Viver a Matemática

A origem do pensamento matemático tem como fundamento o conceito de número e remonta a épocas muito distantes, quando ainda não existia o que hoje conhecemos como civilização.

Comecemos com um pouco de história, pois é importante saber de onde vimos, onde estamos e para onde vamos. A memória é muito importante em todo este trajecto e ajuda-nos a compreender melhor a “matemática”.

Relembremos:

Osso de Lebombo. Wikimedia Commons

O objecto matemático reconhecido como possivelmente o mais antigo é o osso de Lebombo, descoberto nos montes Libombos, na Suazilândia, e datado de aproximadamente 35000 anos a.C. Tal osso consiste em 29 entalhes feitos numa fíbula (ou perónio) de um babuíno.

Há muitos milhares de anos, antes da invenção dos números, quando os homens ainda eram caçadores-colectores, havia alguns problemas quotidianos que necessitavam de resolução, tais como: contar, medir, comparar, classificar, entre outros.

Para solucionar estas questões, o homem começou por fazer marcas num osso ou numa pedra. Cada marca correspondia a um determinado conceito na sua mente. A forma das marcas era irrelevante, o que era importante era a relação entre cada conceito na mente e a respectiva marca. Esta relação caracterizava-se por uma correspondência biunívoca, ou seja, a cada elemento de um conjunto correspondia um, e só um, elemento do outro conjunto.

Com a evolução o homem deixou de ser nómada e passou a praticar a agricultura e a criação de animais, surgindo a necessidade de uma nova forma de contagem, pois agora, o homem, precisava de controlar o número de animais do seu rebanho. Passou então, a utilizar pedras: cada animal era representado por uma pedra (não é por acaso que a palavra cálculo, em latim significa “contas com pedras”). Por exemplo para contar cada animal que ia pastar, colocava uma pedra dentro de um saco ou num montinho. Ao final do dia, para cada animal que guardava, retirava uma pedra. Assim, mantinha o controle e sabia se algum animal se tinha perdido.

Este processo relaciona, por comparação, dois conjuntos distintos, mas não cria o número no seu sentido absoluto da palavra.

Com o tempo, foi-se fazendo a transição do relativo para o absoluto.

Neste processo de transição o homem começou por selecionar elementos do mundo que o rodeava e criou, com eles, conjuntos modelos, para simbolizarem os números, como por exemplo: as asas de um pássaro que significariam o número dois, as folhas de um trevo o número três, as patas do cavalo o número quatro, os dedos da mão o número cinco.

De seguida fazia com que cada um destes modelos (asas de pássaro, trevo, etc.) caracterizasse um determinado conjunto, ou seja, fazia a correspondência entre um conjunto e um elemento do conjunto modelo.

À medida que a linguagem foi evoluindo, o som das palavras que exprimiam os primeiros números foi substituindo as imagens criadas, assim paulatinamente foi surgindo o número enquanto conceito abstracto.

Com o passar do tempo, o número, acaba por se desligar do objecto que o representava originalmente e este acaba por cair no esquecimento.

O número passa então a ser um símbolo, ou seja, os modelos concretos iniciais tomaram a forma abstrata dos nomes dos números.

O número é sem dúvida, a maior criação matemática, assim como a palavra é a maior criação humana.

Antes de avançarmos para outra grande criação da matemática, que é o seu próprio sistema de criação, convém que saibamos, pelo menos, três dos seus conceitos básicos: “axioma”, “teorema”, “corolário” e “teoria”.

Vejamos:

A palavra “teoria” pode ter diversos significados e ser utilizada de forma genérica para descrever uma hipótese ou uma ideia baseada em conhecimentos anteriores.

No caso, da matemática, “teoria” refere-se a uma área do conhecimento mais abrangente, criada a partir de teoremas e axiomas. É o resumo de um vasto campo de saberes que também leva ao surgimento de hipóteses. Um exemplo, é a geometria euclidiana, que inclui os axiomas de Euclides e o Teorema de Pitágoras.

As teorias geralmente são baseadas na observação de fenómenos ou teoremas reais e são “maleáveis”, pois podem ser actualizadas por novos factos, como por exemplo com a evolução científica. Sempre que observamos algum facto novo que venha a contrariar a teoria vigente, deve-se abandonar as ideias conflituantes e nunca ignorar o facto: modifica-se a teoria, de forma a integrar o facto e as novas ideias. Isto faz com que as teorias evoluam em virtude da descoberta de novos factos, que necessariamente passam a integrar a versão evoluída da mesma.

As teorias também podem ser excluídas ou descartadas em vez de serem alteradas.

Um axioma é uma sentença que não necessita de ser provada ou demonstrada e é considerada como óbvia ou como um consenso inicial necessário para a construção de uma teoria. Por essa razão, é aceite como verdade e serve como ponto inicial para a dedução de outras verdades.

Na matemática, um axioma é uma hipótese inicial da qual derivam outros enunciados. 

