fazendo-a chegar até nós. Se vemos mais de perto, não estamos a ver os objetos, mas sim a luz que deles chega aos detetores dos nossos telescópios. Se formos ainda mais longe, o que vemos é a informação traduzida pelos nossos detetores eletrónicos e computadores depois de a captarmos. Mesmo quando utilizamos um telescópio óptico – naqueles em que, ao colocar o olho na ocular, vemos diretamente a luz emitida pela estrela mais distante – a luz impressiona a nossa retina, estimulando ligações nervosas que levam o sinal ao cérebro, no qual um eco misterioso faz aparecer uma imagem no nosso plano mental. Então, o que vemos – será este o último patamar? – está algures dentro de nós, na nossa subjetividade. O que vemos não é o objeto, mas o fenómeno, e o fenómeno é sempre uma relação entre sujeito e objeto.
Isto é o que explica e demonstra Immanuel Kant, para quem nenhum objeto exterior poderia ser observado em-si-mesmo, mas sempre em nossa sensibilidade. Todo o fenómeno, neste sentido, é uma intuição do mundo exterior.
Nada significa a representação do espaço, se saímos da condição subjetiva, única sob a qual podemos receber a intuição externa, quer dizer, ser afetados pelos objetos.
Isto não significa que devemos duvidar da existência dos objetos exteriores. A intuição é um acesso ao saber verdadeiro, na qual o objeto conhecido e o sujeito que conhece se tornam um só. Assim, os objetos exteriores existem, mas é na nossa sensibilidade interna que eles se manifestam, como consequência da certeza intuitiva de que participamos de um mesmo universo e que há uma unidade que atravessa todos os seres. O saber verdadeiro, então, pode apenas dizer respeito ao mundo inteligível, e nunca ao mundo sensível. Podemos, em relação ao mundo físico (chamemos-lhe mundo físico, sensível, concreto, exterior, ou simplesmente natureza: as palavras são sempre imperfeitas para a realidade), reconhecer-lhe certas regularidades, outorgar-lhe certas leis, aplicar-lhe certas teorias; no entanto, as palavras, as fórmulas, as regularidades, as leis e teorias, aparecem à compreensão humana dentro da sua imaginação, o mundo interior onde se recria o entendimento do que existe.
Imaginemos que de dentro de uma sala, por exemplo, retirássemos todos os móveis e objetos que lá estivessem. De seguida, imaginemos que retiramos todos os átomos de ar e também toda e qualquer radiação que possa lá existir. Desligamos as luzes, e saímos pela porta. O que ficou lá dentro? Pois bem, a isso é que se chama o espaço, aquilo que tudo contém, mas que ainda permanece quando tudo o mais desaparece. Esse espaço é apenas intuído, não observado. No entanto, existe.
O que há no Espaço
Tema misterioso e sombrio, reconhecemos. Daí que, desde Platão, a noção de espaço (em grego, chôra) tenha gerado grandes debates sobre a sua natureza e significado. Rodolfo Lopes, tradutor do Timeu para português, exprime-se assim nas suas notas à obra de Platão:
A chôra evidencia características do inteligível e do sensível: é invisível e amorfa, ao mesmo tempo que tangível, mas apenas pensável por um raciocínio bastardo. A esta constituição ontológica híbrida acresce o facto de, em termos espaciais, ser caracterizada de modo ambíguo: é extensão ou espaço como condição de localização (“providencia uma localização a tudo quanto pertence ao devir”: 52b6) e ao mesmo tempo o próprio local ocupado por um determinado corpo (“a natureza que recebe todos os corpos”: 50b6), isto é, a realização daquela extensão.
Esta ambiguidade pode advir, por um lado, da falta de imagens concretas que possam ser utilizadas para falar da realidade do espaço. Por outro lado, como já dissemos, pode também resultar de uma carência de conhecimento da realidade profunda da Natureza e da sua constituição, que o autor destas linhas, por seu lado, também não afirma ter.
