Sólidos Platónicos – parte 2

“Começarei por dizer que, para todos é evidente que o fogo, a terra, o ar e a água são corpos. Tudo o que tem a essência do corpo também tem profundidade. Tudo que tem profundidade contém em si a natureza da superfície. Uma base cuja superfície é perfeitamente plana, é composta por triângulos. Todos os triângulos têm a sua origem em dois triângulos tendo cada um, um ângulo reto e os outros dois agudos " - Platão

Dedicado aos meus amigos, em especial a José Carlos Fernández.

OS SÓLIDOS PLATÓNICOS E O TIMEU

Até agora, vimos da forma mais simples possível, como surgem os cinco sólidos e também que estes são os únicos possíveis. Platão, no diálogo “Timeu” ou da Natureza, faz uma exposição diferente, mas muito mais elegante e um pouco mais complexa. É preciso dizer que no referido diálogo apenas se apresentam QUATRO dos cinco sólidos já conhecidos, fazendo menção ao DODECAEDRO, como “uma quinta combinação que Deus usará para traçar o plano do Universo”.

Isto reforça a tradição órfica, segundo a qual “Dionísio-Criança” brinca com sete formas fundamentais simbolizadas em sete artefactos: Bola, Pião, Espelho e Dados (quatro dados).
Platão conhecia a forma do dodecaedro, mas não a menciona no Timeu porque não faz parte do processo pelo qual Deus concede a forma ao “Corpo do Mundo“.

Talvez pertença a um plano ainda mais elevado, pois, a partir dele pode-se obter todas as outras formas. 

Vejamos então, como se constrói o “Corpo do Mundo” a partir dos quatro corpos elementares, e como se constroem estes corpos a partir da forma mais simples e mágica: o triângulo.

“Começarei por dizer que, para todos é evidente que o fogo, a terra, o ar e a água são corpos. Tudo o que tem a essência do corpo também tem profundidade. Tudo que tem profundidade contém em si a natureza da superfície. Uma base cuja superfície é perfeitamente plana, é composta por triângulos. Todos os triângulos têm a sua origem em dois triângulos tendo cada um, um ângulo reto e os outros dois agudos “.

Mais adiante veremos que um desses triângulos é o rectângulo-isósceles, ou seja, é um triângulo retângulo com dois lados iguais.

TRIÂNGULO ELEMENTAR RETÂNGULO

O outro triângulo, também é um triângulo retângulo, mas com todos os lados irregulares. Das infinitas possibilidades, Platão escolhe aquela que tem os lados de maior beleza e simplicidade, um triângulo cuja hipotenusa é o dobro do cateto menor. Existe apenas um, cujos ângulos são 30 °, 60 ° e 90 °. (Já temos uma esquadra e um esquadro).

A/B = 0,5; pero A/B = Sen = 0,5 ; = 30º

TRIÂNGULO ELEMENTAR ESCALENO

 E continua, dizendo: “Aproximem dois desses triângulos seguindo a diagonal. Repitam esta operação três vezes, para que todas as diagonais e catetos menores se fixem num ponto que lhes serve como um centro comum, e tereis um triângulo equilátero formado por seis triângulos elementares “. (ver as imagens abaixo)

E assim, obtemos um triângulo equilátero, formado por seis triângulos elementares que darão origem ao tetraedro, ao icosaedro e ao octaedro.

De forma similar, obteremos o quadrado a partir de outro triângulo elementar, unindo quatro deles conforme indicado no texto.

Tanto o quadrado como o triângulo equilátero podem ser divididos infinitamente nos seus respectivos triângulos elementares. Por isso, Platão diz que os quatro elementos podem-se dissolver até penetrar e transformar-se no mais minúsculo, assim como podem justapor-se para dar origem ao Grande Elemento, a síntese final de todas as suas partículas.

