Os Números e a Linguagem Divina

Se há constantes e se somos no micro o que a natureza é no macro, se “o homem é um símbolo do infinito” como diria Jorge Ángel Livraga, podemos concluir que algo da nossa constituição é permanente e sobrevive à passagem de Chronos. O que em nós é permanente? Certamente não são os nossos bens, que não dependem de nós. Não são os nossos gostos e desgostos, que tanto influenciam a nossa tomada de decisões. Não são as nossas ideias passageiras, filhas do meio em que vivemos, embora se aproximem o mais possível dos arquétipos. O que é constante em nós é esse “eu” silencioso que pacientemente observa como aproveitamos ou desperdiçamos o tempo que nos foi dado para viver, o nosso olho de Hórus que tudo vê e que está sempre à espera que acertemos no nosso percurso de vida.

“A matemática é a linguagem com a qual Deus escreveu o Universo.”

Galileu

“A mecânica quântica é realmente impressionante. Mas uma voz interior diz-me que ainda não é a boa. A teoria produz um bom resultado, mas dificilmente nos aproxima do segredo do Criador. Estou, em todos os casos, convencido de que Ele não joga dados.”

Einstein

1. O que é Deus?

Esta é uma pergunta que todos já se colocaram em algum momento, mesmo aqueles que se dizem profundamente ateus. As respostas que podemos dar são infinitas, pois cada uma delas reflectirá uma verdade intrínseca, mas limitada. Deus é tudo e nada, o alfa e o ómega, a totalidade e o vazio.

Talvez no infinito encontremos a resposta para o que é Deus, pois Ele engloba tudo o que é manifesto, mas, desta forma, a tentativa de tentar compreendê-lo e conceituá-lo é infrutífera porque o limitamos. Seja como for, o importante é que o seu mistério esteja em nossos corações como uma certeza da sua existência.

Ao consultar as várias tradições que chegaram até nós, existem várias explicações para o nascimento do universo, mas uma coisa é clara: o universo é emanado e não criado, não há antes nem depois, há um surgimento de uma fonte já presente. Poderíamos questionar essa fonte, que é o Deus infinito e insondável, mas já sabemos que isso é uma tarefa infrutífera, por isso passamos à emanação.

2. Os números e a emanação do mundo

Para que essa emanação se concretize, há uma inteligência orientadora que formatará a ideação. Segundo a tradição platónica, a mente cósmica manifestar-se-á pela seguinte ordem.

  1. Ideias
  2. Números
  3. Figuras geométricas
  4. Corpos

Os números seriam o segundo momento da emanação, cuja dimensão e importância veremos a seguir. De uma forma simples, poderíamos fazer a seguinte explicação da emanação na construção de uma casa. É preciso sublinhar que esta explicação é uma chave interpretativa. Se tivéssemos que usar uma chave muito mais esotérica, esta explicação é muito básica.

Desta simples explicação, podemos extrair a ideia de que tudo no universo é regido por uma lei que lhe dá forma, tudo é regulado e tem uma explicação, nada é fruto do acaso. Esta regulação ou harmonia divina exprime-se através dos números, que são as leis que suportam e explicam logicamente a micro e a macroestrutura do universo.

H. P. Blavatsky diz em Cosmogénese (Estância III):

“(…) há duas classes de numeração que é preciso estudar: os algarismos que algumas vezes são simplesmente véus, e os Números Sagrados, cujos valores são conhecidos pelos ocultistas através da Iniciação. Os primeiros são meros signos convencionais; os segundos constituem o símbolo fundamental de tudo. Vale dizer: aqueles são puramente físicos e estes metafísicos; existindo entre uns e outros a mesma relação que entre a Matéria e o Espírito, os polos extremos da Sabedoria Una.”

A Doutrina Secreta, H.P. Blavatsky Vol. I, pág. 192, Ed. Pensamento.

Dentro destas leis do Universo, observamos elementos numéricos mais subtis que outros, principalmente quando diferenciamos os números que são dimensionais dos que são adimensionais.

3. Números dimensionais e adimensionais

A diferença entre estes números reside na existência de unidades de medida. Os números dimensionais têm dimensões e os números adimensionais não as têm. 

Mas se eles são adimensionais, o que significa um número adimensional?

O número dimensional está a medir um aspeto do mundo físico. Parte de uma unidade de base e reproduz-se para dar uma grandeza. Exemplo: 7 metros são sete unidades de 1 metro. 1 metro é a distância no vácuo da luz durante 1/299 792 458 segundos. É sempre algo quantitativo, mesmo que seja medido eletronicamente.

O número adimensional é uma realidade que não existe no mundo físico, nem macro nem micro, embora esteja incorporado em todos os elementos físicos, fazendo parte da sua essência. Os números dimensionais precisam de entrar no mundo para objetivar a sua realidade, mas os números adimensionais são realidades metafísicas e só podem ser observados indiretamente. Na Tabela 1 colocamos apenas 5 números adimensionais que a nossa ciência “descobriu”, de uma lista cujo fim não é conhecido. Cada ramo da ciência tem os seus números e quanto mais se investiga, mais se desvenda o véu de maya.