Quanto ao que existe no espaço, o Prof. Jorge Angel Livraga, através da expressão Matéria Primordial, expõe esta constituição da Natureza, também afirmada por Platão e explicada em mais detalhe por H.P. Blavatsky:
Dizia-se que essa Matéria Primordial se dividia em Sete Elementos Primordiais, dos quais apenas quatro estão actualizados neste momento: Terra, Água, Ar e Fogo. Mas, de nenhuma maneira podemos ser tão simplistas para crer que se referiam àquilo que hoje, vulgarmente, denominamos deste modo, pois antes simbolizavam enormes subséries de elementos.
Os elementos da natureza a que o Prof. Livraga se refere têm uma correspondência com a constituição interna do ser humano, uma vez que, ao desenvolvermo-nos dentro da natureza, adquirimos a sua mesma estrutura. Assim, o elemento Terra refere-se ao nosso corpo físico; Água refere-se à energia que percorre o corpo; Ar refere-se às emoções; Fogo corresponde com os nossos pensamentos concretos. Para além destes quatro elementos estaria a Quintessência, o plano espiritual, que aguarda pela evolução para se manifestar plenamente.
Ao perceber a noção de planos de realidade (que são também dimensões da consciência), podemos associar essa mesma estrutura ao significado do Espaço. Se a natureza – a Vida Una – se estrutura por várias dimensões, também o Espaço terá que assumir essas mesmas dimensões. Assim, há um espaço para o mundo físico, um espaço para o mundo energético, um espaço para o mundo emocional e outro para o mundo mental. Da mesma forma nos poderíamos referir ao Tempo, apesar de não ser o tema que aqui tratamos.
Recorrendo às palavras de Platão sobre o tema, e lembrando a qualidade dos elementos como planos da natureza:
Primeiro, em relação àquilo a que chamamos água, quando congela, parece-nos estar a olhar para algo que se tornou pedra ou terra, mas quando derrete e se dispersa, esta torna-se vapor e ar; o ar, quando é queimado, torna-se fogo; e, inversamente, o fogo, quando se contrai e se extingue, regressa à forma do ar; o ar, novamente concentrado e contraído, torna-se nuvem e nevoeiro, mas, a partir destes estados, se for ainda mais comprimido, torna-se água corrente, e de água torna-se novamente terra e pedras; e deste modo, como nos parece, dão geração uns aos outros de forma cíclica.
De como os elementos se referem a regiões cósmicas, e não simplesmente às substâncias físicas que levam o mesmo nome, exprime-se no mesmo sentido Parménides:
E no mais alto de tudo está o éter circundante, colocado sob o qual, aquilo ígneo que chamamos fogo, e por sua vez por baixo deste as [regiões] que rodeiam a terra.
A Matéria, ou seja, tudo aquilo que se manifesta no Espaço, não se resume ao mundo físico. Outros planos, invisíveis aos olhos físicos, mas observáveis pelas nossas faculdades internas, permeiam o Espaço universal. Todo o pensamento, toda a emoção, qualquer aspecto da vida, objetivo ou subjetivo, acontece em algum lugar, tem presença em algum sítio. Por sua vez, todo o sítio é presença para algo, todo o lugar tem algo a acontecer. Em todo o Espaço há Vida.
Atributos do Espaço
Helena Petrovna Blavatsky expressa-se de modo ainda mais misterioso, quando aborda a questão do significado do espaço:
Só aquele que compreende quanto a intuição paira muito acima dos lentos processos do raciocínio pode formar uma concepção, ainda vaga, daquela Sabedoria absoluta que transcende as ideias de Tempo e Espaço.
