Todos sabemos a importância que o filósofo Platão deu às Matemáticas para educar a alma e abrir o olhar interior ao universo do inteligível. No frontispício da sua Escola de Filosofia, chamada “Academia” porque nos seus jardins prestava-se culto ao herói Akademos, lia-se: “Não entra ninguém que não saiba Geometria”. Evidentemente não devemos interpretar literalmente – a letra mata e o espírito vivifica – esta máxima, pois é certo que muitos dos seus discípulos aprendiam geometria, precisamente estudando-a neste centro de saber e de vida, e nada sabiam dela antes de entrarem nele. Talvez o seu significado seja mais abrangente: que não entre quem não tenha discernimento, que não seja capaz de separar o essencial do acessório, o aparente do real, o facto ou a ideia em si das sombras inconstantes das opiniões e fantasias.
No livro A República, Platão estabelece um programa de formação para os Guardiães da sua Cidade-Estado, para para abrir o olho interior, e elevar o olhar da alma do sensível para o inteligível, fundamento e verdadeiro propósito de toda a aprendizagem, na seguinte ordem: Aritmética, Geometria, Estereonomia, Música, Astronomia e Dialética, esta última, reservada às almas mais subtis e penetrantes, e só a partir da idade madura, para evitar que se considere a arte e a ciência de raciocinar simplesmente um jogo.
Uma das ciências mais enigmáticas – e para qual Platão salienta a sua enorme importância – é a dos Volumes, a Estereonomia, e é nela que se estudam as propriedades dos chamados Sólidos Platónicos, e certamente também dos Arquimedianos (sólidos de Arquimedes), ambos desenhados pelo sublime pincel de Leonardo da Vinci para ilustrar o livro “A Divina Proporção” do seu amigo Luca Paccioli.
Precisamente dentro desta ciência, a Estereonomia, encontramos uma passagem surpreendente na República de Platão, no livro X, que fala sobre o infortúnio insuportável – para si e para os outros – do tirano. Diz assim:
– Sabes em que proporção a condição do tirano é menos feliz que a do rei?
– Sabê-lo-ei se tu mo disseres.
– Parece-nos que existem três tipos de prazeres: um dos prazeres verdadeiros e dois dos prazeres falsos; agora, o tirano, inimigo da lei e da razão, sempre cercado por um séquito de desejos escravos e rastejantes, está situado no final dos falsos prazeres.
Agora, em que medida é inferior em felicidade ao outro, é o que não é fácil de determinar, a não ser, talvez, desta maneira.
– De que maneira dizes?
– O tirano é o terceiro depois do homem oligárquico, porque entre os dois está o homem democrático.
– Sim, assim é.
– Portanto, se o que dissemos acima é verdade, o fantasma do prazer desfrutado pelo tirano é três vezes mais distante da verdade do que o apreciado pelo homem oligárquico.
– Sim, é como dizes.
– Mas, se contarmos como um só o homem real e o homem aristocrático, o oligárquico também é o terceiro depois dele.
– De facto é.
– O tirano está, portanto, longe do verdadeiro prazer triplo do triplo.
– Assim me parece.
– Portanto, o fantasma do prazer do tirano, de acordo com este número linear [1], pode ser expresso por um número plano [2].
– Sim.
– Agora, multiplicando esse número por si mesmo e elevando-o à terceira potência [3], é fácil ver quão longe da verdade está o prazer do tirano.
– Nada mais fácil para uma pessoa que calcule.
– Agora, se virarmos esta progressão ao contrário, e procurarmos até que ponto o prazer do rei é mais verdadeiro que o do tirano, descobriremos, uma vez feito o cálculo, que o rei é 729 vezes mais feliz que o tirano, e que este é mais infeliz do que o rei na mesma proporção.
– Acabas de descobrir com um cálculo surpreendente o intervalo que separa a felicidade do justo da do injusto.
– Esse número expressa exatamente a diferença da sua respetiva condição, se tudo coincide em ambos os lados, os dias, as noites, os meses e os anos.
– De facto tudo coincide em ambos os lados.
– Mas, se a condição do justo e virtuoso, ultrapassa a do ímpio e do injusto, quanto mais ele o distinguirá em decência, em beleza e em mérito?!
– Infinitamente.
Aqui encontramos, então, uma espécie de “escada da felicidade”, onde se compara a de uns com a de outros, como degraus dessa escadaria, que como menciona Platão, vai do infinito infortúnio do tirano à grande felicidade do rei sábio. Esta medida de felicidade em proporções matemáticas é algo que também encontramos, por exemplo, na Taittiriya Upanishad. Com a diferença de que aqui não se menciona ou se mistura com desgraça e dá valor unitário a um jovem vigoroso e feliz, mas sem nenhum tipo de idealismo que eleve a sua alma. Diz:
“Suponhamos um jovem nobre, no melhor da idade, rápido e alerta, perfeitamente íntegro e completo, muito vigoroso e bem-educado, e a quem pertence toda a terra carregada de todas as suas riquezas. Nele encontramos, portanto, uma felicidade humana cuja medida é uma unidade.