Portanto um axioma é um conceito matemático que não precisa de demonstração para ser verdadeiro. É uma ideia considerada óbvia e tomada como verdadeira, mesmo sem ser provada nem existirem provas para tal, e servem como base para a dedução de outras verdades.

Um dos axiomas mais famosos da história diz-nos que as “Coisas que são iguais a uma mesma coisa são iguais entre si”, por exemplo.

Já um postulado é diferente de um axioma, pois pode ser demonstrado de alguma forma. Um exemplo de postulado é: “Dados dois pontos distintos, há um único segmento de reta que os une”. Isto é, enquanto que o axioma é mais “genérico” e não é demonstrado, o postulado é um pouco mais específico e refere-se a uma área específica da matemática.

Um teorema é uma afirmação que pode ser provada como verdadeira, por meio de outras afirmações já demonstradas, como por exemplo outros teoremas, juntamente com afirmações anteriormente aceites, como axiomas.

Euclides. Creative Commons

Chamamos prova ao processo de mostrar que um teorema está correto. 

O termo teorema foi introduzido por Euclides, e significa “afirmação que pode ser provada”, ou seja, é o desdobramento de outros conceitos matemáticos considerados incontestáveis.

O teorema necessita de ser demonstrado — e essa demonstração pode ocorrer pela aplicação de outros teoremas.

Um exemplo clássico, talvez o mais conhecido, é o teorema de Pitágoras que nos diz o seguinte: “Em qualquer triângulo retângulo, o quadrado do comprimento da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos comprimentos dos catetos”.

Um corolário é uma afirmação deduzida de uma verdade já demonstrada, ou uma proposição resultante de uma verdade.

É uma decorrência imediata de um teorema. Por exemplo, o comprimento da diagonal de um quadrado cujo lado possui comprimento a é dado por a⋅√2. Isto é um corolário do teorema de Pitágoras.

A outra grande criação da matemática (que referi acima) é o seu próprio sistema de criação, pois cada novo resultado é validado por uma comunidade de matemáticos, que o examina pormenorizadamente e seguindo a lógica do pensamento humano corrige as suas imperfeições. No final, obtém-se um resultado demonstrado, isto é, dedutível por todos os que queiram percorrer a cadeia de associações estabelecidas. A este resultado chama-se teorema. 

Por vezes, podemos pensar que, em matemática, os teoremas se obtêm pela combinação adequada de teoremas precedentes, mas não é assim tão simples. É necessário ter capacidade intelectual para efectuar boas combinações, aplicar correctamente as regras da lógica e alguma criatividade. 

Como nos diz Poincaré uma demonstração matemática não é uma justaposição de silogismos, mas sim um conjunto de silogismos apresentados de acordo com uma certa ordem, sendo a ordem pela qual se colocam muito mais importante do que os próprios elementos colocados.

A criatividade matemática consiste, também, na capacidade de fazer novas perguntas e na resolução de novos problemas. Quando colocamos questões sobre a vida, estamos a criar. Algumas das maiores criações matemáticas da história estiveram relacionadas com os períodos de crise e também com as actividades da vida quotidiana.

A opinião mais difundida sobre o que é a matemática é a de que esta é uma “ciência exacta”, pois o paradigma do matemático é a exactidão, a precisão e o rigor.

Mas o rigor matemático variou muito ao longo do tempo. Vejamos, por exemplo, os gregos antigos, eles foram bastante rigorosos nas suas argumentações; mas no tempo da criação do Cálculo Diferencial e Integral, como as definições envolviam a noção de limite que, pelo conhecimento da época, só poderia ser tratado intuitivamente, o rigor foi menos intenso e muitos dos resultados eram estabelecidos com base na intuição. Isto levou a que houvesse contradições e “falsos teoremas”. Por esta razão, por volta do século XIX, alguns matemáticos, tais como Bolzano, Karl Weierstrass e Cauchy dedicaram-se a criar definições e demonstrações mais rigorosas.

Fragmento de “Os Elementos” de Euclides. Domínio Público

A educação da matemática baseou-se durante muito tempo no livro “Elementos” de Euclides, livro de matemática de excelência, que nos diz que a partir de verdades essenciais aceites como certas (postulados) deduzem-se outras verdades novas (teoremas), menos evidentes do que as primeiras, as quais, por sua vez, podem dar origem a outras. O resultado é uma consequência do raciocínio lógico baseado nos postulados originais.

Por esta razão, a concepção mais difundida da matemática está ligada a esta relação ideal de resultados exactos entrelaçados entre si de acordo com o seguinte esquema:

Axioma – Teorema – Demonstração – Corolário–Exercício.

O desenvolvimento do conhecimento matemático deve-se ao interesse do ser humano pela resolução de problemas, assim, a matemática, não deixa de ser um produto histórico, social e cultural, como nos diz Imre Lakatos, o matemático vai abrindo o seu caminho através da selva, contornando obstáculos, e concretiza, passo a passo, contra-exemplo a contra-exemplo, os seus teoremas. 

