Textos Pitagóricos

Não se deve falar sem tocha das coisas divinas. Não fales de Deus publicamente nem de assuntos públicos no templo de Deus. (Pitágoras)
1 Pitágoras, detalhe da Escola de Atenas, de Rafael Sanzio. Domínio público. Recortada

Deus

Um coração divinamente inspirado e solidamente firme, une-nos a Deus, porque é preciso que o semelhante atraia o semelhante… todo aquele que faz da sua alma uma imagem divina, prepara-a como um templo para receber a luz divina… Deus não tem sobre a terra lugar mais habitável do que uma alma purificada. (Hiérocles)

Se Deus, que nos protege, distribui a cada um, segundo a sua dignidade, o que mais lhe convém e sendo Ele alheio às causas que nos fazem felizes ou infelizes, infere-se que Ele, o supremo mestre, nos outorga, conforme as leis da justiça, as merecidas retribuições… Deus, de facto, nunca se obstina em recompensar ou punir um homem de preferência a outro, mas tratá-lo como ele fez a si mesmo. E essa causa, está em nós… Se não houvesse providência divina, não haveria ordem no mundo. E essa ordem chama-se destino. (Hiérocles)

Ser humano

Entre eles há outra divisão do seguinte tipo: existe em nós certa coisa que é a alma e outra que é o corpo. A primeira manda e a outra obedece; a primeira exerce o uso e a outra é de tal condição que é utilizada; a primeira é divina, boa e é-nos muito própria, enquanto que a outra está constituída de diferente forma graças a ser servidora e pela sua dependência de uma necessidade da vida ordinária do ser humano. Temos de nos preocupar mais com o que manda do que com o que obedece, e com o que é mais divino e mais próprio do que com o que é inferior. 

O homem privado de sentido e de razão parece-se com uma planta e, quando se encontra privado de razão apenas, converte-se numa fera; mas, na falta de irracionalidade e com as suas faculdades mentais, assemelha-se a Deus.

Isto é óbvio para qualquer um: ninguém escolherá viver com uma grande quantidade de recursos e poder dos homens, depois de ter perdido, a razão e ter ficado louco, nem que fosse para levar uma vida de desfrute de prazeres muito intensos, como a levam alguns dos que perdem a razão. Em consequência, todos evitam sobretudo, segundo parece, a insensatez. A razão é contrária à insensatez e, nos contrários, deve evitar-se um e escolher outro. (Jâmblico, Protréptico) 

A ignorância do que há de melhor no homem serve fatalmente o que há de pior nele. Dessa servidão tem de se libertar e o seu único meio é o retorno, pela empresa da reminiscência, até chegar ao inteligível e a Deus. (Hiérocles)

Pitágoras disse que a medicina é a mais divina das artes; mas torna-se necessário que o médico se ocupe da alma ao mesmo tempo que do corpo. Porque, como poderia considerar-se são um ser cuja parte mais importante estivesse doente? (Apolónio de Tiana)

Não são felizes, na verdade, os que tratam de suprimir a beleza moral descartando qualquer discussão e reflexão sobre este assunto, procurando o prazer na ausência da dor, nos prazeres físicos primitivos e simples, nas inclinações irreflexivas, tando do corpo como da alma, e honrando-as como se elas constituíssem a própria beleza. Estes cometem uma dupla falta ao rebaixar o bem da alma e as suas funções superiores ao nível do seu corpo, e elevando o bem do corpo ao alto grau que deve ocupar o deleite anímico. (Arquitas)

Purifica o teu coração antes de permitir que o amor se assente nele. O mel mais doce azeda num recipiente sujo. Verificarás que os males dos homens são fruto da sua escolha, e que a fonte do bem a procuram longe, quando na realidade a levam dentro do seu coração. (Pitágoras)

Pitágoras dizia que o homem era um microcosmos, ou seja, um compêndio do universo; não porque, como os restantes animais – incluído o mais ínfimo deles – esteja constituído pelos quatro elementos, mas porque contém todos os poderes do cosmos. Pois o universo contém Deuses, os quatro elementos, animais e plantas. Todos estes poderes estão contidos no homem. Tem a razão, que é um poder divino; tem a natureza dos elementos, e os poderes do movimento, do crescimento e da reprodução. Não obstante, em todos estes [poderes] é inferior aos outros [seres]. Por exemplo, um atleta que pratica cinco desportos diferentes, diluindo os seus poderes em cinco canais, é inferior a um atleta que pratica um só desporto bem; do mesmo modo, o homem, tendo todos os poderes, é inferior em cada um deles: temos menos capacidade de raciocínio que os Deuses, e menos de cada elemento que os próprios elementos. A nossa ira e desejo são inferiores a estas paixões dos animais irracionais, em tanto que os nossos poderes de nutrição e crescimento são inferiores aos das plantas. Constituídos deste modo de diferentes poderes, temos uma vida difícil à nossa frente. (Fócio)

