«O número possui de uma forma extraordinária um certo poder de nos atrair para a verdade.»
Próclo (Teologia Platónica, IV, 24)
A cultura grega recolheu uma tradição milenar onde os números e as figuras geométricas formam um alfabeto de ideias e uma cosmovisão em que o arquitecto é visto como um recriador dos cosmo na terra, um cosmisador para utilizar o neologismo criado por Mircea Eliade. No ocidente a figura central desta tradição de matemática e geometria simbólicas foi Pitágoras, filósofo grego que depois de viajar pelo Egipto e Babilónia funda a sua célebre escola em Crotona na Magna Grécia. Assim nasceu o movimento pitagórico que influenciou Platão (veja-se o Timeu) e toda a tradição neoplatónica. No século XX, Almada Negreiros estudou amplamente esta tradição na procura do que chamava a antigrafia, estudos continuados por Lima de Freitas, sendo que ambos se apoiaram nos trabalhos do moldavo Matila Ghyka.
Para esta tradição, os números são as mais puras expressões das ideias e as figuras geométricas as suas sombras. O círculo, o quadrado, as proporções fi e pi são elementos fundamentais na sua concepção filosófica que têm influenciado a arquitectura sagrada ao longo dos tempos.
E sendo o arquitecto o tal recriador cósmico, surge um outro conceito fundamental aliado ao pitagorismo, a qualificação do espaço através de um sentido simbólico outorgado aos pontos cardiais e ao rito de fundação. Fernand Schwarz denominou-o de “geografia sagrada”[1], este sentido de ordenação do espaço onde o território físico se conecta com um território imaginal.
Esta concepção filosófica foi percepcionada por Lima de Freitas de modo inspirado:
“[Os números são] verdadeiros ‘seres’ carregados de um profunda significação simbólica e metafísica. […] O Número é aspecto do Nume. Nele arde o fogo secreto que une todas as coisas, visíveis e invisíveis, passadas presentes e futuras, daqui e de toda a parte. Número é também Nome: nome impronúnciável, indizível e secreto que a razão não pode inventar mas que inventa a razão. Como um campo magnético, só discernível quando a limalha de ferro lhe desenha a presença, o Número preexiste à forma e determina-a. Falar do Número é falar da cristalografia da presença, da potência, da ausência, de todos os possíveis. Número – assim o sabiam os Antigos – não é simples computo, nem mero calculo: é a arte da ciência e a ciência da arte; é a ordem secreta donde emanam todas as genéticas, todos os crescimentos; é a chave não espacial dos espaços, a chave atemporal dos tempos, o princípio do lugar, o pólo das polarizações, o diagrama fixo das evanescências; é o Sopro, o Pneuma, o Logos; é o que está e não está, o que é sem ser, a causa sem causa. E é ainda a sua própria consequência e todos os efeitos, o próprio transitório e o próprio evanescente.”[2]
E Almada Negreiros sustentava, «o cânone não é obra do homem, é a captação que o homem pode da imanência. É o advento inicial da luz epistemológica.»[3] Está assim claro que se trata uma filosofia de des-coberta e não de invenção humana, uma filosofia de procura da estrutura invisível da Natureza e de como se manifesta na essência do ser humano. Este é o saber antigráfico, no sentido de antes da grafia, ou, se quisermos, de uma grafia numérico-geométrica universal extraída da Natureza. Neste âmbito Almada Negreiros inspira-se em Francisco da Holanda.
Neste contexto, para a cosmovisão pitagórica os números-em-si, ou números ideais, são arquétipos que estão mais além da «cortina» do formal, e não actuam directamente no plano da manifestação. Os entes matemáticos e as figuras geométricas são as suas projecções no mundo imaginal, seres intermédios no processo de manifestação. Neste sentido, como afirma Giovanni Reale, «Os números ideais são, portanto, as essências dos números matemáticos e, enquanto tais, são “inoperáveis”, quer dizer, não podem ser submetidos a operações aritméticas»[4].
É assim que a sequência do ponto, linha, figura e corpo, dão-nos a chave do processo de manifestação da tradição pitagórica.