Esta autora, sábia nas antigas cosmogonias e profunda nas suas exposições, identifica o espaço – que considera sem limites e sempre presente – com aquilo que denomina de Vida Una, e também Alma Universal. Pode parecer estranho ao pensamento tendencialmente materialista da nossa época que se identifique a vida com a alma, no entanto, nesta conceção, tudo no universo está vivo, tudo vibra, tudo está em constante movimento e transformação. Por outro lado, tudo no universo está consciente em algum grau, tudo tem um lado subjetivo, um eu, característica inata do universo. Espírito e Matéria conjugam-se em cada ponto do universo, tornando cada átomo vivo, ou seja, um objeto-sujeito. A vida é, precisamente, a alma contida nas formas vivas, é a consciência permitida por cada um dos seus distintos veículos. Além disso, todo o universo é uno, é um só, está ligado e interconectado, cuja aparente separatividade dos seres nos é trazida por uma ilusão dos sentidos e de falta de visão espiritual. Este Todo, sendo Vivo, é também uma Alma divina consciente. Quanto à Alma Universal, ou seja, o Espaço, H.P. Blavatsky refere-se assim:
[A Alma Universal] é a VIDA UNA, eterna, invisível – mas omnipresente; sem princípio nem fim – mas periódica em suas manifestações regulares (em cujos intervalos reina o profundo mistério do Não-ser); inconsciente – mas Consciência absoluta; incompreensível – mas a única realidade existente por si mesma; em suma, “um Caos para os sentidos, um Cosmos para a razão”. Seu atributo único e absoluto, que é Ele mesmo, o Movimento eterno e incessante, é chamado, esotericamente, o Grande Alento, que é o movimento perpétuo do Universo, no sentido de Espaço sem limites e sempre presente.
Os atributos do Espaço são, então, os da Vida Una, do Todo Vivo, do próprio universo que está ao alcance do nosso conhecimento:
– Invisível, mas omnipresente: como comentamos anteriormente, o espaço é o continente para tudo o que possa alguma vez existir. Se algo existe, nos mundos externos ou internos, existe também o espaço onde esse algo está. Não pode, no entanto, ser observado em si mesmo.
– Eterno: o espaço não teve princípio nem fim, apenas manifestações regulares. O conceito de manifestação é importante neste ponto, pois implica um momento (inicial) do universo no qual se separa o sujeito do objeto, o espírito da matéria, cujo contacto cria a consciência. Daí que o Espaço, o Todo Universal e Vivo, contenha toda a consciência, ou melhor, seja a Consciência absoluta.
– Incompreensível: de facto, a noção abstrata de espaço só se forma por um esvaziamento de tudo o que possa ser pensado. Vazio, nesse sentido, é o atributo do pensamento que tenta compreender o espaço, e não um atributo do espaço em si mesmo.
– A única realidade existente por si mesma: todos os objetos, todos os seres do universo, existem somente em relação com outros objetos e seres. Nada existe a não ser em relação de interdependência e de alimentação recíproca. Nada existe para nós a não ser que entre em contacto connosco. Quanto ao espaço, na intuição que dele podemos ter, não está dependente dos objetos e seres que nele possam existir, portanto, existe por si mesmo.
Comparando ao que afirma Plotino sobre as coisas e o Uno:
A posição de todas as coisas explica-se graças ao Uno, pois por Ele têm não só a existência mas também o lugar que Ele lhes assigna. (…) Poderíamos talvez pensar na sua unidade fixando-nos no facto de que se basta a si mesmo. Porque é conveniente que possua no mais alto grau o caráter de suficiência, de independência e de perfeição, do qual carece em parte toda a coisa que é múltipla e não uma.
O Espaço: causa, ama e recetáculo do existente
Platão afirma sobre o espaço (chôra):
Que propriedade temos nós de supor que ele terá de acordo com a natureza? Será sobretudo a seguinte: ser o receptáculo e, por assim dizer, a ama de tudo quanto devém.
Interessante relação entre receptáculo e ama. Receptáculo que tudo recebe; ama que tudo nutre e alimenta.