Pesquisa. Pixabay

Filosofia

“A filosofia é um perpétuo estado de inspiração. Não tendo nada, possuem-se todas as coisas.” 

(Apolónio de Tiana)

Pitágoras respondeu que não conhecia nenhuma arte, mas que era filósofo. Leão ficou surpreendido com este novo nome e perguntou quem eram esses filósofos e que diferença havia entre eles e o resto da humanidade. Pitágoras respondeu que cria que a vida do homem era como uma feira considerada a maior ostentação de competições atléticas e frequentadas por todo o mundo grego. Alguns vão para conseguir a glória e a nobreza da vitória com o exercício atlético dos seus corpos; outros vão comprar e vender com a esperança de conseguir proveito e benefício; mas há certa classe de pessoas, as mais nobres, que não procuram aplauso nem benefício, mas que vão somente para observar e ver intensamente o que ocorre e como. Igualmente estamos presentes aqui como se se tratasse de uma grande feira, vimos de uma cidade, trocamos de uma vida e forma para outra, alguns vêm para estar ao serviço da glória, outros do dinheiro, mas existem uns poucos escolhidos que estudam o universo, e que consideram que nenhuma outra coisa tem importância. Estas pessoas chamam-se a si mesmas amantes da sabedoria, por outras palavras, filósofos. (Cícero)

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E se unicamente a filosofia está dotada por natureza a proporcionar a perfeita virtude e pureza da alma, vale a pena que nos dediquemos apenas a ela: porque não está permitido aproximar-se da linhagem dos deuses àquele que não filosofa e vai inteiramente limpo; só ao amante do saber. Mas devido a isto os filósofos autênticos renunciam a todos os desejos do corpo, fortalecem-se, sem temor à ruína nem à pobreza, e não se entregam aos desejos, como o vulgo e os avarentos. 

O mesmo fim tem a recomendação: “Quando te ausentes de casa, não voltes para trás, pois as erínias perseguem-te”. De facto, isto também exorta à filosofia e à liberdade de pensamento. O símbolo demonstra e proclama claramente: quando te consagres à filosofia, separa-te do corpóreo e sensível, e exercita-te realmente na morte, caminhando, sem voltares para trás, através da adequada ciência matemática, até ao inteligível e imaterial, que se mantém sempre na mesma tónica e da mesma maneira. Pois a saída produz-se pela mudança de lugar, e a morte é a separação da alma do corpo. (Jâmblico, Protréptico)

Formação filosófica

 “Tomai do sábio o azeite da sua lâmpada. O início da sabedoria é o silêncio.” (Pitágoras)

Comecemos agora a análise da sua doutrina a partir de uma preparação geral para toda a educação, tanto no que respeita à ciência como à virtude; esta educação, sem excluir parcialmente, prepara o homem para se adaptar a uma única função entre todas, ou seja, incita os seus desejos em direção a todas as disciplinas, para todos os saberes e para todas as belas e nobres ações que se dão na vida, para todos os ensinamentos e, para dizê-lo numa palavra, em direção a tudo o que participa do bem. De facto, sem uma incitação não é possível dedicar-se a ocupações belas e nobres, nem tampouco o de predispor a alguém, de imediato, para o bem mais excelso e perfeito antes de levar a cabo uma preparação prévia da sua alma por meio da exortação. (Jâmblico, Protréptico)

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Para teres grandes ideias, rodeia-te de belas imagens. Sê amável e sábio ao mesmo tempo. A visão de um sábio amável é o mais belo de todos os espetáculos. Mede os teus desejos, pesa as tuas opiniões, conta as tuas palavras. 