Esta concepção está claramente latente na milenar tradição egípcia. A unidade de onde tudo provém é Nun, símbolo das águas primordiais onde todo o universo reside em potência. De Nun emana um feixe de luz, surge a colina primordial, a primeira manifestação Atum-Rá. Rá é a luz universal, Maat, a sua filha, a justiça e a ordem cósmica, Thot é o seu verbo. O pensamento divino de Rá expressa-se através do verbo, ou seja, Thot que dá forma a todo o universo. Thot é o conceito-divindade que rege a passagem do não-formal, da luz sem-forma (arupica), às formas que permitem a diferenciação no universo, nesta passagem, em que se começam a formar as figuras geométricas fundamentais, os ângulos adquirem especial importância. Thot é, deste modo, o deus que preside ao «centro do mundo», conceito que desenvolveremos mais à frente.
O processo da criação, ou se quisermos, da emanação, é o processo onde as unidade se transforma na pluralidade, o Uno transforma-se no Todo sem perder a sua identidade de Uno, ideia que está subjacente no próprio vocábulo Universo. Da unidade à pluralidade, o espírito vai-se materializando, o ponto move-se e transforma-se na linha, a linha curva-se, angula-se, e dá forma à figura, esta ganha profundidade e surge o corpo, 1+2+3+4=10, o cosmo está criado.
É neste contexto de cosmovisão pitagórica e cosmoteísta que se pode entender a definição absorvida pelo cristianismo em que a divindade é «comprimento, largura, altura e profundidade», como asseverou Bernardo de Claraval, provavelmente inspirado em Paulo (Efésios, III, 17-18):
«(…) que Cristo habite pela fé nos vossos corações, a fim de que, estando arraigados e fundados em amor, possais compreender, com todos os cristãos, qual é a largura, o comprimento, a altura e a profundidade (…).»
Na emanação o espírito materializa-se, os deuses criam o universo. O Uno pluraliza-se. O ponto inicial ganha volume, ou seja, tem «comprimento, largura, altura e profundidade», torna-se o Todo.
No regresso do Todo à síntese da Unidade, o um-sem-segundo, a matéria espiritualiza-se. É o caminho dos humanos, a sequência corpo-figura-linha-ponto, a ascensão da consciência às ideias puras. Para o efeito, tem especial funcionalidade o mundo intermédio das formas imateriais, o mundus imaginalis, tradução de Henry Corbin para o conceito de alam-al-mithaldos neoplatónicos xiitas. Leia-se Suhrawardi (1155-1191) no seu Livro da Teosofia Oriental[5]:
“Assim como os antigos sábios, como Platão, Sócrates, Empédocles e outros, afirmaram a existência das Ideias Platónicas assegurando que são inteligíveis e pura luz, também admitiram a existência das formas imaginais autónomas, não imanentes a um substrato material do nosso mundo. Admitiram que são substâncias separadas, independentes das matérias materiais, e radicam na faculdade mediadora e na imaginação activa da alma, no sentido de que estas duas faculdades são os seus lugares epifânicos (…).
Estes sábios admitiam a existência de um universo duplo: por uma parte, o universo do suprasensível puro, por outra parte, o mundo das formas materiais, ou seja, o mundo das esferas celestes e dos elementos, mas, entre ambos, o mundo das formas das aparições, quer dizer, o mundo das formas imaginais autónomas(…). Estas formas imaginais (…) são substâncias espirituais que subsistem em si mesmas e por si mesmas no mundo da percepção imaginativa (…). Podemos dizer que todo o universo do imaginal é o lugar epifânico da Luz das Luzes e dos seres de luz imateriais. (…)”
Suhrawardi, Livro da Teosofia Oriental
O mundo imaginal é assim o lugar onde o raio de luz (a linha) ganha forma, cor, diferenciação, está entre a linha e a figura, entre o mundo arupico e o mundo rupico: é o lugar do «centro do mundo».
Corbin reitera que no neoplatonismo persa persiste a ideia da aparição (teofanismo, epifanismo), ou seja, o contacto entre uma forma imaginal e a consciência humana. Esse contacto acontece no centro do mundo. Quer dizer, o lugar onde a consciência humana tem a visão da imagem do divino (teofania).
Este conceito simbólico do «centro do mundo» tem sido muito utilizado por pensadores do «Novo Espírito Antropológico». Mircea Eliade, no seu Tratado de História das Religiões, sustenta:
«No centro do mundo está a “Montanha Sagrada”, aí onde se encontram o Céu e a Terra. (…) O “acesso ao centro” é equivalente a uma consagração, a uma iniciação.»
Simbolicamente, o «centro do mundo» pode ser visto como um espelho. Um espelho que recebe a “Luz branca” das Ideias Puras, não formais, e projecta no alam-al-mithalas formas imaginais que se tornam veículos daquela Luz. É como um prisma onde a luz (ou ideia pura) não-formal adquire forma.
