Diz-se que a multiplicidade é um decaimento da Unidade, sendo o infinito o total afastamento, uma inumerável multiplicidade, e que por isso o ilimitado é um mal e nós imperfeitos no estado de multiplicidade.
Uma coisa, de facto, torna-se múltipla quando, incapaz de se manter centrada em si mesmo, flui para o exterior e por essa dispersão toma extensão: perdendo totalmente a unidade, torna-se múltiplo uma vez que nada liga as partes; mas quando ao mesmo tempo vai fluindo e se torna algo definido, então converte-se em magnitude.
Mas o que há de temível na magnitude?
Se tivesse consciência, sentindo o exílio, haveria de notar o auto-afastamento da sua própria essência. Qualquer coisa procura não outra coisa mas sim a si mesma; nessa exteriorização há leviandade ou necessidade; e cada coisa é mais ser não quando se torna múltipla ou extensa, mas quando é de si mesma, e é de si mesma quando está centrada em si mesma. O desejo de extensão é ignorância da autêntica grandeza, um movimento não para onde se deve ir mas para o exterior; para a posse de si mesmo o caminho é para si mesmo.
Considere-se uma coisa que tomou extensão; dividida em tantas partes independentes, é agora essas várias partes e não aquilo que foi; para persistir o original, os componentes devem estar totalmente ligados; por outras palavras, uma coisa é ela própria não pela extensão mas porque permanece uma unidade: pela expansão e medida pela expansão é menos ela própria; retendo a unidade, retém o seu ser essencial.
Mas, então, o Universo tem simultaneamente extensão e beleza?
Sim; porque não lhe foi permitido escapar para a ilimitação pois é firmemente mantido pela unidade; e é belo não por ser grande mas em virtude da Beleza; e porque se fez grande teve necessidade da Beleza; e se fosse apenas grande, quanto maior fosse mais feio apareceria. Assim, a extensão é matéria da Beleza, e aquilo que exige ordem é devido à sua multiplicidade. Quanto maior a expansão, maior a desordem e fealdade.
Que é, então, o “Número do Infinito”?
Para começar, como pode ser Número se é infinito?
Os objectos dos sentidos não são ilimitados e, portanto, o Número que lhes é aplicado não o pode ser. Nem é um numerador capaz de numerar até ao infinito; embora dupliquemos, multipliquemos uma e outra vez, continuamos a terminar com um número finito; mesmo se abrangêssemos o passado e o futuro, e até se os considerássemos um todo, ainda continuamos a terminar com o finito.
Devemos então descartar a absoluta ausência de limites e pensar apenas que há sempre algo mais além?
Não, não está no poder de quem conta gerar o número: a totalidade já está definida, o número está delimitado e fixo.
No mundo inteligível, o Número está tão delimitado tal como estão os Seres: o valor do Número é o dos Seres, o número correspondente ao seu total; mas nós, do mesmo modo que pluralizamos o homem aplicando-lhe uma multiplicidade de características –o de “belo” e outras – assim, juntamente com a imagem de cada Ser formamos uma imagem do Número; multiplicamos um inexistente e assim produzimos números múltiplos; se numerarmos anos, desenhamos os números na nossa própria mente e aplicamo-los aos anos; estes números continuam a ser posse nossa.
Mas o ilimitado pode ser real se é ilimitado? Porque o que é real e existente já está aprisionado pelo número. Mas, primeiro, se há multiplicidade nos Seres reais, como pode a multiplicidade ser um mal?
É que Além, como a multiplicidade está unida, vê-se impedida de ser multiplicidade absoluta por ser uma multiplicidade una. Por isso é menos que o Uno porque tem multiplicidade; comparada com o Uno, é inferior; e assim, porque não está na posse da natureza daquele mas sim despossuído dela, ficou menorizada. Mas, graças à sua unidade, conserva a majestade ao lado daquele, reconcentra em unidade a sua multiplicidade e é permanente; a multiplicidade tem valor na medida em que tende a regressar à unidade.
Mas como conceber a ilimitação? A que existe nos seres já está limitada ou, se ilimitada, não está entre os seres mas, no máximo, nos processos tais como o Tempo. Para ser trazida para o limite deve ser ilimitada, e embora esteja limitada é ilimitada, pois o que se limita não é o limite mas o ilimitado; não é o limitado mas o ilimitado que é o sujeito da limitação. Entre o limite e o ilimitado nada há pelo meio que admita finitude. Assim, pois, o ilimitado escapa por natureza à ideia de limite e, estando de fora, vê-se preso e cercado; não escapa, porém, de um lugar a outro pois também não tem lugar, mas sim, uma vez preso, surge então o lugar.
Por isso, tão pouco há que pensar que o movimento entendido como lugar de mudança seja próprio da sua natureza, nem que o complete nenhum outro tipo de movimento. Concluindo, não se move nem tão pouco está quieto. Onde se o “onde” surgiu posteriormente? Parece, melhor dizendo, que o movimento tem algo da própria ilimitação porque ele é contínua impermanência.
Está, então, o ilimitado suspenso num mesmo ponto ou oscila de um lado para o outro? Não, de modo algum, porque ambos estados pressupõem referência a um mesmo lugar, tanto o de suspensão sem oscilação como o de oscilação.
Como podemos então conceber a ilimitação? Retirando a forma da mente, fixando uma desnuda noção e obter o que nos dá: opostos que ainda não se opõem. Pensamos no grande e no pequeno e o ilimitado é ambos; no imóvel e no movimento e será qualquer um destes.
Mas é evidente que, antes de surgirem essas coisas, não é nenhuma delas. Sem limites neste caminho ilimitado e indefinido, poderá aparecer-nos como um ou outro dos opostos. Aproxima-te, cuidando não atirar rede que cerque o seu limite, e tens qualquer coisa que se escapa, pois se encontrasses unidade já estavas a defini-la. Se a ela te aproximares como algo uno, encontrarás multiplicidade; chama-a de múltipla e novamente te enganas; pois se cada uma das partes não é unidade, também a soma de todas não é multiplicidade. Na manifestação toma a aparência de movimento; no repouso, a estabilidade possível de conceber na mente.
Não poder ser vista em si, é movimento e resvalo para fora do Princípio Intelectual; o não poder escapar estando exteriormente cercada e impossibilitada de avanço, é estabilidade.
Assim, não se lhe pode atribuir apenas movimento.
(Continua)
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