Prefere o bastão da experiência ao carro veloz da fortuna. O filósofo viaja a pé, escolhe sempre o melhor caminho. Por mais penoso e difícil que seja, o hábito te o tornará fácil e agradável. (Pitágoras)

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 “Os pitagóricos comemoram o nascer do sol”, Fyodor Bronnikov, 1869. Domínio Público

Sobre as atividades que tinha encomendado para todo o dia aos seus discípulos, falarei de seguida, porque sob a sua direção, assim obravam os que seguiam os seus passos. Estes homens faziam passeios matutinos solitários e por paragens em que havia calma e uma adequada tranquilidade, onde havia templos, bosque e sítios para se regozijarem. Criam, de facto, que era necessário não se encontrar com alguém até sossegar a sua própria alma e ordenar a mente. E tal tranquilidade era apropriada para o sossego da mente, pois consideravam perturbador introduzir-se entre a gente, logo ao levantar. Por isso, todos os pitagóricos escolhiam os lugares com um carácter mais sagrado. E então, depois do passeio matutino, relacionavam-se entre si, especialmente nos templos, ou então, em lugares similares. E utilizavam esse momento para o ensinamento, a aprendizagem e a correção da conduta. 

Noutros momentos, utilizavam a música como terapia. Determinados cantos tinham como objetivo a cura das paixões da alma, dos desânimos e das duros lamentos (Pitágoras concebeu-os precisamente como uma grande ajuda) e, outros para as explosões de cólera, da ira e de todas as alterações da alma desse tipo; e também para os impulsos instintivos, inventou outro tipo de melodia. Também se praticava a dança. Como instrumento, serviam-se da lira, porque considerava que a flauta tinha um som excitante e festivo que, de modo algum, era próprio do homem livre. Empregava também expressões de Homero e Hesíodo, selecionadas para a correção da alma. Também consideravam, no âmbito do pensamento, que não podiam estar umas vezes contentes e outras deprimidos, mas alegres no meio de uma tranquilidade constante. Rechaçavam os arrebates de cólera, os desânimos e os desequilíbrios, e tinham a norma de que nenhum dos acontecimentos humanos deveria ser inesperado para as pessoas judiciosas, mas que se deveria esperar tudo aquilo que não está sob controlo. Mas se alguma vez lhes surgiam reações de cólera, aflições ou outra contrariedade semelhante, afastavam-se e, concentrando-se cada um em si, tentavam digerir e curar a sua afeção.  

Igualmente, praticavam o exercício da continência verbal e do silêncio total, com uma prática de muitos anos para dominar a língua; tudo isso exercitava o seu valor. Deste modo, também a investigação e recuperação contínua e incessante das questões teóricas mais complexas. (Jâmblico, Vit. De Pit.)

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Busto de Pitágoras, Roma. Pixabay

Estes homens abstinham-se de lamentações, lágrimas e de toda manifestação dessa índole e não era motivo de dissensão o lucro, o desejo, a cólera, a ambição, nem nenhum outro afeto semelhante, mas todos os pitagóricos deveriam adotar tal atitude entre si, como a que devia manter um bom pai para com os seus filhos. (Jâmblico, Protréptico)

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Havia dois momentos onde punham especial cuidado: quando se iam deitar e quando acordavam. Pois convém em cada um deles observar as coisas que se fizeram e as que se vão fazer, tomando conta perante si mesmo das coisas passadas, e fazendo previsões sobre as vindouras. Antes do sono recomendava recitar estes versos para si mesmo: «Não recebas o sono nos teus brandos olhos até que tenhas revisto três vezes os atos do dia. O que aconteceu? O que é que eu fiz? O que é que tinha de ter cumprido?». E antes de se levantar estes outros: «Quando do sono de doce pensamento te levantares, primeiro considera bem as ações que terás de cumprir em vigília». (Porfírio)

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Aquele que aprendeu a respeitar-se a si mesmo e não ousa cometer, sozinho ou em companhia, atos desonestos; e não só estes, mas ainda é capaz de afastar de si até o pensamento deles, consegue, de acordo com o guardião que há em si mesmo, encontrar-se em condições de compreender esses preceitos. Aquele que se encontra imposto da sua própria dignidade, jamais se deixa seduzir pela lisonja, nem envilecer pelo temor. Assim apetrechado, ninguém no mundo poderá jamais induzi-lo a proferir palavras ou a realizar atos que não se ajustem à sua reta razão… qualquer acontecimento exterior tem por finalidade converter-se em instrumento da alma… Se conheces a tua própria essência, conhecerás tudo aquilo que por natureza te é afim e terás precaução para não te afastares dessa semelhança. (Hiérocles)