Taittiriya Upanishad
Cem dessas unidades de alegria humana formam uma única unidade da que possui o manushya gandharva. Uma pessoa sábia iluminada pela revelação e livre de todo desejo possui a mesma alegria.”
Podemos traduzir “manushya gandharva” (literalmente “músicos celestes humanos”) como o verdadeiro idealista, apaixonado por um reino de beleza e verdade que quer trazer para a Terra. Na Cosmo-psicologia hindu falamos sobre os diferentes estados de consciência de diferentes seres como os diferentes quadrados de um xadrez, isto é, um quadrado de 8 x 8, e cada estado sucessivo vai aumentando, em série geométrica, a alegria, a felicidade e a luz interior. Semelhante ao rei que não podia pagar com todo o seu reino as sementes, distribuídas em potências de dois no tabuleiro de xadrez: uma num quadrado, dois no seguinte, quatro depois, até atingir 2 elevado à potência 64, cujo valor é
Platão constrói um cubo com 729 unidades, ou seja, 9x9x9. Dá a medida da maior infelicidade (ou felicidade mínima, que é o mesmo) à unidade, e felicidade máxima a 729.
Ele fá-lo depois de dividir a natureza humana em três, de acordo com seu bem conhecido esquema do homem verdadeiro – o racional, o radiante da coragem (como um leão) e o tolo (o dragão ou cobra dos desejos instintivos), e que corresponde aos três tipos de cérebro que temos (o da cabeça, o do coração e o do ventre) entre os quais se baseia a consciência humano-animal. No primeiro nível estaria o homem bom, sábio e justo (os aristos ou “nobres”), no segundo, o governado pelo dever e honra (mas sem sabedoria, a menos que seja ajudado pelo anterior) e o terceiro, o oligarca-democrata-tirano, as três fases cada vez mais escuras e ignorantes do mesmo egoísmo.
O que é surpreendente aqui é que 729 é também a soma de 364 e 365, ou seja, o número de dias e noites de um ano ao qual foi descontada uma unidade. Ambos são o alfa e o ómega do mesmo círculo, ou melhor, da mesma espiral, já que o primeiro está no topo e o último no fundo. Da mesma forma que a escala musical é septenária e a nota Si se aproxima da nota Do, que é a mesma da escala anterior ou posterior, mas num nível diferente. Ou da mesma maneira que na escala da luz o violeta é transfundido no vermelho invisível da escala seguinte. A unidade descontada deve ser a unidade do real, antes de projetar a sua sombra evolutiva, o seu círculo-espiral de sucessão de estados de consciência ou modos de ser, alternadamente luminosos e escuros, encarnados em matéria física ou não, dado que sucessão de Alternâncias ou periodicidade é uma das Leis da Natureza que afeta tudo o que tem um lugar na matéria, seja esta matéria quase infinitamente mais ou menos sutil.
Não deixa de ser curioso que a chave para a periodicidade da Terra seja a Lua [4], sem a qual não haveria vida no nosso planeta, pelo menos como a conhecemos. E que o Quadrado Mágico que atribui a Ciência Antiga à Lua seja o Quadrado Mágico 9, que como podemos ver aqui, num talismã, é precisamente o consagrado à Lua:
O Cubo Mágico da Lua, também seria um cubo de 9x9x9, com 9 quadrados mágicos de 9 × 9, quadrados mágicos diagonais, isto é, tendo todos o centro do cubo como centro; ou então, de outro modo, as secções transversais do dito Cubo, como veremos mais adiante. O Cubo Mágico da Lua é realmente o da Terra, porque a sua órbita em relação ao Sol é a mesma, e ambos, de acordo com as tradições arcaicas, são mãe e filha, respetivamente. Os Cubos – ou Tronos, como sede do divino – sempre representam o poder de formação e construção, e os Triângulos o ideal e o arquetípico, de acordo com o texto de Dzyan que H.P. Blavatksy comenta na sua Doutrina Secreta, quando ela diz que “este Fogo – o espiritual – é a posse dos Triângulos, não dos (perfeitos) Cubos que simbolizam os Seres Angélicos”.
O número 729 além de ser o cubo de 9, é um quadrado de 27 × 27. E o Quadrado Mágico (a soma das linhas e a soma das colunas devem dar o mesmo número) de 27 tem, precisamente – assim como o Cubo Mágico de 9 – o número 365 no seu centro, o número de dias de um ano terrestre.
O valor numérico das letras gregas CEPHAS, que significa em aramaico ROCHA [5], é 729, e a superfície do cubo de 9 é 486 (6 faces de 9 × 9), valor numérico da palavra “pedra” em grego.
Também na Gematria, o valor numérico das letras gregas de Harsiésis (APΣΙΕΣΙΣ) é 729. Harsiésis é Hórus – filho-de-Isis e simboliza aqui o Governante da Terra, isto é, toda a Pirâmide de Luz que é o Logos da Terra, e que entra nela nos seus níveis 9x9x9 até ser petrificada, porque mesmo no seio da matéria mais densa vibra o espírito, a “Luz Primordial” ou Pensamento Divino simbolizado por Hórus.
