Proporção Áurea: a relação que unifica e sustém o Cosmos

“Portanto, quando Deus começou a construir o corpo deste mundo, fê-lo a partir do fogo e da terra. Mas é impossível combinar duas coisas sem uma terceira, é preciso que haja entre elas um vínculo que as una. Não há vínculo melhor do que aquele que faz de si mesmo, e das coisas que une, um todo único e harmonioso; tal é a natureza das proporções”. (Platão - Timeu, 31b4 - c5)
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A matemática provavelmente esteve presente, de uma forma ou de outra, em todas as culturas que a humanidade concebeu, ocupando um papel fundamental na compreensão das leis do cosmos. Todos os fenómenos naturais eram entendidos como resultados de leis e estas manifestavam-se de acordo com proporções numéricas. A matemática permitiu aos povos entender como se relacionam os inúmeros ​elementos do cosmos, através de padrões imutáveis ​​e atemporais. Por meio do seu estudo e reflexão, puderam explicar a estrutura invisível da natureza, as relações entre as partes do cosmos e como os princípios que regem o universo se manifestam também nos humanos e nas sociedades.

Platão em “A Escola de Atenas” com o Timeu debaixo do braço. Domínio público

Em termos filosóficos, Platão explica no diálogo de Timeu que, sempre que houver duas partes, há um terceiro elemento que as unifica e completa a geração. Este terceiro elemento é o vínculo que as une, que não é da mesma natureza, mas de natureza superior por envolver e compreender as partes. Esse terceiro elemento é o que Platão chamou de Logos, termo que também se traduz como relação, razão, vínculo, inteligência, palavra ou verbo, entre outras concepções e o ser humano poderia aceder a essas relações por meio da imaginação. Esta capacidade subtil da mente humana permite conhecer o que está por trás do mundo manifestado. A imaginação actua como uma ponte entre o que existe e o que é.          

A Proporção Áurea, Razão Divina, Número de Ouro ou qualquer um dos nomes que recebeu ao longo do tempo, é uma dessas características distintivas do universo e configura um dos segredos do conhecimento clássico. Foi conhecida nas culturas mais remotas e trazida à luz novamente durante o Renascimento europeu pela mão de personagens como Luca Paccioli e Leonardo da Vinci. Esta “proporção divina” é uma relação -um logos- particular da natureza e é conhecida hoje pela letra grega ϕ (fi).


          Tanto para algumas tendências actuais da ciência como para as tradições clássicas, o universo surge de um centro onde tudo está contido e em determinado “momento” começa a expandir-se devido à divisão desta Unidade Primordial. O cosmos, então, seria gerado pela “fragmentação” do Uno. Quando surgem numerosas partes, aparecem vínculos entre elas, uma vez que os matemáticos entendiam que as múltiplas partes do universo vão estar separadas, mas mantendo-se unidas pelo vínculo, por uma razão mantendo a unidade universal.

Pois, se as partes não estivessem unidas, não existiria o cosmos como manifestação.

          A chave para os filósofos matemáticos era encontrar essas relações e praticá-las na vida quotidiana. Segundo numerosas personagens como Pitágoras, por exemplo, o ser humano tem a possibilidade e a responsabilidade de captar os números e as proporções que determinam as leis do céu e, assim, traduzi-las no mundo manifestado. A proporção áurea é uma dessas leis; é um princípio pelo qual o universo se desenvolve, se desenrola e os seres evoluem.


Retrato de Luca Pacioli, atribuído a Jacopo de ’Barbari. Creative commons

Proporção e analogia

Matematicamente, a divisão entre partes ou números inteiros também é chamada de razão ou fração. Assim, por exemplo, o resultado da razão entre as duas partes seria A / B = C. Este novo número que surge, C, tem uma dimensão diferente de A e B e representa o vínculo que as unifica. Suponhamos que temos dois elementos A = 1 e B = 2. O logos ou relação entre B e A é 2, já que B / A = 2/1 = 2. Suponhamos agora que existe um terceiro elemento C que mantém a mesma proporção. Aqui teremos C = 4, tal que C / B = 4/2 = 2. No exemplo, existem três elementos diferentes unificados pela mesma proporção. Quando mais de duas partes mantêm uma relação idêntica entre si, diz-se que existe uma analogia. Há um vínculo único, um Logos compartilhado por numerosos elementos. Além disso, quando se conhece a analogia, não é necessário saber com antecedência o valor do seguinte. Neste exemplo, sabendo que C é análogo a A e B, pode deduzir-se o seu valor.