Afirmam que o homem pode melhorar de três maneiras: primeiro, conversando com os Deuses, dado que ninguém os pode alcançar a menos que se abstenha de todo mal, imitando a divindade, mesmo até à assimilação; segundo, pelas boas obras, que são características da divindade; terceiro, pela morte, pois se a subtil separação entre a alma e o corpo, que resulta da disciplina, melhora de tal forma a alma que esta começa a adivinhar nos sonhos – e nos delírios da enfermidade que produzem visões – então a alma deve sem dúvida avançar muito mais quando se separa inteiramente do corpo pela morte. (Fócio)

Apolo com a coroa de raios e o halo, mosaico romano em El Jem, Tunísia. Creative Commons

Harmonia

“Se vos perguntarem: Em que consiste a felicidade? Respondei: em estar de acordo consigo mesmo; a alma bem harmonizada é feliz.” (Pitágoras)

Se vos perguntarem: em que consiste a saúde? Dizei: na harmonia. E a virtude? Na harmonia. E a bondade? Na harmonia. E a beleza? Na harmonia. E se vos perguntarem: O que é Deus? Respondei ainda: a harmonia. Deus é a ordem; a harmonia pela qual existe e se mantém o universo. Se vos perguntarem: em que consiste a natureza da divindade? Respondei: num círculo cujo centro está em todas partes e a circunferência em nenhuma. (Pitágoras)

Há uma medida, um limite de prosperidade e este é o que o homem honrado deve desejar. Da mesma forma há uma medida para o tamanho de um navio e a longitude do leme. Visto que o excesso de prosperidade faz com que, mesmo entre homens honrados, não seja a alma a que dirige, mas sim, pelo contrário, a prosperidade a que governa a alma. O mesmo que uma luz demasiado intensa danifica os olhos, demasiada prosperidade deslumbra a razão. (Arquitas)

Diz-se que o que o homem tem de maior é a alma que o induz ao bem ou ao mal… Que a virtude é harmonia, a saúde é harmonia, qualquer coisa boa é harmonia, também Deus é harmonia, e ainda todas as coisas existem pela harmonia. Que a amizade é uma igualdade harmónica. Que as honras devem dar-se aos deuses e heróis; mas não honras iguais, pois aos deuses deve dar-se sempre com louvores, com vestes brancas e com pureza; enquanto que aos heróis, a partir do meio-dia em diante. (Diógenes Laércio)

Amizade. Pixabay

Amizade

“Escreve na areia os erros do teu amigo.” (Pitágoras)

Dizem os sábios que o céu, a terra, os deuses e os homens mantêm entre si relações de amizade, respeito, temperança e justiça, e por isso denominam ao seu conjunto universo, não desordem nem selvajaria. (Jâmblico, Protréptico)

De uma maneira muito clara expôs Pitágoras a amizade de todos com todos, e a dos deuses com os homens através da piedade e do culto baseado no conhecimento, a das doutrinas entre si e, no geral, a da alma com o corpo e do racional com os aspetos irracionais através da filosofia e da sua própria contemplação.

Diziam que era necessário que na amizade se produzissem o menor número de feridas e danos possíveis. E isto era possível caso soubessem ceder e dominar a cólera ambas partes, mais concretamente, o jovem e o que pertencia a qualquer uma das categorias mencionadas. 

Jamais eliminava na amizade a confiança, nem a brincar nem a sério, porque não era fácil preservar a amizade existente, quando repentinamente irrompe a mentira na conduta dos que asseguram ser amigos. Numa amizade que ia ser autêntica, diziam que deveria haver, em grande medida, restrições e normas, mas deveriam estar bem definidas e não ao acaso, e precisamente também, deveriam dar-se para cada carácter individual, com a finalidade de que não se origina-se nenhuma relação com descuido nem ao acaso, mas sim com respeito, consciência e uma atitude reta, nem que provocara em qualquer circunstância nenhuma paixão, quer seja por maldade ou culpa, como por exemplo, um desejo ou uma explosão de cólera. (Jâmblico, De Vit. Pit)

Morte

 “Se vos perguntarem: O que é a morte? Respondei: A verdadeira morte é a ignorância.” (Pitágoras)