Todos nós, quando andávamos na escola, nos questionámos porque tínhamos que aprender matemática e para que é que ela nos serviria, pois não conseguíamos ver nenhuma aplicação prática no nosso quotidiano.

A verdade, é que a matemática está presente na nossa vida, quer nós o percebamos quer não!

A matemática está presente tanto quando fazemos uma simples compra no supermercado, como quando fazemos uma aplicação de um grande investimento financeiro. 

Os nossos dias também são regidos pela matemática, pois temos horas para levantar da cama, para tomar banho, para ir trabalhar, para ir à escola e assim por diante. Isto só é possível graças aos números, que nos permitem contar as horas.

Quando comemos estamos a utilizar o conceito da proporção matemática, pois sabemos que se comermos demais vamo-nos sentir mal e se comermos pouco, ficaremos com fome. 

Podíamos continuar a listar mais, e mais, exemplos, mas como já devem ter percebido, a matemática faz parte da nossa vida quotidiana!

Então, qual a razão de tantos jovens não gostarem de matemática?

A matemática exige dos estudantes um grande comprometimento e também uma boa capacidade de raciocínio lógico. Hoje em dia, infelizmente, estes conceitos não são valorizados, pelo contrário, o que está na moda é a desresponsabilização, a aceitação sem questionar, sem raciocinar. O pensar fora da caixa caiu em desuso, assim, vamo-nos transformando em cordeiros, em robots, sem darmos conta do que nos está a acontecer. Deixamos o nosso futuro e a nossa vida nas mãos de uns poucos, em vez de, tomarmos em mãos a tarefa de viver, de fazer as nossas escolhas, de percorrermos o nosso caminho à nossa maneira… 

Outro grande problema é a forma como a matemática é ensinada nas escolas, totalmente descontextualizada. Quando se estuda um novo conceito é essencial que se o compreenda profundamente e, também, é muito importante saber qual a sua aplicação prática. 

Na realidade, todos os conceitos matemáticos fazem parte da nossa vida e estão em todos os lugares à nossa volta. Mas, é apenas quando conseguimos entender as aplicações práticas destes conceitos que percebemos a relevância que a matemática tem nas nossas vidas.

A educação matemática construtiva defende que a partir de uma coisa que já sabemos, com alguma ajuda e uma boa gestão da informação, somos capazes de resolver problemas, ou seja, criar a nossa matemática. Então toda a gente pode criar algo de matemático.

Matemática não é apenas criar grandes teoremas que ficam na história, é também formular perguntas, dar explicações matemáticas dos fenómenos, desenvolver métodos práticos para levar a matemática até à realidade, utilizar a tecnologia para criar matemática e soluções matemáticas e, acima de tudo, reconhecer que a resposta matemática a uma pergunta não só é necessária, como também suficiente.

Aprendemos matemática questionando-nos, colocando problemas e resolvendo-os. 

A matemática exige o compromisso de aprender a procurar respostas, mas para isso são necessárias perguntas e quase ninguém faz perguntas matemáticas acerca do que vê, ouve, faz ou vive.

Podemos começar por adoptar uma postura de observação mais matemática, isto significa uma postura mais objectiva, ou seja, formular perguntas cujas respostas não dependam dos nossos gostos, mas sim que sejam respondidas com base em qualidades espaciais ou relações quantificáveis. 

Por exemplo, quando nos levantamos de manhã, vemo-nos ao espelho, mas só olhamos o rosto ou então o corpo completo, nunca nos questionamos sobre quais as dimensões mínimas de um espelho para cumprir a sua função, que altura mínima deveria ter. Para isso teríamos de determinar que relação existe entre o espelho, o rosto/corpo e o rosto/corpo nele reflectido. 

Outro exemplo, seria ao contemplarmos o horizonte, o nascer ou o por do sol (nunca ninguém pensa em questões matemáticas nesta situação) podemos verificar que se nos agacharmos o horizonte aproxima-se e quando nos levantamos afasta-se. Também podemos verificar, se dermos uma volta completa sobre nós mesmos, que o horizonte é circular. Podemos questionar-nos sobre qual a distancia que nos separa da linha do horizonte? Qual é o seu raio?

Este seria o primeiro passo para criarmos matemática: formular perguntas acerca do nosso quotidiano cujas respostas se orientam para o objectivo numa perspectiva mais científica. 

É necessário querer compreender e explicar as coisas segundo uma abordagem matemática, isto é, colocar questões objectivas de alguns aspectos do mundo com base na quantificação. 

A formulação destas questões matemáticas sobre os fenómenos vividos por um indivíduo, visa a apreensão, quantificável e isenta, da realidade e do ambiente onde se desenvolve a vida, pois só com a matemática podemos compreender o mundo.

Todos podemos criar matemática e quando criamos, vivemos.


FONTES:

Wikipédia

National Geographic – A Criatividade em Matemática

https://www.superprof.pt/blog/

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