É muito importante ter presente que, embora a proporção que se mantém seja uma, a ordem das partes é essencial para compreendê-la. Para que haja uma analogia, também deve haver uma hierarquia entre as partes. Poderia dar-se o caso inverso ao dado, onde B / C = 1/2; neste caso a proporção é idêntica, mas a ordem é inversa, com relações directas e inversas, dependendo do sentido em que é analisada. A analogia, então, permite compreender a Unidade que está por trás da multiplicidade e é uma ferramenta fundamental na filosofia, pois  permite ver o todo na parte e cada parte no todo.

A proporção áurea, modelo de crescimento e desenvolvimento da natureza. Domínio público

Proporção áurea

Das inúmeras proporções que poderiam existir, existe uma especial a que se chamou de “Proporção áurea”. Matematicamente, essa razão é encontrada naqueles fenómenos em que C não surge como um novo elemento desproporcional, mas sim em que C é composto pelo que já existe. De forma que, retomando o exemplo anterior: C = A + B. Quando isso acontece, tem-se a proporção áurea onde (A + B) / B = ϕ = 1,618… com infinitas casas decimais.

Esta característica da natureza mostra a maneira “económica” como ela se desenvolve e evolui. O cosmos gera um terceiro elemento, uma nova parte, um novo ser vivo, tomando o que já existe. Assim, os seres evoluem de maneira continua a partir do que já existe.

          Quando acontece a proporção áurea, conclui-se que a pequena parte está para a grande parte, assim como a grande parte está para o Todo; ou seja: B / A = C / B. Esta questão também assume uma matriz simbólica. Pois o pequeno e o Todo encontram-se vinculados no Universo mediante uma mesma proporção sob uma razão única. Todos nós compartilhamos o mesmo Logos.

          Um exemplo claro onde a proporção áurea se manifesta geometricamente é na estrela de cinco pontas: um símbolo que identificava os pitagóricos. Essa estrela de cinco pontas tem a proporção áurea entre os seus lados e ângulos, pois encontra-se inserida fractalmente num pentágono, como pode ser visto na figura seguinte. É importante destacar, como se vê no exemplo, que esta proporção particular tem características fractais, uma vez que existem infinitos pentagramas e pentágonos dentro e fora do desenho mostrado.

Relação entre a Proporção Áurea e a sequência de Fibonacci

Fibonacci foi um matemático renascentista que, por volta do ano 1550, se inspirou ao observar o desenvolvimento e a maneira como a natureza se reproduz. Fibonacci propôs uma sequência de números que era a mais económica da natureza. De tal forma que cada número que continua a sequência seja obtido pela soma dos dois anteriores. Assim, descobrimos que os primeiros dez elementos são: 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55 … e assim infinitamente.

À medida que a sequência numérica avança, ao dividir um elemento pelo anterior, o resultado tende 1 para o valor de ϕ. Por exemplo: 2/1 = 2; 3/2 = 1,50; 5/3 = 1,67; 8/5 = 1,60; 34/21 = 1,619; 55/34 = 1,618.

          No início da sequência, mostra-se uma etapa de “desordem”, mas à medida que ela continua, o equilíbrio é encontrado; a sequência está próxima do desenvolvimento harmonioso que a natureza mostra através de ϕ. Assim como pode ser observado ao aprender a andar, aprender a ler, escrever, sentir e como em tantos outros exemplos da vida do ser humano que envolvem aprendizagem, desenvolvimento e evolução.

A sequência de Fibonacci representa processos que obedecem à premissa da proporção áurea em que o elemento C é obtido pela soma de A + B. Essa sucessão mostra um padrão, um modelo de crescimento harmonioso da natureza configurando o esqueleto invisível do universo em contínua expansão e desenvolvimento. Parece que ϕ é o poder que ordena e estrutura o cosmos relacionando harmoniosamente as partes com o todo e se revela através da multiplicidade em todas as escalas.


[1] Em matemática, este termo é usado para expressar os resultados que se aproximam a um número, mas nunca o alcançam exactamente. Neste caso, por terem ϕ infinitas casas decimais, elas nunca poderiam coincidir exactamente.

Foto de capa: https://pixabay.com/pt/photos/f%c3%b3ssil-amonite-petrifica%c3%a7%c3%a3o-lesma-111498/ Pixabay licence

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