Algo comum nesses números sem dimensão é que eles são a relação entre duas grandezas, o que nos leva a pensar no que Jorge Angel Livraga expõe na palestra do Corpo Prânico sobre a “teoria do impacto”, quando diz que só pode haver consciência quando duas dimensões se entrelaçam. Só há autorreflexão quando sujeito e objeto se conhecem, quando há esse impacto. Há evolução física quando duas células se juntam e surge uma nova vida, há evolução emocional quando sentimos as vicissitudes da vida e as racionalizamos, há evolução mental quando o nosso ecletismo mental nos permite intuir a verdade. Este impacto dimensional é necessário para a evolução, e só é possível devido à existência do mundo adimensional que sustenta e apoia a nossa consciência.

Esta ausência de dimensão é absoluta se considerarmos as três dimensões da matéria, e é relativa se considerarmos o fator tempo, pois quando a escuridão da noite de Brahma substituir a luz do seu dia, até os números sem dimensão deixarão de existir.

a) Números adimensionais

H. P. Blavatsky diz em Cosmogénese (Estância IV, sloka 3):

“Assim, enquanto no mundo metafísico o Círculo com o Ponto Central carece de número, sendo chamado Anupâdaka (sem pai e sem número), porque transcende todo cálculo, no mundo manifestado, o Ovo ou Círculo do Mundo acha-se circunscrito dentro dos grupos que se chamam a Linha, o triângulo, o Pentágono, a segunda Linha e o Quadrado (ou 13514); e quando o ponto gerou uma Linha, convertendo-se em um diâmetro, que representa o Logos andrógino, então os algarismos ficam sendo 31415, ou seja, um triângulo, uma linha, um quadrado, outra linha e um pentágono. ‘Quando o Filho se separa da Mãe, torna-se Pai’, representando o diâmetro a Natureza, ou o princípio feminino.”

A Doutrina Secreta, H.P. Blavatsky Vol. I, pág. 225, Ed. Pensamento.

Com o surgimento do princípio feminino, H.P. Blavatsky dá a entender que o primeiro número adimensional que é emanado da causa sem causa é o número π (Pi, 3,1415), que é a razão entre o perímetro de uma circunferência e o seu diâmetro. Poderíamos dizer que antes do número Pi teríamos o zero e o um que gera a linha. Porém, considerando que o zero representa a causa sem causa, a origem da emanação, ou como diz Jorge Ángel Livraga na cátedra de Introdução à Sabedoria de Oriente: “O zero é o emblema mental do Todo-Nada ou Um sem Segundo. Abstrato por excelência, é, no entanto, a causa sem causa de toda a série numérica e geométrica”, não o consideramos como um número de manifestação. Por outro lado, o uno, a unidade, a origem comum de tudo, é a origem de tudo o que se manifesta após a primeira emanação, de modo que o número Pi será o primeiro número adimensional. Do zero, cuja representação é a circunferência, e do um, cuja representação é o diâmetro da circunferência, obtém-se o primeiro número adimensional π (Pi, 3,1415).

Desde o primeiro número adimensioal até ao aparecimento da matéria e dos números dimensionais é um processo de tal forma abstrato que a sua descrição pode ser variada. A magistral H.P. Blavatsky simplifica-o desta forma em Doutrina Secreta, Vol. II, Cap. 3.

“O impulso manvantárico principia com o redespertar da Ideação Cósmica, a Mente Universal, simultânea e paralelamente com o primeiro emergir da Substância Cósmica – sendo esta última o veículo manvantárico da primeira – de seu estado pralaico não diferenciado. A Sabedoria Absoluta estão se reflete em sua Ideação, a qual, por um processo transcendente, superior e incompreensível à consciência humana, se transforma em Energia Cósmica: Fohat. Vibrando no seio da Substância inerte, Fohat a impulsiona à atividade e guia suas primeiras diferenciações em todos os Sete planos da Consciência Cósmica.”

A Doutrina Secreta, H.P. Blavatsky Vol. II, pág. 34-35, Ed. Pensamento.

Este impulso “fohático” é o movimento final antes do aparecimento da matéria mensurável.

“Deste modo, há Sete Prótilos (como são chamados atualmente, ao passo que para a antiguidade ária eram os Sete Prakritis ou Naturezas), servindo cada um de base relativamente homogénea, que se vai diferenciando, no curso da Crescente heterogeneidade durante a evolução do universo, na maravilhosa complexidade dos fenómenos que se apresentam nos planos de percepção.”

A Doutrina Secreta, H.P. Blavatsky Vol. II, pág. 35, Ed. Pensamento.

Estas sete Prakritis são os elementos que darão origem à constituição septenária do universo que utilizamos para a nossa evolução.

b) Números dimensionais

O surgimento da matéria, e, portanto, dos números dimensionais, passa na sua fase final do mundo pránico para o mundo físico. A esta emanação corresponde a quantização da energia, a constante de Plank e a sua escala correspondente. A constante de Plank é o quantum de energia, a quantidade mínima de energia que um objeto pode captar ou emitir. Esta energia é mensurável e quantificável e o seu valor é 6,63.10-34 J.s. Substituindo a medida Joule pelas unidades de base, chegamos a 6,63.10-34 m².kg/s.