É por isso que dizemos que a mãe do devir, do que é visível e de todo o sensível, que é o receptáculo, não é terra nem ar nem fogo nem água, nem nada que provenha dos elementos nem nada deveniente a partir deles. Mas se dissermos que ela é uma certa espécie invisível e amorfa, que tudo recebe, e que participa do inteligível de um modo imperscrutável e difícil de compreender, não estaremos a mentir. E visto que, a partir do que foi dito, é possível alcançar a sua natureza, eis o modo mais correcto de falar dela: a sua parte que está a arder aparece sempre como fogo, a que está húmida aparece como água, e a que aparece como terra e como ar fá-lo de acordo com as imitações que recebe de cada um. – Platão
Todos os elementos cósmicos, toda a matéria da natureza, visível e invisível, provêm de um mesmo princípio, de uma mesma fonte, de um mesmo elemento único, a que podemos chamar Espaço. Recipiente e conteúdo ao mesmo tempo, é a realidade única que se manifesta diferenciada consoante as transformações que se lhe aplicam. Só compreendendo a unidade que subjaz à manifestação multiforme, intuindo a essência-una por detrás da multiplicidade, poderemos aproximar-nos desta ideia em profundidade.
Então, nas profundezas do Espaço, está a causa material e espiritual de cada ser, que surge e aparece dele próprio, nutrido e sustentado por ele próprio.
Para nos ajudar a compreender, H.P. Blavatsky cita Henry Pratt na sua obra A Doutrina Secreta:
“O Espaço, que a tudo contém, sem ser contido, é a corporificação primária da Unidade simples… a extensão sem limites.” (…) “O Continente Desconhecido de Tudo, a Causa Primeira Desconhecida.”
E continua nas suas próprias palavras:
O Espaço, que os sábios modernos, em sua ignorância e em sua tendência para destruir todas as concepções filosóficas da antiguidade, pretendem ser “uma ideia abstrata” e “um vazio”, é, na realidade, o Continente e o Corpo do Universo com seus Sete Princípios.
Destes sete princípios ou elementos, quatro dão pelo nome de Terra, Água, Ar e Fogo, tal como descreve Platão e as antigas cosmogonias. Os três últimos princípios ficam sintetizados no quinto elemento, o Æther dos filósofos gregos ou o Akasha dos hindus. Em cada elemento, o espaço corresponde à sua essência, àquilo de invisível que é a sua causa profunda e ao mesmo tempo o seu receptáculo. Daí que o Espaço seja a intuição mais próxima de Deus infinito, ilimitado e absoluto que podemos ter com o nosso finito, limitado e relativo entendimento.
“CHAOS, THEOS, KOSMOS, eis o que contém o Espaço.”
Chegamos então a uma altura em que podemos reunir os vários pontos explicados atrás para tentar compor uma imagem mais completa do que é o Espaço. Fá-lo-emos com base nos conceitos gregos de Caos, Teos e Cosmos.
Apesar de Aristóteles relacionar a palavra Chaos (χάος) com a etimologia de “espaço vazio”, não devemos, como já vimos, considerar o termo “vazio” no sentido de um nada. Por outro lado, também não devemos ceder à ideia vulgar que caos representa um estado desordenado de coisas. De acordo com Ilya Prigogine, a ciência dá-nos uma resposta diferente:
Ao longo das últimas décadas, um conceito novo tem conhecido êxito cada vez maior: a noção de instabilidade dinâmica associada ao ‘caos’. Este último sugere desordem, imprevisibilidade, mas veremos que não é assim. É possível (…) incluir o caos nas leis da natureza, mas contanto que generalizemos essa noção para nela incluirmos as noções de probabilidade e de irreversibilidade.