Agora temos:

  1. Cubo: Sólido formado por 24 triângulos elementares. Elemento Terra.
  2. Icosaedro: Sólido formado por 120 triângulos elementares. Elemento Água.
  3. Octaedro: Sólido formado por 48 triângulos elementares. Elemento de Ar.
  4. Tetraedro: Sólido formado por 24 triângulos elementares. Elemento Fogo.

Platão chama, “ângulo plano” àquele que se forma por duas retas com um ponto comum e, por extensão, àquele que se forma por dois planos com uma reta comum. Essa linha comum é a aresta de um sólido. Por outro lado, “ângulo sólido” é aquele que se forma por três ou mais planos com um único ponto em comum, ou seja, formam um vértice.

É imprescindível agora, compreender que, se dividirmos um cubo em muitos triângulos elementares, depois de muitas divisões, os triângulos menores não mudarão de forma. Ao reuni-los obteremos cubos menores, mas não há possibilidade de obter uma forma diferente. Por outro lado, os triângulos elementares dos outros três elementos são iguais e, decompondo um desses corpos, podemos obter outro.

Fogo, ar e água são transmutáveis entre si e formam um único conjunto que se apresenta de três formas distintas. A terra, por si mesma, forma a sua contraparte.

No primeiro conjunto, o fogo seria a última síntese. No segundo, a terra seria a única existente.

Temos portanto, os dois primeiros elementos, fogo e terra, que Platão coloca na origem, é a primeira dualidade da qual surge tudo o que se manifesta.

Ambos são idênticos no número de triângulos elementares, mas de diferentes classes.

SÓLIDOS PLATÓNICOS DE “O TIMEU”

24 Triângulos Elementares Isósceles.
Terra.
24 Triângulos Elementares Escalenos.
Fogo.

48 Triângulos Elementares Escalenos.
Ar.
120 Triângulos Elementares Escalenos.
Água.

“Faltava uma quinta combinação de que Deus se serviu para traçar o plano do Universo …”

A este novo elemento Platão chama de “meio proporcional” ou “média proporcional”, que só serve para relacionar números “planos” (veja-se o problema pitagórico da duplicação do cubo, magistralmente resolvido por Platão).
Mas, era preciso que o fogo e a terra não fossem planos mas sólidos (senão não seriam corpos). Para se estabelecer uma proporção entre dois sólidos não basta um meio termo, são essenciais dois: “Deus interpôs-se, entre o fogo e a terra, os restantes dois corpos, o ar e a água, formando um todo proporcional e harmónico”.

Vejamos agora, como o ar e a água surgem quando o fogo e a terra entram em contacto. “O fogo posto em contacto com a terra, corta-a com as suas arestas vivas”, ou seja, o tetraedro e o cubo ao justaporem-se fazem com que cada aresta do tetraedro corte uma face do cubo.

Figura 1
Figura 2

Mas, cada cubo é cortado pelos dois tetraedros inscritos formando posteriormente uma estrela denominada por Kepler “Stella Octángula

Figura 3. Stella Octángula

Nesta figura, vemos como o cubo foi decomposto em cada um dos seus triângulos elementares. Esses triângulos elementares não podem combinar-se entre si, a não ser para formar outros cubos, pois a Terra não é susceptível de ser transformada em outros elementos. Após sucessivas divisões, a terra seria dissolvida e reduzida a partes irredutíveis.

Mas vamos dar mais um passo. Uma vez que existem dois tetraedros inscritos, cada um parte do outro e são decompostos em triângulos elementares que podem recombinar-se para formar a água e o ar.

Na seguinte imagem podemos ver o resultado da face triangular de um tetraedro após ter sido cortada pelo outro:

Porém, não esqueçamos que o triângulo equilátero é composto por seis triângulos elementares, sendo a seguinte imagem a forma final que se obtém:

Sendo dois tetraedros, temos um total de oito faces, como a anteriormente. A área a tracejado tem seis triângulos que perfazem um total de 48. Assim, obtivemos a forma correspondente ao elemento ar, o octaedro (48 triângulos elementares). Na “Stella Octángula” vemos claramente essas três formas, das quais apenas o cubo é decomposto em seus triângulos elementares.