Para Lima de Freitas, 515 de Dante é uma referência ao lugar do espelho. Note-se como no seu óleo, «O mensageiro do 515», se encontra um prisma através do qual a luz branca se decompõe nas sete cores do arco-íris. Esse prisma é um símbolo do «centro do mundo».
O «centro do mundo» é o lugar da visão que provoca a ressurreição, Hurqalya para os neoplatónicos persas. É onde a ideia-número projecta a sua sombra geométrica, segundo pensamento pitagórico. No pensamento indiano fala-se da passagem do arupico (sem-forma) ao rupico (formal).
O órgão da consciência que permite o acesso ao centro do mundo é a imaginação, a imaginação criadora. Aí acontecem os insights, as visões internas do sagrado, já que o centro permite o contacto entre o profano e o sagrado. Segundo esta perspectiva, a imagem precede o conceito, tal como a imagem de um brasão de armas precedeu a assinatura de um nome.
O centro do mundo é o lugar de inspiração, da captação da imagem que depois pode tomar forma racional ou artística (uma teoria da criatividade). É o lugar do arquitecto como recriador cósmico. É simbolizado pelo omphalos, como o de Delfos, e pelas igrejas-rotunda como a Charola do Convento de Cristo.
A imaginação, como controlo e condução segura das imagens e não como fantasia, é o órgão da alma que permite o acesso ao centro. E como afirmaria Mircea Eliade em Imagens e Símbolos, «as imagens são “aberturas” para um mundo trans-histórico.»
Na Idade Média a vesica piscis era um símbolo do mundo imaginal como lugar de aparição. Essa intercessão entre duas circunferências (o mundo das ideias e o mundo da matéria) era o lugar da epifania de Cristo.
Símbolo também absorvido pelos sufis do islão. Repare-se neste excerto de um poema de Mehemet Tchelebi:
«Aprende que o círculo tem duas faces diferentes. Põe uma à direita e outra à esquerda, a face da direita é o mundo exterior, a face da esquerda é o mundo interior. À frente dele está o lugar do homem, o homem é o espelho do misericordioso.»[6]
Simbolicamente, também podemos associar o centro do mundo à tensão entre a curva e a recta, entre o círculo do céu e o quadrado da terra. A quadratura do círculo é impossível, em termos geométricos, usando o esquadro e o compasso, porque o céu e a terra não comunicam directamente, para o efeito necessitam de um elemento que faça a ligação, que é o ser humano. Por essa razão, nas representações de Deus como arquitecto, este sempre aparece com o compasso e não com o esquadro. O compasso desenha círculos, as ideias, o esquadro está associado às rectas, à rectidão, à obra concretizada, à manifestação na terra.
Essa força que permite a passagem do círculo ao quadrado é fohat, o impulso espiritual que estrutura a matéria. O ser humano como co-criador e ser crucificado na terra mas com alma de origem divina, tem essa possibilidade de captar os círculos do céu, as ideias, e, através da sua rectidão, concretizá-las na terra.
Fohat é o π, daí a importância simbólica do 3,14 como proporção, que aparece constantemente reflectida em monumentos como por exemplo a pirâmide de Keóps.
Na China, o imperador mitológico Fuxi aparece amiúde representado com a sua irmã-esposa Nüwa, ambos meio-serpentes, meio-humanos, sendo que Fuxi porta um esquadro e Nüwa um compasso.
Almada Negreiros, primeiro, e Lima de Freitas, depois, interessaram-se deveras pelo chamado Ponto da Bauhütte, referido no seguinte dito de origem medieval:
Um ponto que está no círculo e se
coloca no quadrado e no triângulo:
conheces este ponto?
Tudo irá bem.
Não o conheces?
Tudo será em vão.
Referência medieval ao Ponto de Bauhütte
Impendentemente da solução geométrica para o enigma proposta, o essencial da mensagem deste dito é a de que o mestre arquitecto para realizar a obra tem de possuir uma consciência vertical que ligue o círculo do céu, a força divina da trindade e o quadrado da terra. Encontre o axis mundi.
Na Idade Média conheciam-se os princípios pitagóricos da arquitectura sagrada, nomeadamente no seio das confrarias de mestres canteiros e na famosa Escola de Chartres. Pitágoras está representado na Catedral de Chartres e o Timeu de Platão circulava nos meios cultos da época. E já Santo Agostinho asseverava:
«(…) se os homens desprezam o número, por não conhecer a sua essência, aqueles que a conhecem e meditam no seu âmago descobrem a profunda unidade da natureza, que faz do número e da sabedoria uma mesma realidade inteligível.”
