4. Quanto aos Números, temos de examinar como são no plano inteligível. São algo acrescentado às outras Formas ou Ideias ou até nada mais que companheiros necessários para elas?
O Ser, como o primeiro por natureza, dá-nos a concepção da Mónada; depois, atendendo a que o Movimento e a Estabilidade procedem do Ser, já concebemos uma Tríade; e assim sucessivamente cada Número em cada uma das seguintes Formas. Ou talvez assim não seja, mas antes, para cada Ente se gere uma Mónada, ou melhor, no primeiro uma Mónada, no seguinte e existindo uma ordenação, uma Díade e assim por diante gerando um Número da mesma quantidade de cada Ente, por exemplo, se dez a Década? Ou, se assim não for e concebamos o Número uma produção directa do Princípio Inteligível, uma Ideia em si mesmo, coloca-se a questão de saber se é anterior ou posterior às outras Formas ou Ideias.
Platão dizendo que os homens chegaram à noção de Número pela sucessão alternada dos dias e noites – atribuindo assim esta concepção à alternidade das coisas – parece querer afirmar que as coisas numeráveis precedem e, pelas suas alterações, produzem o número. Este consistiria então num processo dentro da mente humana: passando de coisa para coisa provoca o processo de contagem quando a mente observa as coisas e vê as suas diferenças; quando observa algo idêntico e não diferenciado chama-lhe um.
Mas Platão também fala no “verdadeiro Número” que está na Essência afirmado assim, contrariamente, uma auto-subsistência do Número que não está na mente numeradora e é realidade em si, uma noção despertada na mente por efeito da mutabilidade do mundo dos sentidos.
5. Qual é então a verdadeira natureza do Número?
É um concomitante, uma espécie de acrescento mental a cada Essência? Por exemplo, “homem” é também “um Homem”, “ente” é também “um ente”? E a totalidade dos individuais é um número total?
Mas então como reduzir à unidade a díade e a tríade e a totalidade dos números, um a um? Como é que o total pode ser unidade e qualquer número particular reduzido à unidade? Nesta hipótese, o Número seria uma multiplicidade de unidades, mas nenhum número podia ser reduzido à unidade, a não ser o simples “um”. A não ser que digamos que a díade é apenas a própria coisa, ou melhor, o que é observado sobre aquela coisa que tem duas potências combinadas de forma composta em unidade. Portanto, o Número será anterior ao movimento, pois o movimento é “um movimento”, e anterior ao ente para que este também possa ser “um ente”. Não me refiro àquele Uno que dissemos estar “mais além do Ser”, mas sim a este uno que se diz de cada uma das Formas. E, portanto, a Década será anterior à coisa que se figurar como dezena. E será a Década em si e não, de certeza, a coisa em que a mente percebe a dezena.
Não será que o número observado nas coisas se gere e constitui com os Seres Reais?
Pode ser gerado com os Seres, tal como a brancura observada nas coisas é real, tal como o movimento observado nas coisas tem uma existência real de movimento. E se a unidade fosse um elemento composto, teria de ser primeiro Unidade-em-si para poder ser unidade-com-outro. Além disso, ao misturar-se com outra coisa tornando-a una, faria um falso uno pois está a coisa e a sua qualidade de unidade.
Mas, que dizer da Década? Onde está a necessidade da Década em se unir a uma dezena de coisas para atingir aquilo que é a sua própria potência décupla? Se a matéria for enformada por essa potência, se for dez e dezena por participação na Década, então é necessário que a Década exista primeiro em si mesma sem ser outra coisa senão apenas Década.
6. Se a Unidade em si e a Dezena em si existem separadamente das coisas e, depois, estes inteligíveis, além da sua própria essência, têm também a sua ordem, Hénades1, Díades e Tríades, qual será a natureza destas entidades numéricas e como se constituem?
Para começar, qual é a origem das Ideias em geral? Primeiro há que ter em conta que a Essência das Formas não existe pelo facto do sujeito pensante ter pensado cada uma delas e assim lhes ter dado realidade pelo simples acto de as ter pensado. Porque a Justiça não nasceu pelo acto de ser pensada pelo pensador, nem veio à existência o Movimento porque o pensador pensou no movimento. Porque, supondo isto, o produto do pensamento deveria ser posterior ao próprio objecto pensado – o pensamento da justiça posterior à Justiça em si – e o contrário, o pensamento deveria ser anterior ao objecto que subsiste como resultado do pensamento visto que existe por tê-lo pensado.
Mas, supondo que a Justiça se identifica com tal pensamento, em primeiro lugar seria absurdo que a Justiça nada fosse mais do que uma simples definição. Não consistirá, de facto, ter pensado na Justiça ou no Movimento o acto de ter captado a quididade de ambos? O contrário seria captar a noção de uma coisa que não existe, o que é impossível. E se alguém alega que “nas coisas imateriais a ciência identifica-se com o seu objecto”, há que entender o seguinte: não quer dizer que a ciência seja o objecto nem que a consideração seja o próprio objecto, pelo contrário, que o próprio objecto, estando na matéria, é simultaneamente inteligível e intelecção. Não intelecção que consista na concepção do objecto ou na intuição do objecto, mas que o próprio objecto, estando na região inteligível, não seja outra coisa senão inteligência e ciência. Porque não foi a ciência que transformou o objecto, mas sim o objecto que transformou a ciência de instável quando ao nível da matéria noutra diferente, ou seja, em ciência verdadeira, de imagem do objecto ao objecto em si.
Portanto, não é o pensamento do Movimento que produziu o próprio Movimento, mas sim que o Movimento produziu o pensamento, de tal modo que se transformou em movimento e pensamento. É que o Movimento inteligível é simultaneamente pensamento do objecto, e o próprio objecto é movimento porque é Movimento primeiro – de facto não há outro anterior a ele – e é o Movimento real porque não é consequência de outro mas acto do Ser que se move em acto.
Assim também, a Justiça não é pensamento de Justiça mas uma espécie de disposição da Inteligência, ou melhor, uma determinada actividade cujo “rosto” é verdadeiramente belo, “e nem o luzeiro vespertino nem o matutino” são tão belos nem qualquer outra coisa. É como uma estátua inteligente que está de pé por si própria e manifesta-se em si mesma, ou melhor, existe em si mesma.
1 Do grego ena: um