Vejamos agora como os triângulos, na área não tracejada, nos permitem obter o elemento água. Temos um total de 48 triângulos (em todas as oito faces). Para obter um icosaedro precisamos de 120, então teríamos que repetir esse processo 2,5 vezes (impossível), mas não o podemos fazer porque não é um número inteiro.

Aparentemente, chegámos a um beco sem saída, mas, lembrando o diálogo de Platão,  podemos consultar o “plano”:

“Sobrava uma quinta combinação que Deus usou para desenhar o plano do Universo.” Ele referia-se ao dodecaedro.

No figura 4 vemos precisamente um dodecaedro acompanhado por um cubo. Se inscrevermos o cubo no dodecaedro, cada aresta do cubo transforma-se numa diagonal de uma face do dodecaedro – ver figura 4, em  baixo. Uma face pentagonal possui 5 diagonais e um dodecaedro admite 5 cubos inscritos – figura 5. Cada cubo admite um par de tetraedros como já vimos na figura 3, que perfaz um total de 10 tetraedros formando 5 pares.

  • Diagonais das faces de um dodecaedro = 5 x 12 = 72.
  • Arestas de 5 cubos = 5 x 12 = 72.
Figura 4
Figura 5

Na Figura 6, vemos esses 10 tetraedros formando 2 pentatetraedros.

Figura 6

Na figura 7 vemos o dodecaedro, mas desta vez com os 10 tetraedros inscritos separados em dois grupos de 5.

Figura 7

Se depois desta exposição voltarmos a Platão, veremos que o problema que surgiu ao tentar obter o icosaedro, está resolvido.

Explicamos: tínhamos 48 triângulos para construir um icosaedro quando na verdade são necessários 120 (2,5 vezes mais). Agora, ao introduzir a figura do dodecaedro, o processo inicial é multiplicado por 5 (isso se possível porque é um número inteiro), portanto, temos 48 x 5 = 240 triângulos elementares e, portanto, dois icosaedros de 120 triângulos além de 5 octaedro de 48.

Tudo se encaixa e forma um único todo, que inscrevemos numa esfera dionisíaca antes de fazer o seguinte resumo:

ANEXO:

Existem algumas formas que não foram comentadas até agora. Estas devem servir apenas de exemplo, pois existem muitas relações possíveis entre formas geométricas, além daquelas que foram comentadas por Platão, sendo esta última a mais completa. Isto poderá ajudá-lo a exercitar a visualização.

Figura 8: Podemos obter um dodecaedro unindo os centros de cada face de um icosaedro e vice-versa. São as únicas duas figuras geométricas que evidenciam as proporções áureas. O dodecaedro como a quinta essência e o icosaedro como o elemento água. Lembremos que no reino mineral não existem proporções áureas. As proporções áureas aparecem no mundo vegetal e superiores. São chamadas “duais” porque podem ser obtidas uma a partir da outra unindo os centros das faces.

Figura 8

Figura 9: Mostra uma das possíveis relações entre o cubo e o icosaedro, bem como uma das propriedades áureas do icosaedro.

Figura 9

Figura 10: Aqui vemos um dos 5 possíveis octaedros inscritos num icosaedro. Cada um dos vértices do octaedro cai numa aresta do icosaedro.

5 octaedros = 30 vértices = 30 arestas do icosaedro.

Figura 10

Figura 11: É uma simplificação da Figura 3.

Figura 11

Figura 12: Esta e a anterior mostram-nos que o octaedro e o cubo são figuras duais.

Figura 12. NOTA: Em ambos os casos, obteve-se a forma unindo os pontos médios de cada face da forma anterior.

 Figura 13: O tetraedro é dual em relação a si mesmo.


BIBLIOGRAFIA:

O Timeu, Platão.

Imagem de capa:

Link: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Platonic_solids.jpg

Licença: Wikimedia commons

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