Santo Agostinho, De libre arbitrio
E o duplo quadrado referido no Antigo Testamento, (I Reis, VI, II), como uma das proporções mais importantes do Templo de Salomão, foi amiúde utilizado nas plantas das igrejas românicas, por exemplo na Igreja da Cabeça Santa, em Penafiel.
O duplo quadrado é uma figura geométrica com muitas propriedades, veja-se:
A proporção dourada ou secção áurea, aproximadamente 1,618, é comumente representada pelo phi. Euclides definiu como encontrar a razão de ouro:
Diz-se que uma recta está dividida em média e extrema razão quando o comprimento da linha total está para a parte maior como esta parte está para a menor.
Euclides, Elementos de Geometria, VI
Na Idade Média, e ainda durante o Renascimento, o arquitecto como recriador do cosmo está bem ciente desta linguagem antigráfica que estabelece ligações entre o céu e a terra. Como escreveu Jean-Pierre Bayard na sua obra La Tradition cachée des cathédrales :
«O arquitecto medieval confere aos traçados mais elementares um sentido secreto. Com a ajuda do compasso, o «instrumento do Senhor», encontra, por meio das proporções que se desprendem, um valor numérico que o coloca em comunicação com as formas naturais. A harmonia surgida das figuras simples, que se decompõem e recortam de tantas formas, une o detalhe ao todo. Não existe separação, mas fusão, entre o mundo material e o seu espírito.»
Vejemos o exemplo da fachada da Igreja do Mosteiro de S. Salvador de Paço de Sousa. Encontramos amiúde a proporção dourada, o triângulo equilátero assim como o triângulo dourado do decágono:
Repare-se também no estudo geométrico realizado por Cesar Cesariano sobre a Catedral de Milão:
«Como é em cima é em baixo, como é em baixo é em cima»
Máxima atribuída a Hermes Trismegisto, Kybalion
No geral, para as grandes civilizações do passado, o templo, a cidade, o país, eram espaços qualificados, cosmisados, que reflectiam a ordem cósmica do céu. O arquitecto era iniciado para qualificar o espaço de modo a afastar as forças do caos, dando-lhe uma ordem (cosmisando-o) inspirada na ordem celeste, por exemplo no Egipto o Nilo celeste reflectia-se no Nilo terrestre, ligavam-se na nascente mítica do Assuão, origem da vida. Esta qualificação do espaço estava de acordo com uma geografia imaginal, ou geografia sagrada, onde a ideia de centro e dos quatro pontos cardiais tinham especial significado.
Do mesmo modo que o ser humano vive numa constante tensão entre o seu mundo subjectivo, psíquico, e a sua circunstância externa, a cidade física estava envolvida por uma geografia imaginal, que lhe dava significado. Voltando ao exemplo egípcio, toda a sua geografia sagrada tem por base a própria cruz de fogo e água, que era a própria terra de Khem. A linha de fogo e de luz era o caminho dos deuses, de Rá, que todos os dias nascia a oriente e cruzava o mundo dos vivos (a oriente) e o mundo dos mortos (a ocidente), em Tebas, na actual Luxor, esta qualificação do espaço ainda hoje pode ser perfeitamente percepcionada, na Tebas oriental estava o mundo dos vivos, o templo da criação, Karnac, e o templo do Ka Real e do nascimento do faraó, filho do sol, templo de Luxor. Na Tebas ocidental, ou seja, a ocidente do Nilo, estão o vale dos Reis, das Rainhas e dos Nobres, com as suas câmaras de ressurreição, os seus túmulos, assim como os chamados templos de milhões de anos, os grandes templos funerários dos faraós, como o magnífico de Hatchepsut em Del el-Bahari. A linha de água, da vida, da realeza, é o eixo norte-sul tipificado pelo próprio Nilo que flui de sul para norte. Da origem da vida, no Assuão, até ao delta do Nilo, papiro que se abre. Estas duas linhas, a de luz e da vida, deram a estrutura à geografia sagrada e imaginal do Egipto[7].