É possível, então, estabelecer uma diferença entre desordem e inexistência de ordem. Desordem é uma relação entre partes distintas que não respeita nenhuma lei nem princípio organizador; implica a existência das partes diferenciadas, ou seja, um conjunto de seres ou de coisas que se dispõe de forma desarmónica. Por outro lado, caos é o estado prévio à existência das partes, é um momento em que, havendo matéria, esta não foi ainda diferenciada, podendo ser concebida como uma homogeneidade sem limites e, portanto, na qual princípios organizadores não se manifestaram. Vazio, então, no sentido Aristotélico, significa desprovido de seres diferenciados, havendo apenas um único ser, que é o Espaço-Mãe, a Matéria Primordial, origem pré-cósmica de todos os seres e existentes: o CAOS.
Este Caos primordial, este mar de possibilidades, também chamado pelos antigos de águas primordiais, tem em si, no entanto, a misteriosa potência da ordem, a raiz da organização e da harmonia, que só pode surgir através de uma prévia diferenciação. A força diferenciadora e organizadora é o que se chama de TEOS.
O Espaço é Caos, a matéria primordial homogénea e indiferenciada. Mas o Espaço é também Teos, aquilo que pode diferenciar a matéria primordial nos seus distintos elementos constitutivos. Na união entre os dois nasceu o universo manifestado, material e espiritual, em cuja raiz se mantém sempre o misterioso Espaço como sustentáculo e origem do todo criado e harmonizado: o COSMOS.
Percebemos agora a afirmação de H.P.B.:
Chaos, Theos e Kosmos são apenas os três símbolos de sua síntese: o Espaço.
E diz também a mesma autora:
Chaos-Theos-Kosmos, a Divindade Trina, é tudo em tudo. Daí o dizer-se que é masculino e feminino, bom e mau, positivo e negativo, toda a série de qualidades opostas. Quando se acha em estado latente, em Pralaya, não se pode conhecê-lo; é então a Divindade lncognoscível. Só pode ser conhecido em suas funções ativas: como Matéria-Força e Espírito vivente, correlações e manifestação, ou expressão, no plano visível, da Unidade última sempre desconhecida.
Comentamos:
– A Divindade Trina: esta é a razão pela qual é tão comum as religiões falarem de Deus referindo-se a três dimensões, três deuses principais, três facetas da mesma unidade divina.
– Toda a série de qualidade opostas: sendo a mente humana, instrumento que utilizamos para tentar compreender o universo, essencialmente dual, é inevitável conceber aquilo que transcende a dualidade como a junção ou sobreposição de dois atributos opostos. Há que apelar à intuição para captar a unidade por detrás da unidade.
– A Divindade Incognoscível: não podendo a mente humana entrar em relação compreensível com o Absoluto, resulta inteligível apenas na contemplação tripartida das facetas da realidade absoluta, em si mesma desconhecida e incognoscível.
– Só pode ser conhecido em suas funções ativas: o que significa que pelos efeitos devemos tentar compreender as causas, mas na sua raiz, equivalente ao estado pré-cósmico, o Espaço-Todo é inacessível como objeto de compreensão, pela simples razão de não se poder fazer de objeto a ser conhecido nem de sujeito a conhecer.
– Matéria-Força e Espírito vivente: o que a matéria é – indissociável do espaço que ocupa, como já vimos – é uma correlação de forças que torna visível (manifestado) uma causa espiritual invisível. Devemos, portanto, retirar da nossa imaginação a ideia de matéria como algo existente por si mesmo, como algo sólido e consistente capaz de ser conhecido, e substituir essa ideia por uma noção de matéria como fenómeno, como captação de uma correlação de forças que não são mais que um efeito de algo existente – num plano invisível e não captado fisicamente – no espaço ocupado por esse mesmo fenómeno.
– Unidade última sempre desconhecida: neste ponto, podemos auxiliar-nos das palavras de Plotino:
A maior das dificuldades para o conhecimento do Uno está em que não chegamos a Ele nem pela ciência nem por uma inteleção como as outras, mas por uma presença que é superior à ciência. A alma afasta-se da unidade e não é em absoluto uma quando apreende algo de modo científico; porque a ciência é um discurso e o discurso encerra multiplicidade.