Plutarco, o historiador, filósofo e sacerdote de Delfos, atribuiu o valor 729 ao Sol, como 36 , enquanto a Lua é 33 (ou 27, o número de dias da sua órbita ao redor da Terra) e a Terra é o 32 (isto é, 9). O 729 é então a Escada do Ser ou para a Plenitude (Felicidade), cujos “degraus” são de ouro, isto é, de luz solar ou espiritual.
O Quadrado Mágico de 27 apareceu pela primeira vez em público na revista The Monist, dirigida por Paul Carus, conhecido orientalista (lembre-se o seu “Evangelho de Budha”) e também amante dos quadrados mágicos.
O artigo foi escrito por um certo C.A.Brown, neopitagórico e apaixonado pelas civilizações antigas, que não detalha o método de construção (é extremamente difícil construir um quadrado mágico de dimensão 27) embora o mesmo Paul Carus diga que o mais importante e mais usado é o talismânico Quadrado Mágico de 3, o chamado Lou-Sho (associado a Saturno) como pedra angular dele mesmo, repetindo-o de acordo com o método do “movimento do cavaleiro”. (Knight movement).
Se falamos de Degraus, falamos de Aprendizagem, de Experiências, de estados de consciência e de vida interior, governamos cada um deles por um Poder, Deus ou Lei. Os egípcios ensinavam que os braços da Escada de Rá (o Logos, o Sol) são formados por deuses. Em Karnac, no Templo de Mut, Grande Mãe Deusa da teologia Tebana, que tem a Lua como símbolo do Eterno Feminino que ela representa, foram encontradas 730 estátuas de Sekhmets [6]. No mesmo lugar onde encontramos o Templo de Mut foi descoberto o famoso Lago Sagrado onde eram realizadas misteriosas cerimónias aquáticas das quais nada sabemos, e que tem a forma de uma Lua Crescente.
Sekhmet é a deusa com cabeça de Leoa e representa a ação executiva da Lei, que cura destruindo, se necessário, um conceito similar ao Karma da filosofia hindu. É chamada de “a mais bela das deusas” e é a consorte do grande fogo cósmico que sustenta a natureza e todo o universo, o deus Ptah. Curiosamente as estátuas de Sekhmet foram encontrados metade em pé e metade sentadas, representando, talvez, a lei que governa os dias e as noites de um ano, símbolos dos ciclos de atividade e descanso ou manvantaras e pralayas do Universo. A Lei, sempre alerta, como o Deus Varuna vigilante do Coração de Diamante do Cosmos adormecido, está às vezes ativa e outras vezes passiva a aguardar a hora em que a sua ação deve ser consumada.
Talvez em vez de 730 [7], como se diz, sem muita segurança, haveria 729 representando os diferentes cubos (já que o Karma é representado por um quadrado simples, por um quadrado duplo ou por um cubo do qual não se pode sair até ter completado todas as experiências que o Tempo reserva nele, tais como a letra hebraica Cheth ou número 8, semelhante talvez ao Seth egípcio) dentro do próprio Grande Cubo da Existência, ou noutra chave, da vida e da consciência na Terra, até se abraçar e fundir com a Luz – Osíris no seu próprio Santuário, o equivalente egípcio do Nirvana Budista.
É reveladora a última frase do texto de Platão, quando diz:
“- Mas, se a condição do justo e virtuoso ultrapassa a do ímpio e do injusto, quanto mais ele o distinguirá em decência, em beleza e em mérito?!
– Infinitamente.”
Como no exemplo anterior do xadrez, são 729 os “quadrados” da condição-existência, desde a extrema ignorância humana à perfeita sabedoria e justiça. Mas estas são as caixas formais, não nos dizem como a luz divina aumenta nelas, mas está implícito que é uma série geométrica. Da mesma forma que no “xadrez” cosmológico nos referimos à fábula em que o duplo cresce em cada célula, imaginemos que, se a vida é septenária em si mesma, cresceria sete vezes mais em cada um dos Cubos governados pelo Karma: a Vida Eterna manifestaria sete vezes mais poder em cada nível superior, então no final seria 7729 (sete elevado à potência 729) um infinito, como Platão aponta, para nossa mente e percepção, por mais que desejemos projetar em números o seu alcance.
[1] Refere-se, claramente, ao número 3, que é um número linear.
[2] Refere-se ao número 9, que é 3×3, logo, um número plano, quadrado.
[3] Ou seja, multiplicando o 3 por si mesmo dá 9, e elevando o 9 ao cubo, dá 729.
[4] No capítulo “A Criação de Seres Divinos nas versões exotéricas” na Antropogénese de H.P.B. lemos: “E a Lua, na Cabala hebraica, é o Argha (Arca e Santuário) da semente de toda a vida material.”
[5] Por isso o nome de Simão Pedro é “Rocha”
[6] Não encontrei nenhuma referência do número exato, uns dizem 720, outros aproximadamente 730, dois para cada dia do ano.
[7] A maior parte das Sekhmets em pedra, de mais de dois metros de altura, que há nos diferentes museus do mundo veem destas 730 ou 729 do templo de Mut em Karnac.