Observemos o circuito sagrado da múmia real até atingir a sua câmara da ressurreição nas grandes pirâmides de Gizé. Por exemplo, na de Kefren. Chegava a múmia através de um braço do Nilo ao porto que estava junto ao templo de baixo, ao lado da Esfinge, a oriente do complexo, depois fazia a via sacra que reproduzia o dwat, até ao templo de cima, eixo oriente-ocidente, de seguida, circundava a pirâmide e entrava a norte, e realizava simbolicamente o caminho norte-sul, em direcção à origem da vida, a partir daí seguia no duplo ou kada sua barca sagrada[8]pelo Nilo celeste. Portanto, o faraó antes de encontrar a sua morada da eternidade reproduzia a cruz de luz e vida.
Vamos encontrar em várias tradições a ideia mandálica de um centro, como akropólis, cidade alta ou do centro, onde se encontram os templos e instituições mais importantes da cidade. Seguindo a expressão geométrica do 4+1, 4 como o quadrado da terra, e 1 como o centro e axisque verticaliza as energias telúricas estabelecendo a ligação entre o céu e a terra, que «prende» a energia celeste, como era a ideia do Intihuatana de Machu Picchu.
O 4 surge também como expressão numérica simbólica dos quatro elementos, terra, água, ar e fogo. Sendo o quinto elemento, o éter, simbolizado pelo dodecaedro pelos pitagóricos e platónicos, aquele que está directamente relacionado com o espaço celeste.
Como exemplo desta estrutura mandálica citamos o caso da cidade azteca de tenochtitlan e Angkor Wat, no Camboja.
Em Paris, o centro simbólico da cidade é claramente a Île de la Cité, sendo o decumanus actual a recta que vai desde o Louvre até ao Grande Arche de La Défense. Este decumanus tem um desvio de 26º relativamente ao paralelo, o mesmo desvio que encontramos no eixo na Notre-Dame, que é curiosamente um ângulo relacionado com o duplo quadrado (ver imagem supra). Um ângulo identitário da geografia sagrada de Paris[9].
Relativamente à Grécia antiga, Theophanis Maniàs encontrou uma geometria impressionante formada pela localização dos templos principais. Trata-se de um tema de grande relevância para a compreensão das origens da cultura ocidental pelo que o desenvolveremos em próximos trabalhos.
E. g. verifique-se que Delfos está à mesma distância da Acrópole de Atenas e de Olímpia, sendo que assim, Acrópole-Delfos-Olímpia formam um triângulo isósceles. E Nemeia está à mesma distância de Olímpia e da Acrópole. Mais significativo, Nemeia-Delfos-Olímpia forma um triângulo rectângulo igual ao triângulo Nemeia-Delfos-Acrópole. Nestes dois triângulos rectângulos a relação entre a hipotenusa e o lado Nemeia-Delfos é 1,618, a proporção dourada!
Recordemos que Delfos era o omphalos da Grécia, «umbigo do mundo», o mesmo significado que Cuzco para o império Inca. Em Cuzco, o Coricancha era o centro sagrado de todo o império Inca, onde periodicamente se levavam objectos sagrados, huacas, de todas as religiões.
Sobre o espaço e geografia sagrados, recordemos Mircea Eliade[10]:
«Como se trata de um espaço sagrado, que é dado por uma hierofania ou construído ritualmente, e não de um espaço profano, homogéneo, geométrico, a pluralidade de «Centro da Terra» no interior de uma só região habitada não revela alguma dificuldade. Estamos em presença de uma geografia sagrada e mítica, a única efectivamente real, e não de uma geografia profana, “objectiva”, de uma forma abstracta e não essencial, construção teórica de um espaço e de um mundo que habitamos e, por conseguinte, que não conhecemos. Na geografia mítica, o espaço sagrado é o espaço real por excelência, visto que, para o mundo arcaico o mito é real porque ele narra as manifestações da verdadeira realidade: o sagrado.»
É tempo de recordar o grande neoplatónico português, Francisco da Holanda, no momento em que se comemora o quinto centenário do seu nascimento.
«Muito primeiro se há de fortalecer e reedificar a cidade interior de nossa alma que a de pedra e cal exterior.»
Da fabrica que fallece á cidade de Lisboa, cap. II. Actualizámos ortografia na citação
Lisboa que após o terramoto também encontrou geómetras e arquitectos de índole pitagórica e hermética. Repare-se como o símbolo do caduceu de Hermes foi cristalizado na geografia da Baixa Pombalina, através da rua Augusta, signo do cetro, do axis, e das rua laterais, do ouro e da prata, símbolo das duas serpentes e das energias lunar, prata, e solar, ouro.
Prometemos em futuros trabalhos, através do Círculo Lima de Freitas, o estudo de exemplos portugueses de cariz pitagórico.
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emocionada e deleitada