O Simbolismo do Círculo

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Naquela tarde, o Três vezes sábio e poderoso Tathagata, o bem-aventurado Buda, o Mestre dos Mestres, por fim, desenhou com o seu divino dedo algo redondo sobre a areia sagrada do Ganges.

– O abençoado senhor traçou um círculo! – exclamou candidamente o benjamim dos discípulos, recém-chegado entre as crianças malaio-polinésias

– Na verdade, sem dúvida, o que o Mestre quis desenhar – respondeu um estudante guanche-tinerfe canário – é a letra O; a inicial do Nome Inefável; o sacrossanto “Aum” ou “Om-Mani-Padme-Hum” dos meus antepassados atlantes; a letra que, com o A e o M, representa todos os poderes criadores, conservadores e destrutivos da Trimúrti.

– Ao invés, deduzo eu – objectou o terceiro discípulo oriundo do misterioso Ghaedhil ou Galiza irlandesa – que o bem-aventurado guru traçou-nos o símbolo aritmético do nada; o “limite zero” para o qual, decrescendo incessantemente, tendem todos os infinitamente pequenos diferenciais; esse ponto de origem de qualquer sistema de numeração; aquele limite matemático, enfim, de onde nunca se passa…

– Ou, pelo contrário, onde nunca chega! –  interrompeu o discípulo Rajputano dos vales do Kun-Lun, a montanha lunar que é centro orográfico do planeta.

– Não, não! – exclamou vivamente um geómetra grego da Escola de Eleia. O que o Mestre pretende representar, para que meditemos sobre isso, é meramente o círculo como limite de todas as hipérboles, parábolas e elipses, com o seu centro mais admirável, que é o “Ponto Trino e Uno” formado pelos dois focos e o centro destes últimos. O mesmo é demonstrado pelo nome egípcio ou hieróglifo de IO ou (1) que é o Dez Sagrado inicial; o Nada e a Mónada primordiais; o número “pi” ou razão suprema, paterno-materna, da circunferência ao diâmetro e, portanto, radical de quantas palavras levem implícito o conceito de paternidade: “pitar, pitri, pater, padres…”

– Mais me parece – disse o discípulo caldeu, um constante observador dos céus na Torre de Babel na Babilónia – que o Tathagata, com um desenho tão sublimemente singelo, quis convidar-nos a meditar sobre as eternas harmonias do Cosmos, no qual planetas, satélites, sóis e nebulosas descrevem círculos ou elipses em torno dos seus respectivos centros de atração, nas mais concertadas Danças Celestes…

Galáxia. Pixabay

– E também o grande Shamane nos quis lembrar – acrescentou o pintor de miniaturas chinês – a lei complementar do infinitamente pequeno cosmogónico, pois o que desenhou é a projeção dessa esfera característica de cada átomo, na qual o “ião” central está como um sol e os eletrões giratórios são os muitos planetas; o agrupamento circular da molécula orgânica em torno do hexágono-círculo nuclear do benzeno; a esfera, por fim, da célula primitiva masculino-feminina do óvulo recém-fecundado, antes de iniciar a sua primeira cariocinese…

– Ou bem o simbolismo que algum dia, segundo as nossas profecias bramânicas, usaram os bárbaros “mlechas” ou europeus, no início da sua ciência química para designar o Oxigénio, o corpo dador de toda a vida – sugeriu um vindhya das montanhas Nilgiri.

– Ou a secção do caule de cada planta; a figura de cada semente; a forma com que fica sobre a verde a folha a gota do orvalho matinal; a forma dos astros, da pérola, da lágrima, de tudo quanto, enfim, se separa daquilo que lhe deu o ser para iniciar a sua nova e independente vida – disseram vários discípulos juntos.

– E também o simbolismo de tudo que se dobra sobre si mesmo, como a Serpente egípcia do Tempo que morde-se na cauda; de tudo quanto se deteriora, enruga, reconcentra ou morre.

– Quão inocentes sois em querer particularizar o que é abstrato! – exclamou o mais cauteloso e velho dos discípulos. Certo está quanto dizeis e quanto poderia acrescentar-se; mas o desenho em si é algo muito mais elevado, como Símbolo de símbolos da Ciência três vezes sagrada, ou da Traividhya, isto é, a “negação” filosófica, o “Zero-Aster” ou “não astro” e o “Nada-Tudo”, emblema inefável e único da Divindade, Abstracta e Incognoscível, Matriz de todos os universos passados ​​e futuros, Seio Insondável de onde tudo emana e para onde tudo retorna no eterno devir de “o Uno” no Espaço e no Tempo…

Orvalho. Pixabay

Depois de todos assim terem falado, trazendo a debate os postulados mais fundamentais das diversas ciências, fez-se um grande silêncio na assembleia. A folhagem e o rio também pareceram cessar o seu monótono ritmo, ansiosos por ouvir e compreender o Mestre à sua maneira.

Capítulo IV do Livro: Por el Reino Encantado de Maya, Mario Roso de Luna

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