Nesta altura, Plank desenvolveu a sua teoria e deu ao mundo a escala de Plank, que é a quantidade mínima de cada uma destas unidades de base.

  • Comprimento de Planck = 1,6×10-35m. Esta é a distância que a luz percorre no vácuo durante um tempo de Planck.
  • Massa de Planck = 2,2×10-8kg. Esta é a massa de uma esfera cujo raio é igual ao comprimento de Planck e que geraria uma densidade de 1093g/cm3, que é a densidade do universo 10-43s após o Big Bang.
  • Tempo de Planck = 5,4×10-44s. É o tempo que a luz leva para percorrer o comprimento de Planck. O primeiro momento após o Big Bang
  • Temperatura de Planck = 1,4×1032K.

De acordo com estas constantes, no momento após o Big Bang, o primeiro tempo mensurável foi de 5,4×10-44s, e nessa altura, toda a matéria teria a temperatura de Planck 1,4×1032K, e a radiação proveniente dessa matéria teria um comprimento de onda de 1,6×10-35m.

Esta explicação inclui o conceito de Big Bang e o momento inicial da criação. É verdade que, como referimos acima, a tradição esotérica especifica que o mundo é emanado e não criado, no entanto, à falta de melhor explicação, a própria emanação tem de ser objectivada num determinado momento, pelo que a presente descrição serve como uma possibilidade em estudo.

4. Constantes universais como linguagem de Deus

Paralelamente a estas constantes de Plank, existem inúmeras outras constantes, adimensionais ou dimensionais, que fazem parte do tecido do mundo.

O que seria do mundo sem o seu número de ouro que aperfeiçoa as formas e lhes dá a sua beleza intrínseca que só se sente com o olhar? O que seria da matéria se a carga do eletrão fosse diferente? O que seríamos nós ou como seria o nosso corpo se a constante da gravidade fosse maior ou menor? Como avançaria o tempo se a velocidade da luz tivesse um valor diferente? Em suma, um número infinito de constantes que fazem parte da nossa vida e que, se variassem, tornariam a nossa experiência de vida totalmente diferente, para não dizer que seria impossível viver sem elas.

Estas constantes são a força da natureza, o veículo que permite a expressão da vida. Estas certezas são necessárias e é curioso que, consoante o campo de observação, as leis que regem estas realidades sejam diferentes. As mesmas constantes dão resultados diferentes, a mecânica newtoniana não se aplica ao nível atómico e vice-versa. As casas que se constroem são todas diferentes, embora as leis que regem os engenheiros sejam sempre as mesmas. Para termos diversidade, temos de ter constantes universais. A diversidade parte da estabilidade.

A linguagem de Deus é possível de ser expressa porque existe o seu alfabeto que são as constantes universais.

O ser humano precisa de certezas, tal como a natureza precisa dessas constantes, porque precisa de referências seguras para poder avançar no seu caminho. O que é válido hoje pode não o ser amanhã, porque a nossa consciência se alargou e os nossos conhecimentos permitem-nos intuir elementos que antes não conseguíamos alcançar. A nossa opinião não é mais do que uma opinião, no entanto, quanto mais apurada for a nossa compreensão, mais perto estaremos de intuir a Verdade, porque a Verdade não muda, tal como as constantes universais. As nossas opiniões variáveis não são números, são erros de cálculo, ou são números utilizados de forma errada.

A linguagem de Deus só é compreensível quando a entendemos na sua totalidade, e não observando fragmentos da sua verdade. As constantes universais são fragmentos da Sua verdade, são o próprio mistério observável, são a certeza de que, mesmo que percamos a fé e vejamos que todo o mundo que conhecemos pode ruir, pois a ação de Chronos é infalível, sabemos que nele a Verdade é inamovível, e todos os nossos medos, apreensões e dúvidas se dissipam porque observamos a natureza e nela vemos estabilidade e constância. Estabilidade na forma de leis inamovíveis simbolizadas pelos números, e constância na sua ação no mundo que caminha em constante evolução.

Se há constantes e se somos no micro o que a natureza é no macro, se “o homem é um símbolo do infinito” como diria Jorge Ángel Livraga, podemos concluir que algo da nossa constituição é permanente e sobrevive à passagem de Chronos. O que em nós é permanente? Certamente não são os nossos bens, que não dependem de nós. Não são os nossos gostos e desgostos, que tanto influenciam a nossa tomada de decisões. Não são as nossas ideias passageiras, filhas do meio em que vivemos, embora se aproximem o mais possível dos arquétipos. O que é constante em nós é esse “eu” silencioso que pacientemente observa como aproveitamos ou desperdiçamos o tempo que nos foi dado para viver, o nosso olho de Hórus que tudo vê e que está sempre à espera que acertemos no nosso percurso de vida.

Ao aproximarmo-nos das verdades que estas constantes universais simbolizam, aproximamo-nos também do nosso próprio mistério.


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Autoria MpF gerada por IA

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Foto de Terry Vlisidis na Unsplash

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