Ninguém morre a não ser em aparência, da mesma maneira que ninguém nasce a não ser que seja também aparentemente. A passagem da essência para a substância, esse é o nascimento, assim como a morte é a da substância à essência. Na realidade, ninguém nasce nem ninguém morre. Como pode um erro tão grosseiro ter subsistido tanto tempo?… Não são os indivíduos visíveis os que se modificam; é a substância primordial a que se modifica em cada um deles. Ela é a que é, e faz ser infinitas as suas modificações; é a eterna deidade despojada do seu nome e figura para não ter mais que os nomes e formas de cada individuo. Se considerarmos a verdade, não há que deplorar a morte, mas sim honrá-la… E qual pode ser a manifestação mais honrosa, conveniente e digna? Deixar a Deus os que entraram no seu seio e governar os homens que vos foram confiados, como fareis no futuro. Se existe uma ordem no universo – e certamente que haverá, – essa ordem está regulada pela divindade, o justo, pois, não desejará as alegrias que não tem, porque esse desejo provém de uma preocupação egoísta e contrária à ordem. É por isso que, estimará como felicidade tudo o que lhe acontecer. Avançai na sabedoria e procurai curar a vossa alma. Não pensem em vós antes dos demais, mas sim o contrário. Quantos motivos têm, à vossa volta, de consolação! E o filho que perderam, não está por acaso com vocês? Está, dirá qualquer homem sensato. De facto, o que é não pode perecer, o que é, sempre perdura e ao vosso lado palpita. (Apolónio de Tiana)

A purificação, como se diz antigamente na norma, consiste em separar muito especialmente a alma do corpo e em habituá-la a reunir-se e recolher-se desde todas as partes do corpo, e a viver, na medida do possível, só por si mesma, tanto no momento presente como no futuro, desligada do corpo, como se se tratassem de ataduras. E a isto chama-se morte, libertação e separação da alma do corpo. (Jâmblico, Protréptico)

Que possas escrever sobre a porta da tua casa o que os outros escrevem apenas sobre a sua tumba: este é um lugar de paz. Não temas morrer. A morte não é mais do que uma paragem no caminho. Quantos mortos há entre os vivos! (Pitágoras)

 Mundo arquetípico (detalhe de “A Criação de Adão”, Michelangelo). Domínio Público

Reflexão: Aqui tudo é relativo, ali tudo é absoluto

Os que transitamos no caminho da filosofia e gostamos das ciências, é normal estranharmos certas contradições presentes nestas últimas. Uma delas é o quão curioso é a observação de tantos que expressam elogios ao relativismo, afirmando categoricamente que a nova física chegou a compreender que tudo é relativo, que tudo muda, que nada é estável, é como se a ciência formal estivesse dando aval para declarar abertamente que inclusive a mesma moral é sempre relativa. 

Mas o que é curioso é que é a própria ciência a que busca constantemente o absoluto, e mais, utiliza-o diariamente, muitas vezes sem se aperceber disso. A ciência formal está continuamente utilizando e procurando constantes universais, ou seja, elementos permanentes, que não mudam, e inclusive que não podem ser representados através dos “nossos números correntes”, mas como aproximações, tais como os casos de ɸ, π etc. que como números irracionais não podem ser representados por frações, e como constantes estão presentes em incontáveis relações fundamentais na natureza. Podemos até dizer que algumas delas, como o π, são o “intermediário” ou “causa invisível”, entre a origem, o ponto adimensional e a superfície de uma esfera, um círculo, ou uma elipse. Desta maneira a ciência não só conhece, mas valoriza em grande medida esse mundo das constantes universais procurando encontrar aquela constante que as unifique a todas, a causa detrás de todas. As leis da natureza não são de alguma forma as causas dos fenómenos?

Uma vez que voltemos a aproximar-nos da sabedoria tradicional, o nosso mundo, o mundo sensível de Platão, em constante devir seguindo as palavras de Heráclito, é uma expressão das constantes universais, dos arquétipos platónicos, dos números pitagóricos, o ser de Parménides, etc. Desta maneira podemos dizer, quase cientificamente, que aqui, no mundo sensível de Platão, tudo é relativo, mas ali, no mundo inteligível, onde residem as constantes universais, as leis-causas da natureza, tudo é absoluto. Procurar as leis-causas que ligam os processos, e segui-las conscientemente, é desenhar a ponte que une os dois mundos.

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