Espaço: o TODO-ABSOLUTO
A ideia fundamental é a de considerar como real uma dimensão invisível, subjacente, recipiente, causadora, de todos os fenómenos. A essa dimensão chamamos Espaço. Quando se observa uma estrela longínqua, quando se analisa um neurónio, quando se descodifica o DNA, quando se mede o tamanho de um átomo, a ciência está a aproximar-nos do conhecimento o Todo-Uno, o Espaço que é o Ser em todas as manifestações universais.
Nas palavras de Plotino:
Todo aquele que pense que os seres estão governados pelo acaso ou por uma força espontânea e que são retidos por causas corporais, encontra-se realmente muito longe de Deus e da noção do Uno. Por isso, o nosso raciocínio não se dirige a ele, mas aos que admitem uma natureza distinta à dos corpos e, assim, se dirigem à alma.
O verdadeiro e único objeto de conhecimento é esse Espaço-Uno, embora inatingível, essa dimensão invisível, à qual nos vedamos o acesso sempre que acreditamos tocar a última realidade quanto captamos um fenómeno. O fenómeno, a matéria, é apenas a finíssima película superficial da realidade, uma película efémera, eternamente mutável, até certo ponto ilusória, uma tela onde se refletem padrões de comportamento que confundimos com “leis da natureza”, onde se projetam sombras que confundimos com os “objetos reais”.
Terminamos com uma última citação de H.P.B., a quem agradecemos por nos encaminhar com clareza reveladora pelos labirínticos corredores da mente até à luz que brilha no seio dos maiores mistérios, ainda tão distantes à nossa plena compreensão:
A ideia de Locke, de que “o espaço puro não é capaz nem de resistência nem de movimento”, é incorreta. O Espaço não é nem um “vazio sem limites” nem uma “plenitude condicionada”; mas uma e outra coisa. E sendo, no plano da abstração, a Divindade sempre ignota, que é um vazio só para a mente finita, e, no plano da percepção mayávica, o Plenum, o continente absoluto de tudo o que é, seja manifestado ou não manifestado — é, por conseguinte, aquele TODO ABSOLUTO.
Notas:
1 – Corpus Hermeticum, Tratado IIB.
2 – https://www.space.com/38471-gravitational-waves-neutron-star-crashes-discovery-explained.html
3 – Da Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory (Ligo)
4 – Crítica da Razão Pura, Parte Primeira: “Exposição transcendental do conceito de espaço”.
5 – Timeu-Crítias, CECH, 2011. p. 44
6 – Introdução à Sabedoria do Oriente.
7 – Timeu, 50b8-c6
8 – Aécio, II 7, 1, retirado de Los Filósofos Pré-socráticos, Editorial Gredos.
9 – A Doutrina Secreta, vol. I. Proémio.
10 – A Doutrina Secreta, vol. I. Proémio.
11 – Plotino, Enéadas VI, Sobre o Bem e o Uno
12 – Timeu, 49a.
13 – Timeu, 51a-b
14 – H. P. Blavatsky, A Doutrina Secreta, Vol. II, secção IV: CHAOS, THEOS, KOSMOS.
15 – H. P. Blavatsky, A Doutrina Secreta, Vol. II, secção IV: CHAOS, THEOS, KOSMOS
16 – MASSONI, Neusa Teresinha. Ilya Prigogine: uma contribuição à filosofia da ciência. Rev. Bras. Ensino Fís. [online]. 2008, vol.30, n.2 [cited 2020-06-26], pp.2308.1-2308.8. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-11172008000200009&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1806-9126.
17 – Op. Cit.
18 – Ibid.
19 – Plotino, Enéadas VI, Sobre o Bem e o Uno
20 – Plotino, Enéadas VI, Sobre o Bem e o Uno
21 – H.P. Blavatsky, Op. Cit.